Ideias férteis

Centros de inovação agrícola buscam alternativas que ajudem a reduzir a dependência do agroneg


24.08.22

Centros de inovação agrícola buscam alternativas que ajudem a reduzir a dependência do agronegócio brasileiro dos fertilizantes de outros países

Por Marco Damiani

A guerra na Ucrânia, iniciada em fevereiro deste ano, tornou clara para o agronegócio brasileiro uma equação que não fecha, mas que até então estava obscurecida pela normalidade do mercado internacional e os recordes de comercialização. É a conta da importação de fertilizantes. Com uma necessidade atual de utilizar perto de 45 milhões de toneladas de insumos a cada safra, as empresas nacionais precisam importar nada menos que 85% desse total, num gasto estimado pela Embrapa em US$ 15 bilhões de dólares. O que fazer para barrar o crescimento desses custos, reduzir a dependência e, por que não, até mesmo revertê-la?

A resposta perseguida pelos centros nacionais de pesquisas agrícolas nos últimos dez anos está na inovação – e passa, necessariamente, pela biotecnologia e a nanotecnologia para desenvolver novos produtos e meios de utilização junto à terra e às diferentes culturas. Algumas soluções já se mostram promissoras. Outras, ainda esbarram na dificuldade de ganhar a escala para atender à imensa demanda das fazendas brasileiras.

Há vários percursos nessa corrida. “As pesquisas pela redução da dependência dos fornecedores internacionais também procuram descobrir processos que podem melhorar a absorção dos nutrientes pelas plantas ou fixar o nitrogênio do ar, pela utilização de fertilizantes orgânicos e organominerais, reciclagem de resíduos das indústrias produtoras de fosfato e melhor aproveitamento dos fertilizantes potássicos com origem em rochas silicáticas”, detalha Efraim Cekinski, professor de Engenharia Química do Instituto Mauá de Tecnologia (IMT). “Ainda há um bom caminho pela frente, mas já demos passos importantes”, completa ele.

Um desses movimentos vitoriosos obteve no final do ano passado o maior prêmio de inovação conferido pela Sociedade Brasileira de Química (SBQ). Desenvolvido pelo professor Brenno Amaro, da Universidade de Brasília, em pesquisas feitas conjuntamente com a Embrapa, o Arbolina é um biofertilizante composto por carbono orgânico, nitrogênio, oxigênio e hidrogênio, aplicado por inoculação. A promessa é a de aumentar em até 40% a produtividade em plantações de soja, milho e cana-de-açúcar. Em 15 dias, seu conteúdo de micro-organismos é expelido pelas plantas, o que o torna um produto biodegradável. Sua produção em larga escala teria o poder de reduzir fortemente as importações brasileiras. “A Arbolina reúne tudo o que, basicamente, uma planta precisa para crescer de modo produtivo”, afirma o professor Amaro, cujas pesquisas em torno do produto começaram em 2015 até chegar à obtenção da patente.

A busca por fertilizantes alternativos tem levado pesquisadores a caminhos inusitados. É o que demonstra o desenvolvimento da Quitosana, fertilizante obtido a partir de açúcares presentes nas carapaças de crustáceos como a lagosta e o camarão. As pesquisas em torno desse produto foram iniciadas por pesquisadores japoneses, mas ganharam aceleração e maturidade pelo trabalho de biólogos brasileiros em atuação no estado do Ceará. Hoje, a patente é nacional. A Quitosana ainda não encontrou nenhuma contraindicação para a sua prescrição em lavouras, sendo utilizada como um suplemento que integra o processo de crescimento de diferentes plantas. Sua taxa de sucesso depende muito das condições do clima, temperatura e qualidade do solo, mas já é uma alternativa bem brasileira para a complementação do pacote de insumos agrícolas.

AVANÇO DOS BIOINSUMOS

Bem-sucedidas inovações com bioinsumos estão ganhando terreno nas lavouras brasileiras. Nas plantações de cana-de-açúcar, a vinhaça – resíduo líquido resultante da destilação no processo de produção do etanol – já é um elemento testado, aprovado e bastante disseminado entre os produtores. Rico em matéria orgânica, esse caldo é reaproveitado como fertilizante nos campos agrícolas, com grande conteúdo de potássio e sais minerais. Uma vez que é um subproduto, tem custo baixo para os próprios produtores de cana.

Para a cultura do café, está em pleno desenvolvimento um bioinsumo inovador que também está sendo extraído, ainda em processo de ganho de escala, da cana-de-açúcar. A matéria-prima utilizada para esse fertilizante que pode ampliar a produtividade das lavouras cafeeiras em até 20% é a chamada “torta de filtro”, resíduo proveniente da extração do caldo da cana. Ele é submetido a um processo químico de bioestabilização. “É uma compostagem bioacelerada. A gente coloca uma blend de bactérias e fungos. É um processo proprietário nosso que faz grandes volumes em pouco tempo”, afirma Ernani Judice, CEO da Agrion, empresa desenvolvedora do novo adubo. Os testes têm sido realizados por pesquisadores de Franca e devem se estender por quatro anos em uma fazenda experimental da Fundação Procafé.

IMPORTAÇÃO E CUSTOS

No atual quadro de dependência de fertilizantes com origem em países distantes, o Brasil importa 75% do nitrogênio que as lavouras necessitam, 55% do fósforo e 95% do potássio. Ao contrário dos demais grandes produtores, como Estados Unidos, Índia e China, estamos longe da autossuficiência.

