Edição 30 - 11.07.22
Como as redes de revenda de insumos agropecuários estão incorporando a agenda ESG em seus negócios e ganhando o papel de difusores de conhecimento de boas práticas junto aos produtores rurais.
As revendas de insumos agropecuários são instituições fundamentais para o agronegócio brasileiro. Estima-se que sejam mais de 6 mil endereços espalhados pelo País, com faturamento superior a R$ 100 bilhões ao ano. Tão relevante quanto o peso econômico, porém, é o papel que desempenham junto a milhões de propriedades rurais. Ponto de encontro para troca de experiências ou para a busca de assistência técnica, elas formam uma rede de difusão de conhecimento com imensa capilaridade.
Nos últimos anos, esse universo tem vivido um grande processo de transformação. Com investimentos maciços, grupos nacionais e estrangeiros têm promovido seguidas rodadas de aquisições, criando conglomerados com centenas de lojas e maior poder de comercialização, conforme a PLANT contou em sua edição número 4. A era digital também chegou ao setor, com a entrada em ação de lojas virtuais e marketplaces.
A mais recente transformação vem baseada em três letras: ESG, a sigla que resume as melhores práticas ambientais, sociais e de governança. O conceito surgiu em 2005 em uma conferência liderada por Kofi Annan, então secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), que resultou num relatório intitulado “Quem se importa ganha”. Na ocasião, o objetivo era criar uma maneira de envolver o setor financeiro na construção de um futuro positivo.
Mais de uma década depois, Larry Fink, CEO da BlackRock, uma das maiores gestoras de ativos do mundo, soltou um comunicado que não mais investiria em companhias que não tivessem um plano para a descarbonização da economia. A partir daí, o mercado financeiro passou a ser rigoroso na análise de riscos socioambientais e de governança das empresas investidas, o que levou as companhias a se movimentarem no sentido de reorganizar as ações de sustentabilidade segundo a agenda ESG.
No setor agropecuário não foi diferente. Com os holofotes ambientais voltados para o campo, vários grupos do agro têm incluído a agenda ESG em suas diferentes áreas de negócios. Para as distribuidoras de insumos, é um movimento mais do que necessário, cobrado por seus investidores. Mas, mais do que isso, é uma oportunidade única de se posicionar como grandes fomentadores da produção responsável, usando sua capilaridade e relacionamento com os produtores para difundir a relevância da adoção de boas práticas socioambientais. É o que estão fazendo, por exemplo, Belagrícola, AgroGalaxy e Nutrien, três das principais companhias do setor de revenda e distribuição de insumos agrícolas.
Na Belagrícola, as mudanças vêm acontecendo desde 2015, quando a empresa começou um relacionamento com o International Finance Corporation (IFC), braço do Banco Mundial. No AgroGalaxy, é uma demanda que vem do acionista majoritário Aqua Capital, um fundo bem ativista nas questões ESG. “O CEO colocou isso como um dos pontos essenciais na estratégia da empresa. A minha vinda foi em consequência do engajamento da alta liderança e dos acionistas para estruturar melhor a implantação da agenda ESG”, diz Mônica Alcântara, Head de ESG do AgroGalaxy. Já a Nutrien, que chegou no Brasil em 2019, está escrevendo suas políticas neste momento e todas elas têm como pilar as três letrinhas.
Questionadas sobre como conciliar as crescentes metas de vendas com a sustentabilidade, que prega o uso racional de insumos, Belagrícola e AgroGalaxy tiveram respostas parecidas. “A comissão dos consultores de vendas não está focada na comercialização de agrotóxicos, mas num mix de produtos, que engloba calcário, sementes, fertilizantes, produtos foliares, biológicos, defensivos e um percentual muito grande em cima do grão que a gente recebe”, diz Samuel Sousa, coordenador da área de Meio Ambiente e Segurança do Trabalho da Belagrícola.
No AgroGalaxy, a toada foi a mesma. “A gente entende que o nosso modelo tem uma possibilidade grande de alcançar boa produtividade nesta transição [para agricultura de baixo carbono], porque temos um mix de produtos bastante diversificado. Lógico, temos os químicos, mas também temos os bioinsumos”, diz Mônica.
Já o direcionamento da Nutrien é diferente. “Estamos trabalhando com o RH para o nosso time comercial não ter meta de volume vendido, mas a meta de sucesso do cliente. O sucesso pode ser o uso racional de insumos, pode ser o agricultor atingir melhores índices de produtividade e de rentabilidade em conformidade ambiental”, diz Catharina Pires, diretora de Assuntos Corporativos da Nutrien Soluções Agrícolas na América Latina.
