A marca de Fávaro

A marca de Fávaro Sustentabilidade: o legado que o novo ministro da Agricultura quer deixar para o


Edição 35 - 03.04.23

A marca de Fávaro

Sustentabilidade: o legado que o novo ministro da Agricultura quer deixar para o agro brasileiro

A história do atual ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, se confunde com a de milhares de produtores rurais que migraram da região Sul do País, nas décadas de 1970 e 80, em busca de uma vida melhor, incentivados pelo governo militar que queria “ocupar o vazio” da região Centro-Oeste. Quase quatro décadas depois, cabe a ele criar condições para que essa migração, que mudou a face do interior do Brasil, levando desenvolvimento e um importante debate ambiental, ganhe um novo sentido: mostrar ao mundo como produzir de forma sustentável.

À frente do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Fávaro pretende deixar como legado o incentivo à produção sustentável, reduzindo a pressão sobre novos desmatamentos e promovendo uma mudança na imagem dos agricultores brasileiros no exterior. Para isso terá como base o tripé incentivo financeiro à produção sustentável; estimulo à pesquisa de incremento da tecnologia por meio da Embrapa e atração de recursos internacionais para fomentar a política de sustentabilidade.

“Se querem o Brasil com sustentabilidade, está aí uma grande oportunidade. Essa é uma política que vamos levar com muita determinação”, afirma Fávaro em entrevista exclusiva à PLANT. A equipe de Fávaro já trabalha com essa orientação. Está elaborando um programa de incentivo à produção com compromisso socioambiental com propostas de juros equalizados, carência de três anos para pagar e um prazo de 10 a 12 anos para amortização do capital. A proposta deve ser anunciada no lançamento do Plano Safra deste ano, que ocorre geralmente no mês de junho. Além disso, quer atrair o BNDES para firmar parceria com o agro, a exemplo do que já ocorre com o Banco do Brasil. As tratativas nesse sentido já estão em andamento.

Fávaro acredita que o resultado final será uma maior proteção aos principais ativos ambientais do País, como as florestas, e uma mudança significativa na imagem dos produtores brasileiros no exterior. O ministro sabe que essa mudança de paradigma pode enfrentar resistência de parte de alguns produtores. “Uma minoria barulhenta”, segundo ele, mas que traz prejuízos ao agronegócio brasileiro.

História 

Em 1985, a família Fávaro trocou uma pequena propriedade em Bela Vista do Paraíso, no Paraná, por alguns hectares na região norte do Mato Grosso. Com poucos recursos, conseguiu adquirir uma propriedade próxima a um assentamento da reforma agrária, onde hoje se localiza o próspero município de Lucas do Rio Verde.

Na época, a ausência do poder público na região – havia falta de água encanada, postos de saúde, escolas, telefone e energia – transformou o entusiasmo da expectativa de uma vida melhor em decepção. Aos poucos, os produtores perceberam que precisavam criar meios para se fortalecer e conseguir melhorar a situação. Daí surgiram as associações de classe.

“A primeira rede de água encanada, a primeira repetidora de TV, a primeira rua asfaltada, o primeiro conjunto termoelétrico para gerar energia foi conseguido através da parceria com a associação de moradores”, conta o ministro ao relembrar as dificuldades vividas no Mato Grosso no início da jornada.

Hoje municípios como Lucas do Rio Verde, Sorriso, Sinop, Rondonópolis, Sapezal, entre outros, se transformaram em ilhas de prosperidade no estado e estão entre os que mais crescem no País. O desenvolvimento dessas cidades deve-se não apenas ao agro, mas ao cooperativismo implantado pelos produtores rurais. Foi o trabalho na política de classe, também, que o levou ao Ministério da Agricultura.

Política de classe 

Em 2005, o agronegócio brasileiro enfrentou uma das suas piores crises – queda no preço das commodities, aumento do endividamento dos agricultores e valorização excessiva do real frente ao dólar, gerando uma crise cambial. Com isso, os produtores de soja reuniram forças para enfrentar a situação criando a Aprosoja Mato Grosso.

Escolhido como delegado da nova entidade, representando o município de Lucas do Rio Verde, Fávaro disse que sempre se questionava onde estava errando. Com essa reflexão, decidiu dedicar um pouco do seu tempo à política de classe buscando soluções para os seus problemas e dos demais produtores. Ele conta que cada vez foi ficando mais envolvido com essa atividade. Foi delegado coordenador e diretor administrativo da Aprosoja MT. Em 2010, foi vice-presidente Aprosoja Brasil, época que participou como Conselheiro de Agronegócio da Fiesp.

