O DILEMA DA CERTIFICAÇÃO

Grandes grupos agrícolas aderem em peso ao selo internacional RTRS, mas médios e pequenos produtor


Edição 39 - 06.12.23

Grandes grupos agrícolas aderem em peso ao selo internacional RTRS, mas médios e pequenos produtores de soja ainda questionam a complexidade de adequação 

Por Paula Pacheco 

Nem tão veloz e lucrativa como se esperava nem tão lenta e frustrante como se previa no pior cenário. A passos moderados, avança a certificação da soja e do milho brasileiros de acordo com os critérios da Associação Internacional da Soja Responsável (RTRS, na sigla em inglês). Ainda há, porém, muita incerteza entre os produtores, especialmente os médios e pequenos, sobre os ganhos financeiros que o atendimento pleno às exigências para a obtenção dos diplomas de produção ambiental, social e de governança pode acarretar. As maiores companhias nacionais de produção do grão aderiram de modo consistente aos protocolos, mas o ritmo de adesões da maioria dos agricultores do setor ainda não é considerado o ideal. 

“O prêmio está aquém das expectativas”, avalia o diretor de RH, Sustentabilidade e TI do grupo SLC Agrícola, Álvaro Dilli. “Para muitos agricultores, receber apenas US$ 2 a mais por tonelada de grãos de produção certificada não é significativo para a tomada de uma decisão que implica em custos altos, processos bastante complexos e ganhos, até aqui, inferiores aos que eram projetados desde 2006, quando a RTRS foi fundada”, acrescenta. Naquele período, acreditava-se que a adesão dos compradores à certificação seria tão grande que toda a soja brasileira poderia migrar, integralmente, para aquele modelo de produção, repleto de normas de sustentabilidade ambiental, social e de governança.  

No caso da soja, a aderência aos protocolos da RTRS no País chega a 303 fazendas certificadas, que representam 1,5 milhão de hectares plantados. Já os compradores somaram 200 até 2022. Nos últimos dez anos de certificação, registra-se uma média de crescimento anual em verificações entre 5 e 10%. Com base nessa tendência, a entidade projeta que o selo RTRS deva alcançar um volume próximo a 8 milhões de toneladas certificadas em 2023. 

A partir de 2022, a entidade internacional, fundada em 2006, passou a incluir a certificação do milho entre as suas atribuições. No primeiro ano, foi registrada no Brasil a adesão de apenas três produtores e uma cooperativa, segundo Cid Sanches, consultor externo da RTRS no Brasil. No entanto, há uma série de auditorias em andamento, cujo ritmo deve se acelerar em novembro e dezembro, com novas adesões previstas para os meses de março e abril.  

Desde o início do ano passado, o milho produzido no Cone Sul atingiu 653 mil toneladas verificadas neste primeiro ano. Destas, 489.827 mil toneladas saíram de lavouras brasileiras, 153.182 mil toneladas foram produzidas na Argentina e 10.144 mil toneladas, no Uruguai. Em 2023, a produção brasileira de milho certificado deverá alcançar 1 milhão de toneladas. 

Os produtores que buscam o aval RTRS precisam atender 27 quesitos e se enquadrar em mais de uma centena de indicadores. O pacote de exigências vai desde questões maiores da organização das lavouras, como cobertura verde e manutenção das reservas legais, até detalhadas regras de logística como o estabelecimento de distâncias seguras em alojamentos de funcionários e depósitos de defensivos agrícolas.  

A SLC Agrícola aderiu ao milho certificado em 2023 e já tem uma trajetória consolidada como a maior produtora mundial de soja RTRS. A produção é de cerca de 800 mil toneladas anuais, num total de 220 mil hectares plantados. Se para os pequenos e médios produtores a remuneração extra de US$ 2 por tonelada pela certificação não provoca ganhos significativos em receitas, para as dimensões da colheita da SLC o impacto é positivamente sensível. O grupo projeta para este ano um acréscimo de R$ 10 milhões à sua receita com a soja certificada.  

A jornada da certificação na SLC começou em 2008, quando a RTRS ainda estava em fase de estruturação. A primeira certificação veio em 2011. “Acreditamos desde o começo que o futuro da agricultura seria por meio da certificação, com o compromisso da responsabilidade e da sustentabilidade”, diz o diretor Dilli. “Entregar uma soja diferenciada, avaliada por uma terceira parte, nos dava a certeza de que o produto chegaria a qualquer mercado.” 