Na soja, já estamos em vantagem com a aplicação, também por inoculação, do nitrogênio do ar. A introdução desses micro-organismos que aceleram o crescimento da lavoura ainda não pode, no entanto, ser utilizado em outras lavouras.

A importância de as pesquisas encontrarem novas alternativas em fertilizantes é crucial para a economia do agronegócio. Em relatório no final de maio, analistas do Rabobank estimaram que os gastos com insumos para o cultivo da soja estão 86% mais altos na atual safra em relação à anterior. No milho, o desembolso é ainda maior: 93%. Acrescente-se a isso a atual insegurança em relação à obtenção de produtos como ureia, nitrogênio e fosfato, cujas cadeias logísticas de importação foram abaladas após a invasão da Ucrânia pela Rússia.

Apesar do cenário incerto, o produtor brasileiro está conseguindo superar as dificuldades. Na ponta da venda, as commodities brasileiras acompanham uma valorização média global de 50% sobre a safra anterior, já calculada a elevação dos custos. As cotações internacionais estão atingindo máximas históricas. “Mesmo com essa crise em pleno curso, o produtor brasileiro está ganhando dinheiro”, resume o professor Paulo Pavinato, do Departamento de Ciência do Solo da Esalq. “A alta dos fertilizantes está sendo transferida para os preços dos produtos. Isso gera inflação e atinge o consumidor final, mas os produtores se protegem com a alta do dólar somada à subida da demanda no mercado internacional”, completa ele.

Mesmo em relação à oferta de fertilizantes ao mercado nacional, que logo após o início da guerra sofreu interrupções por dificuldades de embarques e reorganização das cadeias de fornecedores, as notícias mais recentes são positivas. Em abril, a chegada de navios com carregamentos de fertilizantes no Porto de Paranaguá (PR), o principal do País para esta modalidade, foram maiores do que no mesmo mês do ano passado. Ao mesmo tempo, as entregas vindas da China estão confirmadas até outubro, o que afasta o risco de desabastecimento. Por outro lado, os preços do MAP e do KCl, matérias-primas de insumos usados em todas as culturas, praticamente dobraram desde dezembro, mas as perspectivas são de estabilização.

“Para o segundo semestre, os preços dos fertilizantes devem cair em razão de uma esperada redução na demanda internacional”, projeta Pavinato. “O produtor não deve se apurar demais, mas sim ter tranquilidade e paciência para aproveitar a retomada dos preços a níveis mais satisfatórios”, completa. Ele lembra que os produtores de cana-de-açúcar receberam suas compras em dezembro, antes do início da guerra, e muitos dos que atuam na soja e no milho já anteciparam suas encomendas.

PAÍS A DESCOBERTO

Mesmo assim, o fato é que o agronegócio ainda está passando um grande susto em razão da constatação de que o Brasil não está preparado para não depender de compras internacionais de fertilizantes. Não há, neste momento, nenhuma operação no País em torno de minas de matérias-primas ou fabricação de fertilizantes em volumes capazes de atender ao mercado nacional.

“Depois que a Petrobras saiu desse mercado, porque estava sofrente prejuízo, ninguém mais ocupou o lugar de produzir fertilizantes por aqui”, lembra o professor da Esalq. “Estamos a descoberto, ao sabor da volatilidade dos preços internacionais”, agrega. No curto e no médio prazo, a situação continuará a mesma. Sabe-se que a implantação de uma usina de potássio, por exemplo, pode levar de sete a dez anos, a um alto custo e sem garantia de lucratividade. Não há notícias de interessados em abrir esse tipo de negócio no País.

Anunciado em março, o Plano Nacional de Fertilizantes (PNF) contém diretrizes para o setor até o ano de 2050. Há nele a promessa de incentivos para a abertura de minas e instalação de plantas industriais que reduzam a dependência do Brasil ao mercado internacional. “O agronegócio como um todo pode economizar até 15 bilhões de dólares por ano se houver meios de evitar compras externas e ter fertilizantes à mão dentro do próprio País”, calcula o mestre em Ciências Agrícolas Jerri Zilli, pesquisador da Embrapa. “Mas esta não é uma opção nem para agora nem para o futuro próximo”, lamenta.

O NÓ DA LEGISLAÇÃO 

Integrante do Conselho Estratégico montado pelo governo para acompanhar o desenvolvimento do PNF, Zilli acredita que exigências da legislação e excesso de burocracia têm impedido o Brasil de avançar nas alternativas de inoculantes e bioinsumos. Eles seriam opções à compra de fertilizantes importados.

“O problema é que, para desenvolver inoculantes, lida-se com diversos elementos que muitas vezes são considerados agrotóxicos. Com essa classificação, precisam ser submetidos a uma legislação mais rigorosa, que na prática impede o seu desenvolvimento num tempo ideal”, diz Zilli. “Criar uma legislação única e específica é o primeiro passo para o Brasil recuperar o atual atraso na produção de fertilizantes em relação aos grandes produtores do mundo”, acrescenta, referindo-se a países como Canadá, Índia, China e, em condições normais, Rússia, Ucrânia e Belarus.

Em razão da reviravolta no mercado de fertilizantes, e o processo sempre longo de chegada à inovação, a mensagem ao produtor é a de não acreditar em milagres na substituição dos fertilizantes tradicionais, mas, ao mesmo tempo, apoiar as pesquisas e ter planejamento na realização de suas compras. No dia a dia do campo, também vale uma boa dose de paciência e otimismo para esperar que a guerra acabe e as cadeias de fornecimento voltem aos patamares históricos. Isso dará novo fôlego às empresas agrícolas até o encontro de novas descobertas alternativas aos fertilizantes tradicionais.