Em 2007, foi eleito presidente da Cooperativa Agroindustrial dos Produtores de Lucas do Rio Verde (Cooperbio Verde), onde permaneceu até 2011. E presidiu a Aprosoja Mato Grosso de 2012 a 2014, quando se licenciou para ser candidato a vice-governador pelo PP na chapa vitoriosa, encabeçada por Pedro Taques.

Apesar de ter sido um dos fundadores do IPA (Instituto Pensar Agro), atualmente não integra a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), a maior do Congresso Nacional. Garante que vem mantendo contato com representantes da Frente e que tem um bom diálogo, apesar de algumas divergências ideológicas.

No governo do Mato Grosso sempre desempenhou papel importante como vice. Em abril de 2016, foi nomeado secretário de Estado de Meio Ambiente, cargo no qual permaneceu até dezembro de 2017. Nesse período, de acordo com o boletim do desmatamento do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), o estado reduziu em 32% a área desmatada. Foram 595 quilômetros de desmatamento contabilizados entre agosto de 2015 e março de 2016, contra 405 quilômetros de agosto de 2016 a março de 2017.

De temperamento conciliador e bastante acessível à imprensa mato-grossense, Fávaro sempre foi mais procurado pelos jornalistas e lideranças políticas locais que o próprio governador, o que gerou ciúmes por parte de Taques. Apesar de tranquilo, tinha seu próprio projeto político independente do governador. No final de 2017, deixou a Secretaria de Meio Ambiente para disputar uma vaga no Senado. Já nessa época a relação com o então governador Pedro Taques não andava boa. Temendo boicote à sua candidatura, em abril de 2018, apresentou carta de renúncia ao cargo de vice-governador, fato inédito na política mato-grossense.

 

Amor de infância

Batizado como Carlos Henrique Baqueta Fávaro, nasceu em 19 de outubro de 1969 no interior do Paraná. Mudou-se para o Mato Grosso aos 16 anos. A amiga de infância e vizinha Claudinéia Vendramini, a Néia, sua esposa, nunca foi esquecida. Conheceram-se aos 7 anos. Ao mudar-se para o Centro-Oeste, ainda muito jovem voltou ao Paraná para buscá-la. Hoje estão prestes a completar 33 anos de casados – dia 17 de março – são pais de Rafaela e Beatriz. Romântico, o ministro não tem problemas em se declarar para a esposa em suas redes sociais.

No dia dos namorados do ano passado escreveu: “No dicionário está escrito que namorar é empenhar-se em inspirar amor a alguém. A Claudinéia Fávaro é minha constante inspiração, empenho e amor”.

Ativo nas redes sociais, tem pouco mais de 28 mil seguidores no Facebook e Instagram e apenas 6,6 mil no Twitter. Com a chegada ao Ministério da Agricultura a tendência é de que esse número aumente consideravelmente. Sua antecessora, Tereza Cristina, contabiliza atualmente mais de 900 mil seguidores só na rede de Zuckerberg e outros 900 mil na do Elon Musk.

Agro e meio ambiente  

A questão ambiental tornou-se o grande desafio do atual ministro. Não por acaso, entre as suas propostas prioritárias está o estímulo ao compromisso dos produtores rurais com boas práticas ambientais e trabalhistas por meio da redução de juros e do aumento de prazos dos financiamentos agropecuários. Para ele, o meio ambiente é um ativo dos produtores rurais. “Nós temos que ter consciência de que não adianta ter gente vocacionada, terras propícias, máquinas de última geração, tecnologia em sementes, inseticidas, mas não ter chuvas. Todos esses ativos se perdem se a gente tiver num deserto, ninguém consegue produzir no deserto.”

Fávaro acredita que o agronegócio brasileiro tem sido visto como pária mundial por causa de “uns poucos, mas barulhentos” produtores que insistem no desmatamento ilegal, nas queimadas ilegais e no incentivo à invasão de terras públicas. “Isso está acabando com nossa imagem no mercado internacional e acabando com o nosso principal ativo, que é clima.” O Brasil conta atualmente com 160 milhões de hectares de pastagens e 44 milhões de hectares de agricultura já implementados, que passa por duas safras ao longo do ano, performando algo em torno de 77 milhões de hectares.

