O dragão assusta o agro?

Inflação global, custos e preços: o novo patamar veio para ficar? Especialistas apontam para uma


23.12.22

Inflação global, custos e preços: o novo patamar veio para ficar? Especialistas apontam para uma retomada da normalidade no mercado de insumos agrícolas e valor das commodities apenas no segundo semestre de 2023

Por Marco Damiani

A volta da inflação ao mundo, impulsionada nos últimos anos pela pandemia de Covid-19 seguida pela guerra na Ucrânia, impactou diferentes setores da economia, mas nenhum mais do que o agronegócio. As fortes altas nos preços dos alimentos encabeçam, globalmente, todos os índices inflacionários dos países. A dúvida presente é entender se as commodities agrícolas mudaram em definitivo para um patamar mais alto de preços, ou se há espaço para o retorno aos valores da normalidade anterior à crise de saúde e ao conflito patrocinado pela Rússia.

No Brasil, uma comparação entre a variação dos valores de comercialização da ureia e a alta do petróleo, insumos de base para cadeias produtivas do campo e da cidade, dá a dimensão exata do quanto a produção agrícola foi mais afetada. Na pré-pandemia, em fevereiro de 2020, enquanto um barril do tipo brent era negociado a US$ 53, 1 tonelada de ureia custava US$ 260. Já em dezembro do ano passado, o barril estava valendo US$ 130, com alta de 150%, e a ureia disparava a US$ 850, nada menos do que 214% além. Ao contrário da indústria, que precisa do petróleo, mas não demanda fertilização, a agricultura depende da ureia e, com suas máquinas e equipamentos, também consome derivados de petróleo, como o diesel e a gasolina. Sente, portanto, duas vezes os reflexos da volatilidade.

Em consequência, a soja bateu recordes históricos, subindo mais de 60% desde o início da guerra. Em alta constante, o trigo aumentou 130% entre janeiro de 2020 e abril de 2022, segundo estudo da consultoria MLB. Ao consumidor, produtos como açúcar e café triplicaram, no caso do primeiro, e dobraram de preço durante esse período atribulado. Na frente da pecuária, o preço do boi gordo oscilou para cima cerca de 55%.

“Na hora em que a política voltar ao normal, com o fim da guerra na Ucrânia, os preços de insumos para a produção e ao consumidor final também voltarão à normalidade. É uma questão de tempo”, afirmou à PLANT PROJECT o CEO do Grupo SLC, Aurélio Pavinato. “Talvez não exatamente aos preços que tínhamos antes, uma vez que a oscilação faz parte do mercado de commodities, mas sem dúvida 2022 é um ano de pico, enquanto 2023 já deve apresentar recuos”, acrescenta. Ele ressalva que a volatilidade nas cadeias de produção de energia será determinante sobre o comportamento dos preços.

O pico de valores de comercialização neste ano também encontra explicação nas quebras das safras de soja do Brasil e da Argentina, do milho nos Estados Unidos e do milho e do trigo na Europa. “Foi uma sequência grande de quebras, o que aumentou a demanda e puxou os preços finais para cima. Para a oferta, a reativação parcial das cadeias de suprimento de insumos já começou a deixá-los mais baratos”, diz Pavinato.

Como um todo, os produtores brasileiros conseguiram minimizar os impactos da alta nos insumos graças a compras antecipadas de fertilizantes, foram beneficiados pela apreciação do dólar frente ao real e, igualmente, surfaram a onda de elevação dos preços de comercialização das safras, em razão do aumento da demanda internacional. “As expectativas para a venda da safra 2022/2023 são bastante positivas. Graças à eficiência, o agro brasileiro conseguiu compensar os aumentos nos custos de produção”, agrega o CEO à frente da maior produtora nacional de grãos, com 660 mil hectares plantados com soja, milho, algodão e criação de gado.

Road among golden ears of wheat in field under blue sky. Autumn landscape.


A projeção de recuo dos preços dos insumos no médio prazo coincide com as análises de comportamento do mercado que são feitas pelo Rabobank. Os radares da instituição financeira holandesa, líder global em financiamento ao agronegócio, apontam o segundo semestre de 2023 como o momento em que o atual patamar de preços descerá de modo significativo. “Já há indicadores como o cloreto de potássio em níveis de preços abaixo dos praticados antes da guerra e a ureia a menos dos US$ 650
por tonelada. Isso mostra uma tendência de retorno aos patamares anteriores”, avalia Bruno Fonseca, analista sênior para a área de Fertilizantes do Rabobank. “É uma descida lenta, que deve se estabilizar no ano que vem”, calcula ele. “O importante é o produtor ficar muito atento ao cenário global, para aproveitar janelas de volatilidade a seu favor e tentar se proteger das surpresas negativas que sempre podem ocorrer”, agrega.

Expectativas de renomadas consultorias internacionais apontam, com efeito, para muita turbulência à frente. “Novas sanções à Rússia são prováveis após os referendos falsos na Ucrânia. Uma escalada na guerra é iminente”, projeta a consultoria americana AgResource Company em relatório no qual indica uma extensão de problemas no sistema de transportes da produção. “Com o recrudescimento da guerra, os proprietários de embarcações estarão ainda menos dispostos a sacrificar capital e mão de obra”, diz a avaliação.

A compensação da alta nos custos de produção pelas correções para cima nos preços das commodities também ancora expectativas positivas entre os produtores de trigo. “No médio prazo, os preços de venda vão continuar elevados, com oscilações na Bolsa de Chicago indicando uma clara tendência de alta”, afirma ex-embaixador do Brasil nos Estados Unidos Rubens Barbosa, presidente da Associação Brasileira da Indústria do Trigo (Abitrigo). “Os custos de produção e as receitas cresceram de forma equilibrada e devem continuar assim”, prevê. “O setor está aumentando a produção para chegarmos em cinco a dez anos à condição de exportadores líquidos. Este ano, dos 10 milhões de toneladas que iremos produzir, 3 milhões de toneladas serão para exportação. A tendência é que essa parcela cresça”, agrega Barbosa.

Apesar dos ganhos na gangorra de custos de produção versus preço final, as grandes companhias do agronegócio foram colocadas em compasso de espera pelo mercado financeiro no último ano. “É natural que, com tantas variáveis e incertezas, os prêmios fiquem para o momento em que a normalidade volte de modo mais amplo, sem a guerra dentro do cenário”, explica o investidor Fernando Laudísio Corrêa, gestor de renda variável de um family office. “Ao nosso ver, o pior já passou, mas isso ainda não é suficiente para adicionar valor ao conjunto do setor. Num estudo sobre o desempenho dos papéis de gigantes do agronegócio brasileiro, a tese de que a fase é de cautela se confirma. Em 12 meses, completados em 5 de outubro, as ações do Grupo Brasil Agro na B3 experimentavam uma valorização de 0,42%, enquanto São Martinho, Raízen e SLC tinham quedas, respectivamente, de 9,03%, 2,56% e 0,33%. “Nada que não possa ser recuperado quando os preços internacionais dos insumos se normalizarem e, em linha com a expectativa geral, a demanda pelas commodities continue em alta”, afirma Corrêa.

Nesse ínterim, as indicações são de descida dos atuais patamares de custos de produção e valores de comercialização, mas com os disparos ainda sendo trocados na Ucrânia, dentro de um cenário de relações internacionais cada vez mais complexas, ainda é cedo para comemorar.