Atualmente, apenas 1,5% da soja comercializada no mundo é certificada. A expectativa do diretor é de que esse mercado se desenvolva, atingindo nos próximos anos 4,5% e, no futuro, ao menos 15%. O crescimento, na sua avaliação, “geraria um círculo virtuoso no mundo que resolveria, por exemplo, os problemas relacionados à franja amazônica”. Neste ano, com cerca de 135 mil hectares de milho na mesma plataforma RTRS, Dilli aposta no ganho em reputação, já que, por ora, a SLC não recebe nenhum adicional pela venda desse grão.  

Outra gigante da soja, a Amaggi também tem parte da sua produção de soja certificada pela RTRS. Assim como a SLC Agrícola, a empresa participou desde o começo do projeto de reconhecimento das regras RTRS. A diretora de ESG, Comunicação e Compliance da Amaggi, Juliana Lavor Lopes, lembra que foram necessários cinco anos até que se chegasse aos critérios que balizariam a certificação do grão. “Tomar parte nas discussões no âmbito da RTRS nos ajudou a dar celeridade à implementação dos protocolos”, diz a executiva. “Com boa parte das exigências já adotadas nas propriedades, graças a certificados como a ISO 14.001, a Amaggi foi a primeira empresa a ser certificada e a implementar as novas práticas junto a um grupo de fornecedores.” 

Segundo a diretora da Amaggi, o maior desafio trazido pela decisão de adotar a RTRS foi a mudança de cultura no processo de gestão, não só nas propriedades próprias, mas também nas de parceiros. “Da perspectiva do produtor, a mudança na gestão é o ponto mais sensível, mas, quando há a compreensão dos ganhos, ganha-se corpo mais rapidamente”, afirma. Produtores parceiros da Amaggi têm conseguido obter a certificação, em média, oito meses após o início do processo.   

O fornecedor da Amaggi adere ao RTRS de forma voluntária. Já a produção própria da empresa é 100% certificada. Mesmo quem opta por não investir no selo tem de atender a critérios mínimos socioambientais. É preciso seguir a legislação relacionada à moratória da soja, provar não fazer parte da lista suja do trabalho análogo à escravidão, estar fora do rol de embargo do Ibama e dos órgãos estaduais e respeitar unidades de conservação e de terras indígenas. O trabalho de monitoramento também é feito pela Amaggi. Diariamente, as áreas dos fornecedores – cerca de 17 milhões de hectares – são monitoradas via satélite. No ano passado, menos de 1% da soja de terceiros foi bloqueada por não estar em conformidade com a regras internacionais. 

Antiga entusiasta da certificação, a Bayer aderiu ao RTRS em 2013. Hoje em dia, o papel da multinacional é desenvolver ações de fomento para a adoção do selo. Um exemplo é dar ganho de pontos do programa de relacionamento da empresa, o Impulso Bayer, aos produtores que fazem a pré-auditoria ou a auditoria da RTRS. Diretora de Alianças da Cadeia de Valor Alimentar da Bayer para a América Latina, Alessandra Fajardo diz que o alcance da soja com certificados como a RTRS tem potencial para crescer. “Mas não pode achar que vai ter transformação no campo e que o custo todo será do agricultor, sem ser compartilhado por toda a cadeia”, afirma a executiva. “O gargalo que vemos não está em encontrar gente que queira certificar, mas que queira comprar a produção certificada. 

A Unilever está entre as empresas que aderiram à soja com certificação RTRS para ampliar o impacto positivo nas cadeias de fornecimento. A intenção é trazer mais fornecedores indiretos para o grão sustentável, explica o líder de Nutrição da Unilever Brasil, Rodrigo Visentini. A adesão confirma o esforço da companhia e de suas marcas em construir soluções sustentáveis, que também atendem a um consumidor mais exigente. “Estamos empenhados em engajar nossos parceiros, fornecedores e pequenos produtores agrícolas, em escala local e global, para impulsionar a mudança sistêmica que se faz necessária em toda a cadeia”, diz Visentini.