Ainda de acordo com o ministro, dos 160 milhões de hectares de pastagens, algo em torno de 40 milhões de hectares são terras propícias para agricultura. Isso significa a possibilidade de um incremento da produção na ordem de 5 a 8%, sem a necessidade de desmatamento de novas áreas.

Por causa dessa visão progressista, acabou recebendo críticas da ala mais conservadora do agro, que se alinhou ao ex-presidente Jair Bolsonaro. Em meio à radicalização da campanha, em agosto do ano passado, a entidade que o projetou no cenário político, a Aprosoja, decidiu em assembleia que Fávaro não teria legitimidade para representar o setor como interlocutor em Brasília.  Em nota, a instituição disse que, “ao apoiar as políticas do PT, como invasões de propriedades privadas, Fávaro entrou em divergência com os valores conservadores da classe produtora”.

Ciência e tecnologia 

A Embrapa terá papel importante no planejamento do agro nos próximos anos. O ministro acredita que é preciso responder às seguintes perguntas: o que vamos produzir e de que forma vamos produzir em 2050? Esse questionamento tem que começar a ser avalizado agora a fim de que as pesquisas possam direcionar a agricultura nos próximos anos. O desafio está sendo posto pela atual gestão do Ministério da Agricultura. O objetivo é de que o Brasil continue na vanguarda do agronegócio mundial. Nesse sentido, programas como o Plano ABC (Agricultura de Baixo Carbono) devem ser incentivados e os estudos aprimorados.

No Senado 

Eleito Senador pelo Mato Grosso em 2020, numa eleição suplementar após a cassação da ex-juíza Selma Arruda, acusada de caixa dois, Fávaro disputou a vaga com o apoio de boa parte do agro. Derrotou o ex-companheiro de chapa Pedro Taques, que amargou o quinto lugar. Por causa da briga judicial com a ex-juíza Selma Arruda, Fávaro chegou a ocupar o Senado como substituto, já que havia ficado em terceiro lugar nas eleições de 2018. Sua atuação na casa sempre foi focada nas comissões de Agricultura e Reforma Agrária, Meio Ambiente e Desenvolvimento Regional e Turismo.

Conseguiu, em pouco tempo, ter uma proposta de sua autoria aprovada e convertida na Lei 14.406/2022, que prevê o uso da aviação agrícola no combate a incêndios florestais. A proposta foi apresentada em meio à comoção nacional e internacional dos incêndios na floresta amazônica e no Pantanal entre os anos de 2019 e 2020. Na justificativa, Fávaro lembrou que a temporada das secas e dos incêndios coincide com a entressafra agrícola na maior parte do território brasileiro, época em que essas aeronaves ficam paradas. E lamentou as queimadas no Pantanal em 2020, tragédia que destruiu 26% do bioma.

União do setor 

Questionado se vai conseguir unir o setor em torno de um agro mais moderno, Fávaro garantiu que de sua parte está aberto ao diálogo. “Uma das missões que temos aqui é construir pontes e não muros.” Para ele, faz parte da democracia escolher, defender e até financiar o candidato que quiser. O que não pode ser aceito são atos antidemocráticos e o desrespeito à legitimidade das urnas e das instituições.

Para o ministro, a melhor forma de conquistar o apoio e a confiança do setor será buscando rememorar aos produtores os anos de Lula como presidente e as oportunidades que trouxe ao País. “Mais do que a retórica eleitoreira de que ele é contra o agronegócio, de que ele vai acabar com o direito de propriedade, de que ele vai taxar as exportações, o exemplo é o que arrasta”, afirmou.

Fávaro deixou claro que não encontrou problemas ao assumir a pasta. Disse que, ao contrário do que ocorreu em outros ministérios, onde houve uma total desconexão com a finalidade da gestão pública, Tereza Cristina e Marcos Montes fizeram boa gestão. Aliás, ele fez questão de elogiar os que o antecederam citando nominalmente Blairo Maggi, Kátia Abreu, Neri Geller, Guedes Pinto, Reinhold Stephanes, Roberto Rodrigues, entre outros. Para ele, o bom desempenho dos ministros fez com que o Brasil desse um grande salto na produção. Talvez por isso tenha escolhido como principal desafio a sustentabilidade da agropecuária brasileira. Assim pode deixar a sua marca.