A seguir, conheça um pouco mais da história dessas três varejistas e como elas estão organizando as ações da agenda ESG, esse universo em construção, que muitos consideram uma evolução da agenda de desenvolvimento sustentável.
AGROGALAXY
Criado em 2018, o AgroGalaxy já é uma das maiores plataformas de varejo e insumos agrícolas do Brasil. No último ano, aumentou sua musculatura comprando as redes Boa Vista, Ferrari Zagatto e Agrocat e obteve uma receita líquida de R$ 6,6 bilhões, sendo R$ 4,4 bilhões provenientes de insumos.
“Este é o nosso posicionamento: ser o principal parceiro do agricultor brasileiro na transição para a agricultura regenerativa” Mônica Alcântara, Head de ESG do AgroGalaxy
Pode-se dizer que 2021 foi um ano emblemático. A empresa abriu capital, com uma oferta pública inicial de ações (IPO) na B3, que movimentou R$ 350 milhões. Além disso, foi o ano da chegada de Mônica Alcântara, profissional com 20 anos de experiência na área de sustentabilidade, que foi contratada como Head de ESG do AgroGalaxy, que hoje está com 145 lojas em 12 estados, o que compreende 13 milhões de hectares de área plantada e mais de 24 mil clientes.
Antes da vinda de Mônica, o AgroGalaxy já tinha uma política de responsabilidade socioambiental e um Comitê de Sustentabilidade para assessorar o Conselho de Administração. No entanto, com a chegada da executiva, foi feita uma revisão na área e novas metas foram traçadas.
Estabeleceu-se que todas as iniciativas de sustentabilidade do AgroGalaxy serão focadas no stakeholder cliente. “Podemos contribuir para o desenvolvimento sustentável no campo. O impacto ambiental da atuação da nossa clientela, que são os produtores rurais, os detentores da terra, está sob nossa influência. Vamos incentivá-los a cuidar desse solo, preservar e, ao mesmo tempo, tornar a área mais produtiva”, explica Mônica.
Entre os principais pontos, Mônica destaca dois. O primeiro é denominado Produtividade com Inovação e Sustentabilidade no Campo. “Este é o carro-chefe do que chamamos posicionamento ESG do AgroGalaxy e abrange a oferta de produtos, serviços e soluções digitais para modelos agrícolas mais responsáveis”, explica a executiva.
O segundo ponto-chave é a Emergência Climática e a Biodiversidade. “Neste tema desenvolvemos projetos para influenciar a cadeia, incentivar o produtor a zerar o desmatamento, recuperar áreas degradadas e valorizar os serviços ambientais. É uma agenda para combater as questões relativas às mudanças climáticas e estimular a preservação da biodiversidade”, esclarece Mônica. “Este é o nosso posicionamento: ser o principal parceiro do agricultor brasileiro na transição para a agricultura regenerativa”, diz.
Para aprimorar essa parceria, o AgroGalaxy criou um instituto homônimo, que tem por objetivo impulsionar a inovação aberta e a sustentabilidade no agronegócio, sobretudo no âmbito dos médios e pequenos produtores, que nem sempre têm acesso a esse tipo de conhecimento. “O instituto vai ser a via de articulação deste ecossistema de inovação: hubs, aceleradoras e incubadoras de agritechs. Queremos nos conectar com esse universo e levar as soluções para serem testadas em campo”, diz a Head de ESG.
Para isso, o instituto fará chamadas públicas para dois desafios por ano. As inscrições para a primeiro se encerraram em abril e o tema foi: Soluções para Agricultura Regenerativa. “Nós escolhemos as três melhores inovações, a equipe agronômica acompanhará o desenvolvimento da tecnologia em campo e monitorará os impactos. Se a solução apresentar bons resultados e for viável, usaremos a nossa plataforma para dar visibilidade, escalar a ferramenta”, diz Mônica.
Outra estratégia é usar o instituto para promover diálogos. Um exemplo foi o webinar aberto sobre Agricultura Regenerativa, que teve como convidados Marcelo Morandi, da Embrapa Meio Ambiente, e Rodolfo Daldegan, da reNature. “O instituto tem missão de ampliar o acesso à tecnologia e inovação para os produtores através da educação”, esclarece Mônica. Além de webinars, o AgroGalaxy leva talkshows sobre a temática de sustentabilidade para os eventos que promove, como o SuperAgro.
NUTRIEN
A Nutrien é outra novata de peso. Fundada em 2018 no Canadá pela fusão da PotashCorp e Agrium Inc., a empresa atua na produção de fertilizantes e no varejo agrícola. No Brasil, a companhia aterrissou em 2019 e opera no segundo segmento, o de revendas e distribuição, e tem crescido rapidamente por meio de fusões e aquisições.
