O agro é pec

Grupos consagrados na produção de grãos investem em projetos de criação de gado em harmonia com


Edição 30 - 13.07.22

Grupos consagrados na produção de grãos investem em projetos de criação de gado em harmonia com suas lavouras. O que os atrai na pecuária?

A configuração da pecuária brasileira está em franca mudança – para melhor. Ao lado de criadores tradicionais, de diferentes portes, a atividade ganha o reforço de novos e poderosos players, com cultura empresarial sólida e histórico de gestão eficiente. O que surpreende é sua origem: são especialistas em lavouras. Grandes grupos nacionais que sempre se dedicaram ao cultivo de grãos, a ponto de se tornarem líderes do agronegócio, estão em franca expansão em direção à pecuária, fazendo o agro ser cada vez mais pec.

O eixo central dessa mudança é o modelo Integração Lavoura Pecuária Floresta (ILPF), que vem recebendo a adesão de gigantes como os grupos SLC e Bom Futuro. Com histórico amplamente vitorioso no agro, ambos cultivam, somados, um total superior a 1 milhão de hectares em várias regiões do País. O cultivo de soja, milho e algodão, entre outras culturas, fez com que as duas companhias se posicionassem entre as maiores empresas de produção agrícola do Brasil. Toda essa competência administrativa está sendo usada a favor das operações em pecuária que cada uma delas desenvolve nos últimos tempos. Com imensas áreas disponíveis e capacidade de investimento, rapidamente suas operações de pecuária ganham peso e se destacam entre as maiores do país.

O primeiro a abrir a porteira das fazendas de produção de grãos para a entrada do gado foi o Grupo Bom Futuro, da família Scheffer, com sede em Cuiabá (MT). O ingresso na pecuária foi discreto, em 2007, quando os primeiros animais foram adquiridos. Hoje, a empresa cria mais de 130 mil reses, a maior parte da raça Nelore. Uma premissa inicial foi transferir para a nova área de negócios tecnologia de manejo de terra e gestão administrativa adquirida no agronegócio. Atualmente, com a rotação de áreas dentro do sistema ILP, há diálogo e complementação entre as técnicas usadas lado a lado.

Na pecuária, a linha é criação por cruzamento industrial em sistema de semiconfinamento. “Com experiência, empenho e auxílio da tecnologia, temos o maior projeto de integração lavoura pecuária do mundo, com uma área de 31 mil hectares para essa modalidade”, assinala a diretora de Pecuária, Dayla Scheffer (confira entrevista à PLANT na página). A executiva de escritório e de campo sublinha que o modelo promove ganhos ambientais, comerciais e de produtividade da terra e dos animais.

QUEBRA DE PARADIGMA

Nas últimas décadas, a pecuária brasileira ganhou o reconhecimento como maior fornecedora de proteína animal para a alimentação do mundo. O rebanho de aproximadamente 215 milhões de cabeças só perde em tamanho para o da Índia, mas o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) atesta ser o Brasil o maior exportador de carne do planeta. Tamanho peso global atraiu, no entanto, o olhar atento e muitas vezes crítico de concorrentes e de ambientalistas, que passaram a associar o gado nacional a imagens de queimadas e desmatamentos para a criação de áreas de pasto onde antes havia matas e florestas.

Quebrar esse paradigma é uma das missões do maior produtor de grãos do País ao investir cada vez mais na atividade pecuária. “O modelo Integração Lavoura Pecuária está em franca evolução, com a carne dividindo o mesmo espaço com áreas de lavoura extensiva de baixa eficiência”, afirma à PLANT o engenheiro agrônomo Aurélio Pavinato, CEO da SLC Agrícola. Em meados de 2020, a empresa resolveu apostar na engorda de gado dentro de suas plantações de soja e milho. No primeiro ano, 15 mil cabeças fizeram parte da iniciativa. O número subiu no ano seguinte para 28 mil e chegou a 35 mil no início deste ano. No médio prazo, a SLC espera contar com 100 mil reses em seu plantel. Considerado de alta qualidade genética e nutricional, o rebanho é monitorado em todas as fases do seu desenvolvimento pelo sistema Sisbov. Essa cobertura vai da procedência à rastreabilidade de todas as fases até o abate.

