10.02.23
Cultive como as formigas
Com suas sábias práticas agrícolas e eficiente técnica de navegação, os insetos podem inspirar soluções para alguns problemas dos seres humanos
Por Scott Solomon*
*Professor associado de Ecologia e Biologia Evolucionária da Rice University
É possível que o rei Salomão tenha adquirido um pouco de sua famosa sabedoria de uma fonte improvável – as formigas. Segundo uma lenda judaica, Salomão conversou com uma esperta formiga rainha que confrontou seu orgulho, impressionando bastante o rei israelita. No livro bíblico de Provérbios (6:6-8), Salomão compartilha o seguinte conselho com seu filho: “Repare na formiga, seu preguiçoso, pense no que ela faz e aprenda. Que, mesmo não tendo guia, supervisor ou governante, providencia seu alimento no verão, e estoca seu sustento na colheita”.
Embora eu não tenha nenhum laço de família com o rei Salomão, apesar de termos o mesmo nome, há muito admiro a sabedoria das formigas e passei mais de 20 anos estudando sua ecologia, evolução e comportamento. Embora a ideia de que as formigas tenham muito a ensinar aos seres humanos já exista há algum tempo, podemos adquirir nova sabedoria com o que os cientistas descobriram sobre sua biologia.
As formigas desenvolveram organizações sociais bastante complexas.
Ensinamentos da agricultura das formigas
Como pesquisador, sou particularmente intrigado pelas formigas produtoras de fungos, um grupo de 248 espécies que cultivam fungos como sua principal fonte de alimento. Esse grupo inclui 79 espécies de formigas cortadeiras, que cultivam seus jardins de fungos com folhas recém-cortadas que carregam para seus enormes formigueiros subterrâneos. Já escavei centenas de ninhos de formigas cortadeiras, do Texas à Argentina, como parte de um esforço científico para entender como essas formigas coevoluíram com suas plantações de fungos.
Semelhante aos agricultores humanos, cada espécie de formiga cultivadora de fungos é muito seletiva quanto ao tipo de plantação que cultiva. As principais variedades descendem de um tipo de fungo que os ancestrais das formigas cultivadoras de fungos começaram a cultivar há cerca de 55 a 65 milhões de anos. Alguns desses fungos foram domesticados e agora não conseguem sobreviver longe de seus insetos cultivadores, como acontece com algumas culturas dos seres humanos, como o milho.
As formigas começaram a cultivar dezenas de milhões de anos antes dos seres humanos.
As formigas agricultoras enfrentam muitos dos mesmos desafios que os produtores rurais, incluindo a ameaça de pragas. Um parasita chamado Escovopsis pode devastar os canteiros de fungos das formigas, levando-as a morrer de fome. Da mesma forma, na agricultura dos seres humanos, surtos de pragas contribuíram para desastres como a Fome Irlandesa da Batata, a praga do milho em 1970 e a atual ameaça às bananas.
Na década de 1950, a agricultura humana passou a ser industrializada e se baseia na monocultura, ou seja, o cultivo de grandes quantidades da mesma variedade de planta num único local. Contudo, a monocultura deixa as plantações mais vulneráveis a pragas porque é mais fácil destruir um campo inteiro de plantas geneticamente idênticas do que uma área com maior diversidade.
A agricultura industrial recorreu aos pesticidas químicos como uma solução parcial, transformando o manejo de pragas agrícolas numa indústria de bilhões de dólares. O problema com essa abordagem é que as pragas podem desenvolver novas maneiras de resistir aos pesticidas mais rapidamente do que os pesquisadores conseguem desenvolver produtos químicos mais eficazes. É uma corrida armamentista – e as pragas estão levando vantagem.
As formigas também cultivam suas monoculturas e numa escala parecida – afinal, um ninho de formigas cortadeiras pode abrigar 5 milhões de formigas, todas se alimentando de fungos em seus jardins subterrâneos. Elas também usam um pesticida para controlar a Escovopsis e outras pragas.
No entanto, a abordagem adotada por elas para o uso de pesticidas difere da dos seres humanos num aspecto importante. Os pesticidas das formigas são produzidos por bactérias que elas permitem que se desenvolvam em seus formigueiros e, em alguns casos, até mesmo em seus corpos. Manter as bactérias como uma cultura viva permite que os micróbios se adaptem em tempo real às mudanças evolutivas das pragas. Nessa corrida armamentista entre pragas e agricultores, as formigas agricultoras descobriram que as bactérias vivas podem servir como indústrias farmacêuticas que podem acompanhar a constante mudança das pragas.
