CAMPO DE ESTUDOS

Bancos, consultorias e entidades rurais lançam ofensivas para levar educação financeira para pequ


Edição 39 - 06.12.23

Bancos, consultorias e entidades rurais lançam ofensivas para levar educação financeira para pequenos e médios produtores 

Por Marco Damiani 

Exemplo para o mundo em diversas frentes, o agronegócio brasileiro está desbravando, especialmente para os pequenos e médios produtores, uma nova e rica seara. Avança sobre o campo a educação financeira, que nos últimos tempos tem mostrado toda a sua capacidade de organizar as contas de propriedades familiares e melhorar os balanços das operações de médio porte. Sobre um arco de faturamento anual que se estende até R$ 5 milhões, entidades rurais, instituições financeiras e organismos de cooperação têm desenvolvido programas específicos para levar aos proprietários lições que vão da contabilidade básica a modelos sofisticados de investimentos.  

O desafio está em preservar e, sempre que possível, ampliar o capital dos produtores que, no mais das vezes, experimentam um mês de ganhos – na comercialização da safra – e outros 11 meses marcados por despesas sobre despesas. “O produtor nem sempre tem vocação para fazer contas e planejamento financeiro”, diz Ana Paula Pichler, presidente do Instituto de Referência e Apoio a Projetos Assistenciais do Brasil (Irapa). “A gestão está no topo das atenções de todo e qualquer grande empreendimento no campo, mas muitas vezes os agricultores que ficam na parte inferior da pirâmide mal dão atenção a essa prioridade.” 

Mergulhado em um projeto de modernização da cadeia produtiva de cafeicultores de Minas Gerais que endereçam a sua produção a grandes processadoras, o Irapa ministra, em uma de suas vertentes, educação financeira para a agricultura familiar. “Transmitimos, de início, uma lição de disciplina e determinação”, diz a executiva. “Isso significa que uma pessoa destacada pela família terá de dedicar pelo menos 30 minutos diários para o acompanhamento das contas.” Ela acrescenta: “Com esse ponto focal, nós e a própria família passamos a saber quem será o responsável pelo controle financeiro, que não é, necessariamente, a mesma pessoa que lidera a produção”. 

Entusiasta e divulgador de educação financeira para o pequeno e médio produtor, Marcelo Hofmeister ensina que o fluxo de caixa anotado e detalhado é o passo determinante para o sucesso financeiro de qualquer empreendimento rural. “Registrar tudo de próprio punho ou numa planilha de computador e analisar os números é o segundo passo das minhas lições de educação financeira”, conta ele. “O primeiro é mostrar a importância de ter uma conta bancária para os gastos da família e outra para as despesas e receitas da empresa”, assevera.  

De fato, é comum haver muita confusão entre pessoa jurídica e pessoa física no campo, o que impossibilita qualquer organização financeira da produção. Hofmeister diz que contas separadas e fluxo de caixa para o produtor são como a carta náutica para os marinheiros: sem esses instrumentos, ambos sabem que estão produzindo e navegando, mas não onde irão chegar. Nesse contexto, a professora Ana Paula, do Irapa, lembra que a separação clara entre pessoa física e jurídica nem sempre é fácil de ser distinguida pelos produtores. “É comum que muitas despesas da casa e da família sejam lançadas na conta da empresa, o que leva o CPF a invadir o CNPJ e criar uma grande confusão de longo prazo”, adverte.  

De modo caricatural, o consultor Hofmeister sustenta que a cultura da desorganização financeira já foi muito enraizada no campo. “Até um tempo atrás, o pequeno e o médio produtor apenas juntavam notas fiscais numa pasta, entregavam uma vez por ano ao contador e depois esperavam para ver o que acontecia no Imposto de Renda”, diz ele. “A administração dessas propriedades sempre foi feita de modo empírico, e não em modelos modernos.” Na cidade, ao contrário, toda empresa nasce de olho na contabilidade, enquanto no campo a cultura sempre foi focada em fazer a terra render, com menos atenção para o lado administrativo do negócio. 