“É uma decisão da companhia ampliar a atuação em pecuária seguindo princípios ESG”, diz Pavinato. “Essa é não apenas uma exigência crescente do mercado, mas também um compromisso de governança já estabelecido”, completa ele. Com um total de 675 mil hectares de áreas cultivadas, espalhadas por diferentes estados das regiões Centro-Oeste e Nordeste, a SLC anunciou formalmente este ano o fim do seu ciclo de expansão territorial. “Não precisamos de mais terra, e sim de aumentar a produtividade nos espaços em que atuamos”, afirma Pavinato. Assim, a pecuária em convívio com a agricultura permite intensificar, de forma sustentável, o uso das áreas já exploradas, atendendo à demanda de compradores globais por animais que não sejam provenientes de novas áreas desmatadas. Cerca de 25% das áreas cultivadas pela empresa já são endereço de práticas ILP, com a destinação de cerca de três cabeças de gado por hectare. A intenção é aumentar gradativamente essa relação.

A pecuária moderna exige, de fato, boas técnicas agrícolas para fornecer pastagens de qualidade aos animais. Junto à introdução das sementes de soja e milho em suas lavouras, os técnicos da SLC passaram a criar espécies de braquiárias nas alamedas formadas entre as plantações. Após a colheita da soja, entre fevereiro e março, o gado jovem, perto de chegar ao peso ideal para o abate, é instalado no mesmo terreno. As braquiárias passarão, então, a servir de pasto por dois meses, tempo suficiente para as reses atingirem o peso ideal para o abate. Nas áreas de milho, cuja colheita se dá em junho e julho, o gado permanece entre agosto e setembro, repetindo o mesmo procedimento verificado no primeiro semestre. Enquanto as plantações de soja e milho estão em crescimento, o gado magro, comprado por antecipação, fica aos cuidados dos criadores originais. Após as colheitas, as entregas são feitas para que se complete o processo de desenvolvimento das reses.

“Dessa maneira, estamos conseguindo o que chamamos de terceira safra, tanto para a soja como para o milho, em forma de produção de carne”, define o CEO Pavinato. Com faturamento de R$ 4,3 bilhões em 2021, a SLC faz parte do grupo de companhias mais sustentáveis listadas na Bolsa de Valores de São Paulo. Em 2007, na estreia, cada papel da companhia foi cotado a R$ 7, valendo neste momento aproximadamente R$ 50. A aposta é que a adesão à pecuária acelere ainda mais essa valorização.  “O mercado internacional exige boas práticas de sustentabilidade. Sem elas, perdemos mercado”, resume o executivo à frente da SLC.

MODELO ILPF

O desenvolvimento de grupos como o Bom Futuro e o SLC no cenário da pecuária brasileira é salutar. Novos modelos de organização da cadeia produtiva do gado são necessários para alinhar o Brasil às exigências internacionais. Em fevereiro deste ano, a dimensão da importância da governança por princípios ESG foi mostrada sem retoques no episódio que culminou com o veto a um pedido de financiamento da Marfrig Global Foods, de US$ 200 milhões, junto ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). A instituição considerou que a companhia não conseguiu provar a existência de práticas de sustentabilidade ambiental em todos os elos de sua cadeia de produção. O ILPF torna essa cadeia mais transparente e, portanto, em melhores condições de provar suas ações sustentáveis.

Para disseminar a adoção das técnicas de integração, a Embrapa articulou a formação de sistemas ILPF. São parcerias público-privadas que fomentam pesquisa, transferência de tecnologia e comunicação sobre o tema, ao lado de capacitação para assistência técnica, certificação de propriedade e viabilização de crédito rural. Participam da Associação Rede ILPF empresas como Bradesco, Ceptis, Cocamar, John Deere, Soesp e Syngenta. Para o produtor rural, esse modelo que, já se pode dizer, está testado e aprovado permanece ao alcance da mão. Quem quiser integrar produção agrícola e de proteína animal, a boa dica é a de que este é um ótimo momento. Ao mesmo tempo que práticas de sustentabilidade em lavouras e pastos são cada vez mais exigidas pelos mercados nacional e internacional, nunca o apoio a esse modelo de atividade foi tão grande. Em resumo, a hora de mudar para melhor é agora!