DEFESA SEGURA

Indústria de defensivos investe em ferramentas digitais e sobe a aposta na integração de tecnolog


Edição 37 - 17.07.23

Indústria de defensivos investe em ferramentas digitais e sobe a aposta na integração de tecnologias para aumentar a eficiência na aplicação de seus produtos, reduzir o surgimento de pragas e garantir longevidade às moléculass 

Por Romualdo Venâncio 

O desafio da agricultura de precisão tem dimensões muito particulares para a indústria de defensivos agrícolas. Moléculas que começarem a ser desenvolvidas agora só chegarão ao mercado, como um novo produto, dentro de 10 a 12 anos. Como garantir que daqui a uma década esse insumo terá a eficácia desejada no controle de uma praga? Como ter certeza de que terá vida útil suficiente para cobrir o investimento de recursos financeiros, infraestrutura e pessoas – e ainda ser lucrativo? Segundo Fábio Kagi, gerente de Relações Institucionais do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal (Sindiveg), essas são perguntas de US$ 286 milhões, que é o custo aproximado para se chegar a uma nova molécula de defensivo. 

Na realidade, a resposta para tais questões passa por toda a cadeia de desenvolvimento desses produtos, desde as pesquisas científicas nos laboratórios dos fabricantes até testes de campo, e avança para a fase de aplicação nas fazendas. O desafio é tornar o manejo de pragas mais preciso, oferecendo soluções digitais para a aplicação de defensivos apenas onde é preciso, no momento certo e na quantidade necessária. A iniciativa traz benefícios para os agricultores, mas também para a própria indústria, na medida em que o aprimoramento do uso dos insumos também reduz a pressão de seleção das pragas e aumenta a vida útil dos defensivos. 

O movimento tem sido impulsionado por uma série de fatores, a começar pelos investimentos. Considerando o número informado pelo executivo do Sindiveg e o tempo do ciclo todo, desde a primeira pesquisa até ficar pronto, pode-se dizer, grosso modo, que seriam cerca de US$ 28,6 milhões por ano testando entre 140 mil e 150 mil moléculas para se chegar àquela que vai, de fato, se tornar um produto comercial. “Essa definição acontece com base em diversos pontos, como custo, impactos, eficiência, entre outros”, diz Kagi. Há outros motivos que estimulam a modernização do setor, como a pressão da sociedade para o aumento da segurança alimentar e a busca pela preservação ambiental. 

Fábio Kagi, gerente de Relações Institucionais do Sindiveg

Um dos desafios é manter a longevidade das moléculas, mas não se trata de algo simples. “O Brasil tem todas as condições, como luz, calor e água, para alcançar a alta produtividade, mas o clima tropical é muito desafiador”, afirma Marcelo Ismael, diretor de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação da Divisão de Soluções para Agricultura da Basf América Latina. Seguindo nessa linha de raciocínio, o surgimento de resistência ao princípio ativo por parte das pragas é uma preocupação legítima. 

Quando o defensivo não apresenta o mesmo impacto, é porque pelo menos parte das pragas – insetos, plantas daninhas e doenças – já não se intimida com o produto. “E não adianta aumentar a dose”, afirma José Otávio Machado Menten, professor do Departamento de Fitopatologia e Nematologia da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo (Esalq/USP). “Além de não trazer resultado, sai mais caro e ainda aumenta o risco de contaminação ambiental.” De acordo com Menten, que também é membro do Conselho Científico Agro Sustentável (CCAS), uma das razões para o surgimento da resistência das pragas é a insistência na utilização de um único mecanismo de combate por um período muito longo. O especialista alerta para o fato de que, mesmo com a alternância de moléculas, ainda há risco de as pragas passarem por mutações para sobreviverem. Daí a importância do manejo integrado e da combinação de tecnologias.  

Fábio Kagi, do Sindiveg, reforça a ideia. “Uma praga é um ser preparado para sobreviver: ela se reproduz de forma intensa e é natural que cada nova geração esteja mais adaptada às medidas de controle”, comenta. Segundo o executivo, apesar do manejo sanitário, as pragas levam a perdas de 20 a 40% do potencial produtivo das lavouras. A aplicação de defensivos cria uma pressão de seleção sobre esses seres vivos, estimulando sua evolução. Isso faz com que o mecanismo também se volte para a indústria de defensivos, que tem de apresentar novas e melhores soluções. Do lado dos fabricantes, surgem respostas como soluções mais eficientes, que antes eram aplicadas em quilos por hectare e, hoje em dia, chegam à proporção de 50 gramas por hectare. “Imagine distribuir de forma homogênea esse pouquinho de produto em um campo de futebol”, afirma Marcelo Ismael, da Basf.  

Pelo lado do agricultor, vem a responsabilidade de utilizar as novas ferramentas de maneira correta e respeitando as regras de manejo, como a implementação da área de refúgio, no caso do plantio de milho com a tecnologia conhecida como “Bt”, resistente a lagartas. “Muitas vezes, o agricultor não usa o refúgio porque a produtividade naquela área será mais baixa”, diz Menten. “Ou pode ser que não acredite nas orientações técnicas sobre os riscos de o produto perder eficiência.” 

