Edição 35 - 14.04.23
Milho assume novo protagonismo na pauta do agro
Por Ronaldo Luiz
Líder em soja, líder em café, líder em cana, líder em proteína animal. O Brasil do agro é protagonista mundial na exportação de várias commodities agropecuárias… e continua avançando, conquistando mercados e ultrapassando competidores de peso. Agora é a vez do milho, cultura que há duas décadas praticamente se destinava apenas a abastecer o mercado interno. No início de fevereiro, o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA, na sigla em inglês) divulgou previsão de que sairão dos portos brasileiros cerca de 50 milhões de toneladas do grão em 2023. Confirmada essa previsão, o País torna-se o principal exportador global, superando os americanos, que devem embarcar 48,9 milhões de toneladas.
É um resultado impressionante. Segundo dados da Cogo Inteligência em Agronegócio, há menos de 15 anos nossas vendas externas eram pouco superiores a 10 milhões de toneladas. Uma convergência positiva de fatores impulsionou a demanda – tanto interna como externa – e os agricultores brasileiros responderam rápido. O grão amarelo ficou mais dourado nas contas de produtores, empresas e na balança comercial brasileira.
Quando se olha para fora, o apetite vem sobretudo da Ásia, onde população e renda per capita aumentaram e, em menor grau, também em algumas regiões da África. “O fato é que conforme há crescimento populacional, naturalmente há um consumo maior de proteínas, especialmente pelas carnes suína e de frango. Outro fator é que com a melhoria de renda nos países, a demanda por proteínas também aumenta. Este cenário gera uma procura óbvia maior pela produção de carnes e consequentemente de milho”, explica Edmar Wardensk Gervásio, analista do Departamento de Economia Rural (Deral), órgão vinculado à Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado do Paraná (Seab). Ao lado do Mato Grosso, o Paraná é um dos principais estados produtores do grão e tem a expectativa de colher cerca de 19 milhões de toneladas de milho na temporada corrente.
Internamente, a criação de aves e suínos caminha de braços dados com a produção de milho. Tiago Pereira, assessor técnico da Comissão Nacional de Cereais, Fibras e Oleaginosas da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), esclarece que praticamente 70% da demanda nacional pelo grão é reservada para a alimentação desses animais. “Com a tendência de aumento ou pelo menos a manutenção dos patamares de crescimento dos últimos anos na avicultura e na suinocultura, a demanda pelo cereal certamente deve se manter”, projeta.
Nesta safra 2022/23, a previsão é de que, mundialmente, sejam produzidos 1,161 bilhão de toneladas de milho, segundo dados do Conselho Internacional de Grãos (IGC, na sigla em inglês). No Brasil, a expectativa é por uma colheita próxima a 127,9 milhões de toneladas, alta de 6%, de acordo com estimativas da Datagro Grãos. Já a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) prevê uma produção de 123,7 milhões de toneladas, avanço de 9,4%.
“A produção nacional vem crescendo, refletindo o gigantesco potencial alimentício e energético do milho. Nosso grão vem ganhando espaço na comunidade internacional graças à vasta oferta que produzimos, bem como pela excelente qualidade do nosso cereal, que é vendido a preços competitivos”, diz Cesario Ramalho, coordenador do Conselho do Agronegócio da Associação Comercial de São Paulo (ACSP) e ex-presidente institucional da Associação Brasileira dos Produtores de Milho (Abramilho).
Guerra e oportunidades
A engenheira agrônoma Ana Paula Kowalski, técnica do Departamento Técnico e Econômico (DTE) do Sistema da Federação da Agricultura do Estado do Paraná (Faep/Senar-PR), conta que uma combinação de dois principais fatores tem impulsionado a procura pelo milho brasileiro nos mercados internacionais. “A lacuna aberta pela guerra no Leste Europeu e a nova demanda da China são os principais motivos que estão aquecendo os embarques do grão pelos portos brasileiros.”
Com o conflito, a Ucrânia, tradicionalmente grande produtora e exportadora de milho, viu colheita e embarques se deteriorarem de modo acentuado, abrindo espaço para outros exportadores, como o Brasil. Por outro lado, a potência asiática, a despeito de também ser uma grande produtora do grão, enxergou, com a eclosão da guerra e todos os seus desdobramentos nos fluxos comerciais, a oportunidade para diversificar a origem de suas importações de milho, tradicionalmente concentradas nos Estados Unidos.
Ana Paula relata que Ucrânia e EUA costumavam ser os principais exportadores do grão para a China. “As exportações ucranianas registraram queda de 24%, já que tiveram menor produção e dificuldades para embarcar o produto, devido à guerra com a Rússia.” Já no caso dos Estados Unidos, salienta Flávio Roberto de França Júnior, líder de pesquisa da Datagro Grãos, o ponto crucial é a questão geopolítica. “O conflito comercial sino-americano fez e faz com que a China se movimente para diminuir suas importações dos EUA, e, com tudo isso, o Brasil começou a abocanhar fatias do mercado internacional de milho.”