Formado em Administração de Empresas e hoje em dia um dos dirigentes da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária, Hofmeister se destacou na turma 2020/21 do projeto CNA Jovem. Finalista do programa de formação de lideranças, seu projeto de conclusão foi, precisamente, a disseminação da educação financeira entre as pequenas e médias lavouras. Filho de viticultores na fronteira gaúcha com o Uruguai, ele atuou no sindicato rural de Pedras Altas, sua cidade natal, e se apaixonou, desde então, pelo associativismo. “Meu pai dizia que a atividade no campo não seria o objetivo principal dos filhos, exatamente porque não havia, tempos atrás, essa noção do agro como negócio, mas apenas como subsistência”, lembra. “Atualmente como administradores, eu e minha irmã vemos o nosso negócio familiar como um grande futuro e participamos da gestão junto aos meus pais.” 

Em suas palestras pela consultoria Safras & Cifras, Hofmeister destaca que nem sempre é bom para o agricultor vender a safra toda de uma vez. “O ideal é ter um bom planejamento de metas financeiras alinhadas ao fluxo de caixa”, afirma. “Mesmo se não houver altas, a venda ao longo do tempo cria um valor médio, o que vai compensar”, indica. Outra dica é não comprar insumos de uma tacada só. Isso porque os preços costumam estar mais altos nas épocas de plantio, quando todos compram muito. Planejar a aquisição por etapas pode levar o produtor a adquirir os mesmos insumos com menos dinheiro, aproveitando as variações para baixo. Para isso, ressalte-se, basta ter organização. 

 Fernando Machado Bueno, consultor especializado em agronegócio da Ágora, o braço de investimentos no mercado financeiro do Bradesco, é mais um profissional que viaja pelo Brasil transmitindo lições de educação financeira para os agricultores. “De modo geral, o pequeno e médio agricultor não têm o hábito de explorar as potencialidades dos fundos de investimento para alocar o dinheiro que entra com a comercialização da safra”, afirma. “Eu costumo divulgar as opções existentes, que vão muito além da renda fixa ou do Tesouro Direto.” 

Junto com a Bolsa de Valores de São Paulo, a Ágora desenvolveu um produto específico para a venda futura da produção. “Apresentamos ao produtor diversos indicadores que projetam o valor das commodities na temporada de venda”, diz Bueno. “Essa escolha dá a ele segurança para trabalhar durante o ano sabendo o quanto irá receber no tempo da safra.” O consultor financeiro ressalta que, ao final de seus encontros, é sempre muito procurado com dúvidas sobre os riscos de a venda antecipada não capturar uma eventual alta no momento da venda. Nesses casos, ele lança o desafio de o produtor colocar na balança a incerteza do valor da venda de última hora versus a tranquilidade da negociação antecipada, o que tem ajudado a mudar velhos dogmas culturais. 

Os especialistas afirmam que, para mensurar o lucro real, é da maior importância o produtor incluir entre as despesas da safra o seu próprio pró-labore e o dos familiares que atuam na lida, e não apenas os gastos com salários e benefícios para os empregados. Só assim, após o pagamento das dívidas, que sempre deve ser o primeiro movimento financeiro da propriedade, ele vai saber quanto a safra rendeu e o que sobrará para o próprio bolso. 

Cada vez mais, dicas e conselhos como esses têm chegado aos produtores rurais que faturam anualmente até R$ 4,7 milhões. “Essa é a linha de corte da obrigação de detalhamento de ganhos para efeito de Imposto de Renda”, lembra Hofmeister. “Abaixo dessa faixa, o produtor muitas vezes é menos organizado financeiramente, mas a demanda para acertar receitas e despesas está sensivelmente maior em todo o país.” Conclusão: com educação financeira, o produtor certamente reforçará a sua safra de lucros.