Com frequência, a indústria de defensivos e o próprio agronegócio têm de responder a questionamentos sobre o impacto dos defensivos na saúde humana e do planeta, por serem insumos tóxicos. Quanto maior for a preocupação socioambiental, mais barulhenta é a pressão. No entanto, como diz a frase atribuída a Philippus Aureolus Theophrastus Bombastus von Hohenheim, médico suíço do século 16, conhecido como Paracelso, “a diferença entre o remédio e o veneno está na dose”.  

As inovações digitais caminham nesse sentido. Uma solução tecnológica que usa imagens de drones para mapear as lavouras e identificar exatamente onde está o problema a ser combatido, como as plantas daninhas, pode ter impacto significativo na área da sustentabilidade. Estudos mostram que a precisão na aplicação de herbicidas gera uma economia de 360 mil litros de herbicidas e 36 milhões de litros de água a cada mil hectares.  

Os resultados representam redução de 61% no consumo desses recursos e foram alcançados nas fazendas que integram a plataforma xarvio, marca global de soluções digitais da Basf, durante todo o período de uso dessa tecnologia – de 2017, quando chegou ao Brasil, até a última safra (2021/22). “Atualmente, fazemos um mapeamento das áreas, das plantas daninhas que existem ali e indicamos exatamente onde e como aplicar o insumo”, afirma Marcelo Ismael, da Basf. A companhia tem ampliado sua aposta em tecnologias digitais a cada safra.  

O xarvio trabalha com mapeamento digital inteligente, processando imagens de drones e cruzando dados para oferecer aos clientes o direcionamento para uma diversidade de manejos das lavouras, incluindo a aplicação estratégica dos defensivos. É praticamente um GPS do controle de pragas. Já foram gerados mais de 5 mil mapas, envolvendo 1 milhão de hectares em 350 fazendas de 130 cidades. Para Ismael, essa precisão ganha ainda mais importância por causa das diferentes características da agricultura em cada parte do País. “A cultura da soja não é a mesma no Rio Grande do Sul e no Maranhão, as condições climáticas são diferentes”, diz o executivo. “Há muitas variáveis em cada região, como disponibilidade de chuva e temperatura.”  

Outro exemplo de avanços nessa área vem da Syngenta Digital, estrutura global de tecnologia e serviços digitais da Syngenta. Durante a sua participação na Agrishow, realizada em Ribeirão Preto (SP), no início do mês de maio, a companhia apresentou uma nova plataforma, a Cropwise, já utilizada em 20 países e que cobre 80 milhões de hectares pelo mundo. De acordo com a empresa, a novidade apresenta oito soluções que atendem produtores rurais de diversas culturas e em todos os momentos da safra, inclusive na hora de usar os defensivos. É o que faz, por exemplo, a ferramenta Cropwise Spray Assist, que sugere os melhores horários para aplicação dos produtos e quais equipamentos e configurações devem ser utilizados para que o manejo seja mais eficiente.  

Outro fator que ameaça a validade das moléculas de defensivos é a apresentação de riscos toxicológicos e ambientais. Quando isso ocorre, o produto tem de passar por nova avaliação pelos órgãos responsáveis. Caso os riscos sejam inaceitáveis, ainda que exista eficiência no controle das pragas, o registro pode ser cancelado. Novamente, a pressão da sociedade quanto à sustentabilidade da produção agrícola faz grande diferença e motiva mudanças na legislação. “É preciso avaliar os prós e contras de determinado produto continuar no mercado”, afirma Menten, do CCAS. “Mas é muito importante que a avaliação e as decisões subsequentes sejam tomadas com base técnica e científica.” 

O cenário tem se tornado cada vez mais fértil para o crescimento dos bioinsumos e para uma evolução dos defensivos biológicos. “Não há tecnologia que resolva tudo sozinha”, afirma Kagi, do Sindiveg. “A integração das diferentes tecnologias é que vai trazer melhorias e maior longevidade para cada uma delas.” Para ele, o futuro do mercado de defensivos depende dessa integração, como já vem ocorrendo entre químicos e biológicos – tanto é assim que as grandes empresas do setor de químicos passaram a investir em biológicos. “A tecnologia dos biológicos está integrada ao que chamamos de agricultura moderna, e as soluções digitais estão envolvidas nisso”, afirma Amália Borsari, diretora de Biológicos da CropLife. Segundo ela, a combinação de cobranças vindas dos consumidores, do mercado e dos órgãos de controle da cadeia produtiva também serve de combustível para uma arrancada mais forte na evolução do segmento, assim como já ocorre com os químicos. “A exigência por rastreabilidade e certificação é cada vez mais importante.” 

De fato, o horizonte para expansão é amplo. Segundo Borsari, as soluções biológicas disponíveis no mercado até o momento cobrem pouco mais de 20% dos alvos. Ainda não há, por exemplo, herbicidas biológicos disponíveis no Brasil. Ao menos por enquanto. “Já existem produtos em fase de testes e, segundo as empresas, podem estar prontos nos próximos dois anos”, comenta a executiva. Grandes mudanças, portanto, surgirão no futuro próximo – e isso é ótimo para o agronegócio brasileiro.