Enquanto os desenvolvimentos recentes no manejo de pragas agrícolas vêm se concentrando na engenharia genética de plantas cultivadas para produzir seus próprios pesticidas, a lição aprendida com 55 milhões de anos de cultivo pelas formigas é aproveitar microrganismos vivos para fazer produtos úteis. Atualmente, os pesquisadores estão fazendo experimentos com a aplicação de bactérias vivas em plantas agrícolas para determinar se elas são eficazes na produção de pesticidas que podem evoluir em tempo real junto com as pragas.
Melhorando o transporte
As formigas também podem dar aulas práticas na área de transporte.
As formigas são reconhecidamente boas em localizar rapidamente a comida, seja um inseto morto no chão de uma floresta ou algumas migalhas na sua cozinha. Elas conseguem isso deixando um rastro de feromônios – substâncias químicas com um cheiro característico que as formigas usam para guiar suas companheiras do formigueiro até a comida. O caminho mais curto até um destino acumulará mais feromônio porque mais formigas terão feito o trajeto de ida e volta num determinado período de tempo.
Na década de 1990, cientistas da computação desenvolveram uma classe de algoritmos modelados a partir do comportamento das formigas que são muito eficientes em encontrar o caminho mais curto entre dois ou mais locais. Assim como acontece com as formigas, a rota mais curta até um destino acumulará mais feromônio virtual porque mais formigas virtuais terão percorrido o trajeto num determinado período de tempo. Os engenheiros usaram essa abordagem simples, porém eficiente, para projetar redes de telecomunicações e mapear rotas de entrega.
As formigas não são boas apenas para encontrar a rota mais curta de seus formigueiros até uma fonte de alimento, mas milhares de formigas são capazes de trilhar essas rotas sem causar congestionamentos. Recentemente, comecei a colaborar com o físico Óscar Andrey Herrera-Sancho para estudar como as formigas cortadeiras mantêm um fluxo tão constante ao longo de suas trilhas de forrageamento sem causar a típica lentidão vista em calçadas e rodovias lotadas.
Estamos usando câmeras para acompanhar como cada formiga responde a obstáculos artificiais colocados em suas trilhas de forrageamento. Nossa esperança é que, ao entender melhor as regras que as formigas usam para responder aos obstáculos e à movimentação de outras formigas, poderemos desenvolver algoritmos que possam eventualmente ajudar a programar carros autônomos que nunca ficariam presos no trânsito.
Olhe para a formiga
Para ser justo, as formigas não são exemplos ideais a serem seguidos por diversas razões, afinal, algumas espécies são conhecidas por matar indiscriminadamente e outras por escravizar bebês.
Mas o fato é que, de várias maneiras, as formigas se assemelham a nós – ou pelo menos da forma como pensamos ser. Elas vivem em sociedades complexas com divisão de tarefas. Elas cooperam na criação dos filhos. E elas conseguem notáveis proezas de engenharia – como construir estruturas com funis de ar que podem abrigar milhões –, tudo isso sem ter um projeto ou um líder. Não sei se cheguei a mencionar que suas sociedades são inteiramente governadas pelas fêmeas.
Ainda há muito a aprender sobre formigas. Por exemplo, os pesquisadores ainda não entendem completamente como uma larva de formiga se desenvolve para se tornar uma rainha, que é uma fêmea com asas que pode viver por 20 anos e botar milhões de ovos, ou uma operária, uma fêmea sem asas, muitas vezes estéril, que vive por menos de um ano e executa todos os outros trabalhos na colônia. Além disso, os cientistas estão constantemente descobrindo novas espécies – 167 novas espécies de formigas foram descritas apenas em 2021, elevando o total para mais de 15.980 espécies.
Ao analisar as formigas e seus muitos aspectos fascinantes, há muita sabedoria a ser adquirida.
*Esta reportagem foi republicada do site The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original em https://theconversation.com/ants-with-their-wise-farming-practices-and-efficient-navigation-techniques-could-inspire-solutions-for-some-human-problems-188939