Produtividade nas alturas

Produtividade nas alturas Ao anunciar que conseguiu cultivar trigo em uma fazenda vertical, a startu


05.03.23

Produtividade nas alturas

Ao anunciar que conseguiu cultivar trigo em uma fazenda vertical, a startup Infarm mostra que o enorme potencial do modelo pode ser transformado em realidade. Mas ainda há uma série de desafios à frente

 

Por André Sollitto

 

Em meados de novembro, a startup alemã Infarm, com sede em Berlim, anunciou que havia conseguido cultivar trigo em uma fazenda vertical, sem a necessidade de solo para o plantio. O feito é considerado um enorme avanço para a agricultura por uma série de razões. Para começar, a produtividade em um ambiente controlado é muito maior do que em campo. De acordo com o teste da Infarm, seria possível produzir 117 toneladas por hectare, 26 vezes mais do que na mesma área em uma lavoura tradicional. Isso seria possível graças a seis ciclos de produção anuais, além da combinação perfeita de luz, umidade, temperatura e nutrientes. 

 

Há uma óbvia economia de espaço, além de se criar uma alternativa para cultivar o grão (geralmente produzido em regiões de clima temperado) em qualquer parte do globo e em áreas mais próximas dos centros urbanos, onde estão os consumidores. Mas o principal é oferecer uma oportunidade para resolver o grande dilema de como alimentar uma população crescente que deve alcançar a marca de 10 bilhões de pessoas em menos de 30 anos. Viabilizar a agricultura indoor, que surgiu com foco em hortaliças, para as chamadas grandes commodities pode significar uma nova revolução agrícola. E a experiência da Infarm parece ter sido o primeiro passo real nesse sentido.

 

A agricultura vertical já é uma realidade inclusive no Brasil. Existem diversas empresas que oferecem uma variedade de hortaliças, temperos, ervas aromáticas e, ocasionalmente, frutas cultivadas em ambientes controlados. A maior fazenda vertical da América Latina, propriedade da startup Pink Farms, fica em São Paulo, na região do Ceasa, e já tem parcerias com redes de supermercados. É um mercado global avaliado em US$ 3,47 bilhões em 2021, de acordo com um estudo da Fortune Business Insights, com potencial para alcançar mais de US$ 20 bilhões até 2029. Mas o cultivo de grãos ainda é um problema.

 

O trigo, por exemplo, é uma cultura que precisa de muito espaço para se desenvolver. Para obter resultados satisfatórios em ambientes controlados, os produtores precisam buscar cultivares específicas, com uma altura menor do que o trigo cultivado em campo. Atualmente, o modelo das fazendas verticais ainda demanda uma enorme quantidade de energia para funcionar, e os custos de produção ainda são altos, o que impacta no preço final dos alimentos. No estágio de hoje, ainda não é possível competir com as commodities tradicionais. 

 

Há muito investimento no setor para tentar contornar as limitações. Em Dubai, por exemplo, uma parceria entre a Crop One Holdings e a Emirates Flight, braço de catering da gigante da aviação, foi responsável pela construção da maior fazenda vertical do mundo, a ECO 1, ao custo de US$ 40 milhões. As hortaliças, cultivadas com 95% menos água e sem pesticidas e herbicidas, serão oferecidas em voos da companhia e em mercados espalhados pelos Emirados Árabes Unidos. O governo de Abu Dhabi também investiu US$ 100 milhões em pesquisa e desenvolvimento no setor. Nos Estados Unidos, algumas startups também atraíram muita atenção. A Bowery Farming, por exemplo, recebeu mais de US$ 646 milhões e inclui celebridades entre seus investidores, como Justin Timberlake e Natalie Portman. A Plenty soma US$ 941 milhões e tem o SoftBank e o Bezos Expeditions, fundo do bilionário Jeff Bezos, da Amazon, entre os responsáveis pelos grandes aportes.

 

Nem todas, no entanto, estão conseguindo manter as operações. Outra startup promissora, a AeroFarms, desistiu dos planos de abrir o capital por meio de um SPAC, veículos que captam dinheiro antes de se fundirem a alguma startup que mostra potencial. Os investidores colocam recursos nessas empresas confiando que os gestores vão encontrar bons ativos e levá-los à bolsa, e por isso recebem o apelido de “companhias de cheque em branco”. Outros investidores desistiram de fazer aportes na AppHarvest, outra empresa da área. Há ainda um número crescente de startups do setor de agricultura vertical que estão encerrando suas operações, como a americana Fifth Season e a holandesa Glowfarms. Para analistas, o movimento, no entanto, é positivo. Depois do hype que tomou conta do ecossistema agtech por conta dessas empresas, é natural que o mercado amadureça e apenas as companhias mais sólidas e com maior potencial continuem no mercado.

 

Encontrar soluções para a cadeia de produção de grãos é uma necessidade premente. A guerra na Ucrânia mostrou como a dependência de um punhado de fornecedores pode ser problemática. A Ucrânia é responsável por 10% de toda a produção de trigo do planeta, além de 15% do milho e 13% da cevada produzida. Grande parte dessa produção é escoada para o resto do mundo, mas com o conflito a cadeia de abastecimento foi afetada e os preços dispararam. Países da África, como Somália, Eritreia e a República Democrática do Congo, perderam de 80 a 100% de seus suprimentos do grão. 

 

O trigo, especialmente, é um alimento com papel central em diversas culturas. Hoje, há um acordo entre Rússia e Ucrânia, mediado pela Turquia, que permite o escoamento dos grãos. Mas é um equilíbrio tênue que pode ser revertido sem aviso. As mudanças climáticas também oferecem perigo. De acordo com um estudo publicado na Nature reunindo pesquisas em vários países produtores, como China, Índia, Estados Unidos, França e Rússia, cada 1°C de aumento na temperatura média do planeta vai reduzir em 6,4% a quantidade de trigo que a humanidade é capaz de produzir. 

 

A promessa de transformação oferecida pelo modelo vertical ainda é imbatível. Um estudo publicado neste ano no periódico científico norte-americano Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS) apresenta modelos em que uma lavoura de grãos em ambiente controlado, em uma fazenda vertical de dez andares de altura e que ocupa 1 hectare de terra teria potencial para atingir produtividade até 600 vezes maior que a média em lavouras tradicionais. Os resultados obtidos pela Infarm começam a apontar para a realização desse enorme potencial hipotético. “Estamos confiantes de que o trigo pode ser cultivado com sucesso em escala interna como uma alternativa resiliente ao clima”, afirmou Guy Galonska, cofundador da Infarm, no comunicado sobre a conquista. “Nosso rendimento recorde poderia ser aumentado em mais 50% nos próximos anos usando uma combinação de genética aprimorada, hardware e ambientes de crescimento otimizados”, concluiu. O caminho para a mudança da maneira como grãos são produzidos começa a se tornar mais claro.