No ano passado, a Nutrien comprou duas redes de revendas – a Terra Nova, em Minas Gerais, e a Bio Rural, no Mato Grosso do Sul – e teve uma receita líquida de R$ 3 bilhões. Atualmente, contabiliza 40 lojas, 12 Centros de Experiências, 2 fábricas de produção de sementes, 4 misturadores e 1 fábrica de nutricionais espalhados pelos estados de São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Tocantins e Goiás.
Por ser uma empresa jovem, a companhia está escrevendo o seu modelo de negócio, suas políticas nas áreas comercial, social, ambiental, de relação com fornecedores, de crédito, entre outras. “Desde o início, vamos escrever com a lente da agenda ESG e da sustentabilidade”, diz Catharina Pires, diretora de Assuntos Corporativos da Nutrien Soluções Agrícolas na América Latina. “A nossa estratégia de sustentabilidade foi inspirada no que o time global já tinha desenhado, aliado à oportunidade que o Brasil nos dá na agenda ambiental e no modelo diferenciado de varejo agrícola que a Nutrien está implementando no País”, explica.
Com a ambição de estar próxima do produtor e presente em todo o território nacional onde houver agricultura, a Nutrien tem um modelo de negócio alicerçado num amplo portfólio para atender os mais diferentes agricultores. “Quando falo em amplo, estou falando de sementes, defensivos, biológicos, nutricionais e fertilizantes”, diz a diretora. “Não temos a bandeira de uma indústria. O compromisso nosso é com o cliente, não com quem bota produto na nossa prateleira. Isso significa que somos agnósticos na recomendação agronômica para o agricultor”, acrescenta.
“Queremos ativar a sustentabilidade, porque se o agricultor otimiza o uso de insumos agrícolas, se consegue usar Big Data para atingir melhores padrões, se alcança uma melhor rentabilidade, ele está sendo sustentável”
Catharina Pires, diretora de Assuntos Corporativos da Nutrien Soluções Agrícolas na América Latina
A varejista trabalha com diversas marcas, inclusive, com marcas próprias. Além disso, a Nutrien está estruturando uma série de ouros serviços, sobretudo na área financeira. Na operação brasileira, a estrutura ESG está baseada em três pilares. O primeiro tem foco em ajudar o cliente a ser mais sustentável. “A distribuição é o parceiro para todas as horas do pequeno e médio produtor. O grande não precisa, faz contato direto com a indústria, tem acesso às novas tendências”, diz Catharina.
Nesse pilar, o objetivo da Nutrien é ajudar o agricultor que está aberto a melhorar a sustentabilidade na propriedade. Para isso, o trabalho da varejista começa com a equipe comercial. “Lançamos nossa Escola de Sustentabilidade para capacitar todo o nosso time de vendas e incluímos um módulo inteiro de Agricultura de Baixo Carbono para garantir que nosso time estará capacitado a disseminar esse conhecimento e apresentar todo o ferramental que temos na prateleira”, diz a diretora.
Concluída essa etapa, a Nutrien pretende usar a capilaridade para impulsionar o agricultor. “Os produtores que ainda não estão 100%, que têm problemas com o CAR [Cadastro Ambiental Rural] ou estão com dificuldades para recuperar as áreas de RL [Reserva Legal] ou APPs [Áreas de Preservação Permanente], queremos ajudá-los com conhecimento e incentivos. Se ele precisa de dinheiro, podemos conectá-lo com as linhas de crédito mais baratas ou ser o parceiro que financia isso”, explica Catharina.
Os 12 Centros de Experiências são outro instrumento da Nutrien para multiplicar conhecimento. São espaços de interação para propagar informações sobre o uso da agricultura digital, ervas daninhas ou qualquer outro tema demandado pelos agricultores. “Queremos ativar a sustentabilidade, porque se o agricultor otimiza o uso de insumos agrícolas, se consegue usar Big Data para atingir melhores padrões, se alcança uma melhor rentabilidade, ele está sendo sustentável”, diz a diretora. Ela também ressalta a missão da Nutrien de ajudar o agricultor a operar dentro das leis para não ver o lucro escorrer pelo ralo por alguma multa ou processo judicial por inconformidade socioambiental.
A Governança é outro pilar da Nutrien. “No global, temos um compromisso assumido de redução dos Gases de Efeito Estufa. Para isso, estamos com um parceiro para fazer o inventário, para entendermos onde estão nossas emissões e traçar um plano de descarbonização”, diz Catharina. E o terceiro pilar é o Social, que está focado em educação. “Ano passado, lançamos o programa Nutrien Transforma, em que abraçamos, por cinco anos, escolas nas comunidades em que atuamos”, explica a diretora. As ações são definidas em conjunto com prefeituras e diretores de escolas. A equipe da Nutrien senta com eles para entender qual é a necessidade (livros, benfeitorias, equipamentos) de cada uma e também leva o time da empresa para atuar como voluntário nessas escolas.
