Edição 38 - 11.09.23
Volume de adesão do produtor rural ao novo Plano Safra pode suavizar as críticas do agronegócio ao governo federal
Por César H. S. Rezende
Principal plataforma de crédito agrícola do País com juros subsidiados, o Plano Safra 2023/24 subiu a um patamar recorde e ganhou contornos bastante acentuados de sustentabilidade. Mesmo assim, o volume de recursos 27% maior do que a versão do ano passado, com um salto de R$ 287,16 bilhões para R$ 364,22 bilhões agora, não alcançou unanimidade entre os principais setores do agronegócio.
Em documento de 49 páginas entregue em mãos ao ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro, a Confederação Nacional da Agricultura (CNA) reivindicou, no final do primeiro semestre, um volume total de R$ 403,88 bilhões, além de um ajuste para cima de 88% sobre o montante anterior destinado à equalização dos juros cobrados do produtor pelo crédito. Nas contas da CNA, o subsídio somaria cerca de R$ 25 bilhões, mas ficou mesmo em R$ 13,5 bilhões no plano apresentado oficialmente em junho pelo presidente Lula, em Brasília.
“A Selic alta da maneira que está gera uma situação que afeta o financiamento do agronegócio”, aponta o presidente da CNA, João Martins. “Por isso, pedimos um volume maior para a equalização dos juros. Como não aconteceu, o desafio agora é fazer com que o dinheiro disponível chegue, efetivamente, ao produtor rural e se transforme em uma nova safra”, completa ele. Apesar do recorde, os recursos destinados ao Plano Safra estão longe de serem suficientes para garantir todo o financiamento necessário ao agronegócio no período que está no início. O mercado financeiro calcula em cerca de R$ 800 bilhões o total necessário em créditos aos produtores.
A crítica ao montante destinado aos subsídios dos juros também é feita pela Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA). “A convergência no agronegócio era por R$ 25 bilhões para a equalização, mas ficamos com o mesmo volume do ano passado”, critica o presidente da FPA, deputado Pedro Lupion. “Vamos esperar que, mesmo não sendo o ideal, isso gere um importante número de negócios.” O parlamentar sustenta que a ausência de recursos para o seguro rural é uma falha do Plano Safra. “Existem muitos locais no País que ainda precisam do apoio de seguro para a safra, como o Rio Grande do Sul”, aponta Lupion. “Esperamos que haja apoio do governo federal em relação às intempéries também.”
Com uma postura conciliatória, o ministro Fávaro tem procurado elogiar o novo Plano Safra e, ao mesmo tempo, manter as esperanças dos produtores por subsídios maiores. “O plano é dinâmico, vivo e pode ir crescendo ao longo do ano”, disse ele sobre os recursos disponíveis desde 1º de julho, com oferta aberta até a mesma data de 2024. “Estamos buscando alternativas e melhores formas para subsidiar o desenvolvimento da agropecuária brasileira”, acenou o titular da Agricultura.
Do total de R$ 403,88 bilhões, R$ 272,12 bilhões serão destinados ao custeio e à comercialização da nova safra, configurando uma alta de 26% em relação ao ano anterior. Outros R$ 92,1 bilhões serão para investimentos (+28%). Recursos da ordem de R$ 186,4 bilhões (+31,2%) serão com taxas controladas, dos quais: R$ 84,9 bilhões (+38,2%) com taxas não equalizadas e R$ 101,5 bilhões (+26,1%) com taxas subsidiadas. Há, ainda, R$ 177,8 bilhões (+22,5%) para serem destinados a taxas livres.
As taxas de juros para custeio e comercialização são de 8% ao ano para os produtores enquadrados no Pronamp (Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte) e de 12% ao ano para os demais produtores. Já para investimentos, as taxas de juros variam entre 7 e 12,5% ao ano, de acordo com cada programa.
Em julho, com a Selic em 13,75% ao ano, as projeções do mercado financeiro indicavam uma taxa de 12,50% em dezembro, num sinal de que haverá pouco espaço para subsídios maiores do que os concedidos agora. “Essa taxa de juros do Plano Safra ainda será influenciada pela predominância de juros elevados da economia brasileira e isso sempre é uma dificuldade para o desenho da política agrícola”, diz Ivan Wedekin, ex-secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura.
Uma novidade relevante do plano atual é a busca pelo fortalecimento dos sistemas de produção ambientalmente sustentáveis, com redução das taxas de juros para a recuperação de pastagens e premiação para os produtores rurais que adotam práticas agropecuárias consideradas mais sustentáveis. As linhas de financiamento para investimentos têm 12 programas que incentivam a inovação e a modernização das atividades rurais produtivas. O chamado Plano ABC (Agricultura de Baixo Carbono), inserido no Plano Safra, tem como maior objetivo reduzir as emissões de gases de efeito estufa na agropecuária brasileira.
Nesta edição, o governo decidiu premiar os produtores rurais que já tiverem seu Cadastro Ambiental Rural (CAR) analisado e também aqueles que adotarem práticas agropecuárias mais sustentáveis. Será concedida uma redução de 0,5 ponto percentual na taxa de juros de custeio para os produtores rurais que se enquadrarem em uma das seguintes condições: 1) estarem no Programa de Regularização Ambiental (PRA); 2) não possuírem passivo ambiental; 3) serem passíveis de emissão de cota de reserva ambiental.
Os agricultores que desenvolvem uma produção orgânica ou agroecológica – fazem uso de bioinsumos, aplicam tratamento de dejetos na suinocultura, utilizam energia renovável na avicultura, têm rebanho bovino rastreado e com certificação de sustentabilidade – também terão direito à redução de meio ponto nas taxas de custeio. “Para o pequeno e médio produtor terem melhor acesso a essas linhas, é preciso antes de tudo simplificar o processo de contratação delas”, diz o ex-secretário de Política Agrícola do governo Jair Bolsonaro, Guilherme Soria Bastos Filho. “Não basta financiar as práticas se não envolver metodologias e tecnologias para monitorar e comprovar a redução da emissão de gases do efeito estufa nos empreendimentos financiados pelo Programa ABC.”
Os argumentos técnicos não encobrem o fato de haver, dentro do agronegócio brasileiro, fortes críticas em razão das feições ideológicas do governo federal. A aliança histórica entre o PT do presidente Lula e o MST liderado por João Pedro Stédile, para citar um ponto nevrálgico da relação entre as duas partes, é um fato que instala um ruído permanente no diálogo entre os representantes do campo e os executivos públicos.
Neste contexto, a aceitação do Plano Safra 2023/24 já é vista como o fator mais importante tanto para aproximar como para afastar ainda mais o agronegócio. Vai depender de o produtor rural considerar atraentes as ofertas de crédito postas à mesa agora e, na prática, tomar os créditos disponíveis. Os volumes de empréstimos efetivamente realizados serão informados ao longo do ano.