Segundo a técnica da Faep, o Brasil, então, passou a despontar como uma alternativa importante. “O País vem se tornando uma potência na exportação de milho, com um crescimento anual bastante expressivo, e a tendência é que isso se mantenha para os próximos anos.”
Alysson Paolinelli, presidente executivo da Abramilho, acentua que a importação pela China veio para ficar. “Eles são grandes produtores, mas precisarão de cada vez mais milho, e somente a agricultura tropical, a nossa, será capaz de atender esta demanda, diferentemente da produção em clima temperado, que não tem para onde crescer.”
Perspectivas para 2023
Estatísticas da Conab indicam que as exportações nacionais de milho atingiram 47 milhões de toneladas no ano passado. Assim como a USDA, a Datagro Grãos projeta que o Brasil deverá embarcar 50 milhões de toneladas neste ciclo 2022/23, montante que, se for concretizado, significará incremento de 9%.
Em janeiro, os embarques já totalizaram 6,35 milhões de toneladas, mais que o dobro do volume de 2,73 milhões exportado no primeiro mês do ano passado, mostraram dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex), vinculada ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC).
A China foi destino de 1,165 milhão de toneladas de milho do Brasil em 2022, com quase a totalidade embarcada em dezembro – aproximadamente 94%. Neste caso, o arranque dos embarques brasileiros se deu após conclusão das negociações de acordo fitossanitário entre os dois países. Em novembro do ano passado, a alfândega chinesa atualizou sua lista de exportadores do Brasil, totalizando 136, dando sinal verde para o início dos embarques. “O milho a ser exportado para a China deve estar de acordo com a legislação fitossanitária daquele país e observar os regulamentos específicos sobre importação e padrões nacionais da China, como estar livre de insetos vivos e pragas quarentenárias de preocupação local”, pontua Pereira da CNA. A USDA prevê importações totais de milho em 18 milhões de toneladas pela China em 2022/23, com um volume significativo proveniente do Brasil.
Salatiel Turra, analista de desenvolvimento técnico da Organização das Cooperativas do Estado do Paraná (Ocepar), menciona que independentemente do “fator China”, ao contrário da soja, produto agrícola em que os embarques brasileiros são altamente concentrados no país asiático, as exportações nacionais de milho são mais bem distribuídas, têm historicamente destinos mais variados e cativos.
“Tradicionalmente, Irã, Espanha, Japão, Egito, Vietnã, Arábia Saudita são os maiores clientes do milho brasileiro. Em 2022, as exportações para esses países também cresceram. Para o Irã, os embarques do grão mais que dobraram em relação a 2021, alcançando 6,6 milhões de toneladas. Para o Japão e a Espanha esse aumento foi de 183% e 142%, respectivamente.”
Sérgio Mendes, diretor-geral da Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec), cita, ainda, outro ingrediente, que tem potencial para impactar as exportações de milho neste ano. No seu mais recente relatório, a Bolsa de Cereais de Buenos Aires reduziu a estimativa para a safra 2022/23 do grão na Argentina para 44,5 milhões de toneladas, contra 59 milhões de toneladas do ciclo passado. O principal motivo para o corte é a seca, que vem prejudicando o desenvolvimento das lavouras locais. “Quebras de safra em um país importante como é a Argentina trazem ganhos de oportunidade, já que a redução da oferta pode acarretar em uma pressão altista para os preços globais do milho.”
Etanol, nova fronteira sustentável para o milho
Estima-se que, em 2023, do etanol produzido no Brasil, 15% terá como matéria-prima o milho. Nos últimos cinco anos, a produção saltou de 520 milhões de litros para 4,5 bilhões de litros, um crescimento de 800%. A projeção da União Nacional do Etanol de Milho (Unem) é de que ela chegue a 10 bilhões de litros até 2030, aumentando a participação no mercado nacional de etanol de 15% para 20%.
Tiago Pereira, da CNA, ressalta que, com um consumo doméstico cada vez maior e reforçado pela produção de etanol de milho, o cereal deverá aumentar sua importância na cadeia de suprimentos nacional e global.
Segundo ele, o etanol de milho tem crescido e se estruturado como uma alternativa sustentável em vários aspectos, entre os quais seu desenvolvimento atrelado à alimentação animal. Para a produção de etanol de milho são dispensados outros subprodutos, que são de grande relevância para essa indústria, como o DDG – grão de milho seco por destilação –, que apresenta elevado valor proteico, em especial para suplementação de rebanhos bovinos em confinamento.
“Então, além do potencial de substituição de parte dos combustíveis fósseis e contribuir com a redução da emissão de gases de efeito estufa, o potencial de ampliação da produção de etanol de milho, sem sombra de dúvidas, irá contribuir com a disponibilidade de coprodutos com forte impacto na disponibilidade de alimentos.”