BELAGRÍCOLA
Fundada em 1985 no município de Bela Vista do Paraíso, no norte do Paraná, a Belagrícola atua na distribuição de insumos e comercialização de grão e, ao longo dos últimos seis anos, vem reconfigurando a política de sustentabilidade para dar mais visibilidade às ações.
De acordo com Samuel Sousa, coordenador da área de Meio Ambiente e Segurança do Trabalho da Belagrícola, esse rearranjo teve início em meados de 2015. “Quando começamos o relacionamento com o IFC, eles fizeram um check-listpara saber o que fazíamos. Já tínhamos as ações, mas não estruturadas como uma política de sustentabilidade”, explica.
“Quando começamos o relacionamento com o IFC [International Finance Corporation, braço do Banco Mundial], eles fizeram um check-list para saber o que fazíamos. Já tínhamos as ações, mas não estruturadas como uma política de sustentabilidade” Samuel Sousa, coordenador da área de Meio Ambiente e Segurança do Trabalho da Belagrícola
Na época, o IFC apresentou uma lista de defensivos comercializados no Brasil e sugeriram que a Belagrícola não trabalhasse com eles. “A gente não comercializava esses produtos, mas excluímos dos itens cadastrados para não ter possibilidade de compra”, diz Sousa.
As tratativas com o IFC foram para a Belagrícola levantar US$ 35 milhões para o plano de expansão no Brasil, financiamento que foi aprovado em julho de 2016, chancelando os elevados padrões socioambientais e de governança corporativa da Belagrícola, já que o IFC não opera com empresas que possam manchar sua credibilidade.
Na época, Luiz Daniel de Campos, executivo responsável por investimentos da IFC no País, declarou: “Temos a satisfação em celebrar o primeiro investimento direto da IFC no setor de distribuição de insumos agrícolas no Brasil”. E mais: “O setor de agronegócios é uma prioridade para a IFC, pois, além de gerar maior segurança alimentar, também ajuda no aumento da renda rural, promovendo o crescimento inclusivo e fortalecendo práticas socioambientais sustentáveis”.
Os cuidados com sustentabilidade da Belagrícola é algo enraizado. “É uma preocupação que começa com a diretoria e vai cascateando para a empresa toda”, diz Sousa. O corpo diretor tem um Comitê ESG, que discute várias ações. “Se há algum ponto de alerta, são realizadas várias reuniões até que aquela temática seja finalizada”, diz Sousa. A Belagrícola também tem um 0800 que centraliza as dúvidas e denúncias sobre a temática de sustentabilidade. Dependendo do conteúdo relatado, uma investigação é instaurada para solucionar o caso. Além disso, a varejista agrícola organiza eventos que contemplam o assunto sustentabilidade. O maior deles é o Bela$afra, que antes da pandemia costumava reunir mais de 8 mil produtores em quatro dias de evento e passou a ser virtual por causa do coronavírus.
Os cuidados com os aspectos socioambientais e de governança envolvem todas as ações da Belagrícola, tanto internas quanto no relacionamento com clientes. Dentro de casa, nenhuma unidade é inaugurada sem estar com todas as licenças ambientais em dia. E há um código de conduta no dia a dia com o produtor rural. “O nosso pessoal de vendas faz a assessoria rural. Eles vão até a fazenda, recomendam fazer o MIP [Manejo Integrado de Pragas]. Se identificam a necessidade de usar algum produto químico, fazem a receita agronômica e orientam o produtor quanto aos cuidados que o colaborador deve tomar para aplicar”, explica Sousa, salientando que a Belagrícola não vende agroquímicos para áreas situadas no entorno de aglomerados urbanos. “Neste caso, recomendamos o controle biológico ou implantação de culturas que funcionem como barreiras naturais para ajudar no controle de pragas”, explica.
Desde 2017, a Belagrícola está sob o comando da Dakang International Food & Agriculture, braço agrícola do grupo chinês Pengxin, que detém 53,99% de participação. No ano passado, a varejista agrícola comprou o setor de comercialização de insumos da Sefert, reforçou a atuação no estado de São Paulo e fechou com um faturamento de R$ 4,3 bilhões. Atualmente, está com 40 unidades de recebimento de grãos e 54 lojas de insumos agrícolas distribuídas no Paraná, em São Paulo e Santa Catarina. No entanto, a empresa está em fase de expansão e duas novas unidades devem ser inauguradas em breve.