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Tradicional na mesa do brasileiro há mais de dois séculos, o feijão enfrenta o desafio de aumenta


Edição 38 - 21.08.23

Tradicional na mesa do brasileiro há mais de dois séculos, o feijão enfrenta o desafio de aumentar a produção diante da perspectiva de crescimento da demanda 

Por Rodrigo Ribeiro 

Poucas culturas agrícolas estão tão associadas à vida dos brasileiros quanto o feijão. Estudos mostram que o grão forma a dieta básica das famílias desde o final do século 19, tendo se estabelecido, ao lado do arroz, como um item indispensável na mesa dos moradores de todas as regiões do País. De fato, ele é onipresente.

Segundo levantamento realizado pela Universidade Federal de Minas Gerais, ao menos 60% da população come feijão regularmente, e não é difícil entender os motivos. Além de ser um prato tradicional há dois séculos, a leguminosa é fonte valiosa de proteínas, fibras, vitaminas e minerais essenciais para a saúde humana. De todos os alimentos nutritivos, ressalte-se, está entre os de menor custo. Por essas razões, causa preocupação o impacto que as mudanças climáticas podem provocar no cultivo de feijão no Brasil. 

No início do ano, uma pesquisa realizada pela Embrapa em parceria com a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo (Esalq/USP), constatou que o cenário futuro, de fato, representa uma ameaça para o cultivo de feijão no Brasil.

A partir de modelos matemáticos altamente sofisticados que consideram projeções do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) das Nações Unidas sobre aquecimento global, o estudo conclui que, até 2050, a temperatura do ar na área de produção de feijão no Brasil aumentará entre 1,23 a 2,86 graus Celsius. A pesquisa chegou até mesmo a apontar as regiões que serão mais afetadas – serão localidades da região Centro-Oeste e dos estados de Minas Gerais e da Bahia. 

De acordo com Alexandre Bryan Heinemann, pesquisador da Embrapa Arroz e Feijão e um dos responsáveis pelo estudo que foi publicado na revista científica Agricultural Systems, o aumento da temperatura do planeta levará inevitavelmente à perda de produtividade das lavouras. O especialista diz que a elevação do calor deverá interferir na fase reprodutiva das plantas, provocando o chamado abortamento de flores e a não formação de vagens, que é onde ficam os grãos. O resultado desse processo é óbvio: lavouras pobres e menos fecundas.  

Muitas regiões produtoras de feijão no Brasil já enfrentam regimes irregulares de chuvas e secas prolongadas, fenômenos que têm se intensificado nos últimos anos. “Quando isso ocorre, as sementes sofrem para germinar e o desenvolvimento da planta fica seriamente comprometido”, diz o produtor Felipe Loureiro, dono de propriedades em Minas Gerais. “Além disso, o calor excessivo estimula o surgimento de pragas e doenças, e, portanto, o custo de produção fica maior.” 

Afinal, o que os agricultores devem fazer para se ajustar à nova realidade? Heinemann ressalta que os programas de melhoramento genético desenvolvidos por instituições de pesquisa como a Embrapa poderão oferecer saídas, mas elas não são simples. Segundo o especialista, cultivar um produto transgênico pode demorar até uma década e exige significativo volume de investimentos. Nesse contexto, os pequenos produtores tendem a sofrer mais, justamente por terem menos acesso a recursos financeiros.  

Outra iniciativa indispensável apontada pelos especialistas é a criação de políticas públicas voltadas para a cultura do feijão. “Os resultados da pesquisa colocam em debate assuntos como a expansão de novas áreas de produção de feijão e investimentos em pesquisa para a geração de cultivares mais adaptadas a estresses abióticos e a melhoria em eficiência no manejo das lavouras”, disse Heinemann em entrevista à revista Agricultural Systems. 

O cultivo de feijão no Brasil vive um impasse. Enquanto as lavouras enfrentam cenário adverso – a provável queda de rendimento dos cultivares em decorrência do aumento da temperatura global –, a produção terá de crescer para atender ao aumento da demanda. Segundo projeções, até 2050 será preciso acrescentar pelo menos 1,5 milhão de toneladas à produção atual, o que representaria uma adição expressiva de 44%. Como se faz isso? Heinemann tem a resposta: investimentos em pesquisa e tecnologia em contraponto aos desafios impostos pelas mudanças do clima. 

Diante do cenário desafiador, instituições de pesquisa agrícola e empresas do setor, de fato, têm se empenhado na busca por variedades de feijão mais resistentes ao estresse climático. O objetivo é desenvolver cultivares adaptados às novas condições e, portanto, capazes de suportar períodos de seca, altas temperaturas e outras adversidades relacionadas ao clima.  

O produtor Felipe Loureiro, que é apaixonado pela temática ambiental, diz que outra estratégia importante para reduzir os impactos das mudanças climáticas no cultivo de feijão é o incentivo a práticas de agricultura sustentável. Segundo ele, a preservação de áreas de mata nativa, o uso de sistemas agroflorestais e a adoção de técnicas adequadas de manejo, inclusive dos resíduos da produção, são iniciativas que, em maior ou menor grau, podem aliviar os efeitos nefastos do mau humor do clima.  

As mudanças climáticas provocarão algum tipo de impacto em diversas culturas agrícolas. Estudos realizados pelo Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura (Cepagri) revelaram que, até 2070, a falta de chuvas e os veranicos de longa duração poderão reduzir em 40% as áreas destinadas ao plantio de soja no Brasil. São os extremos que preocupam.

A soja, por exemplo, é capaz de suportar temperaturas muito elevadas, mas a falta d’água ocasionada por longos períodos de seca costuma levar a estragos irreversíveis. Na região Nordeste, diversas pesquisas concluíram que o aumento dos termômetros comprometerá a produção de algodão. Também já se sabe que a maior frequência de chuvas, ventos e tempestades diminuirá a produtividade das lavouras de trigo, principalmente na região sul do País.  

Não é mais possível dar as costas para o fenômeno. Um exemplo recente mostra o impacto severo da nova realidade: o ano de 2021 ficou marcado como o de seca mais intensa da história do Brasil. De acordo com o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), 40% do território brasileiro sofreu com a falta de chuvas, uma tragédia que se espalhou por estados inteiros e impactou diretamente 2.445 municípios.

Desde 1910, quando as medições climáticas começaram a ser feitas, jamais registrou-se algo parecido. E é preciso fazer o alerta: especialistas renomados de diversas áreas afirmam que o problema ganhará impulso nos próximos anos, a não ser que o aquecimento global dê trégua, algo, por ora, pouco factível.  

O feijão enfrenta um agravante no Brasil: a queda na área plantada. A cultura, que já chegou a ocupar cerca de 6 milhões de hectares no início da década de 1980, atualmente está restrita a apenas 2,7 milhões de hectares, segundo a estimativa mais recente da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Nos últimos anos, o grão, assim como o arroz, vem sofrendo com margens cada vez mais apertadas em virtude dos custos crescentes de produção. O desafio, portanto, é imenso, mas um item que está presente na mesa do brasileiro há mais de dois séculos certamente continuará no centro dos holofotes ainda por muitos anos.