O clima dos seguros

Maior frequência de eventos climáticos adversos aumenta riscos no campo, inibindo apetite do merca


Edição 29 - 13.05.22

Maior frequência de eventos climáticos adversos aumenta riscos no campo, inibindo apetite do mercado segurador e reforçando o peso da subvenção como elemento-chave para facilitar acesso do produtor às coberturas.

A intensa estiagem que castigou lavouras da região Sul e de parte do Mato Grosso do Sul, bem como enchentes que atingiram sobretudo Minas Gerais, Tocantins, sul do Maranhão e Bahia neste início de ano, tem potencial para provocar uma importante quebra de produção do ciclo verão da safra de grãos. Além disso, pode prejudicar a semeadura da segunda safra, fazendo com que muitos produtores corram o risco de ter que plantar fora do período climatológico adequado.

“Antes, a safra 2020/21 já surpreendeu muitos agricultores com uma seca prolongada nas principais regiões produtoras de soja, além da ocorrência de baixas temperaturas que provocaram perdas na segunda safra de milho. No inverno passado, observamos casos de geadas três vezes nas mesmas áreas. Alguns produtores chegaram a registrar até quatro episódios de sinistro”, diz o diretor de Agronegócio da FF Seguros, Fabio Damasceno.

Um estudo realizado pela Federação da Agricultura e Pecuária de Minas Gerais (Faemg) com os produtores rurais afetados pelas chuvas do início do ano no estado mostrou que 95% deles não tinham cobertura de seguro rural. Segundo a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural de Minas Gerais (Emater-MG), 127 mil produtores sofreram algum tipo de impacto nas atividades por causa das chuvas e 119 mil hectares de lavouras foram perdidas no estado.

Já um levantamento da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) revela a dimensão dos comunicados de perdas e avisos de sinistros pelos produtores afetados pela seca. No total, 42.541 apólices de seguro rural foram acionadas e 38.906 comunicados de perdas (COPs) realizados no Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (Proagro) na atual safra de verão até o dia 20 de janeiro, totalizando mais de 81 mil acionamentos pelos produtores.

“As adversidades climáticas que temos enfrentado ultimamente não trouxeram prejuízos somente para os produtores rurais, mas também para as seguradoras e resseguradoras do mercado. É comum vermos seguradoras que tiveram 100% de suas apólices contratadas com sinistro”, pontua o diretor de Agro da Alper consultoria em seguros, André Lins Bahia Cardoso.

O desafio da subvenção

No seguro rural, as companhias seguradoras habilitadas no Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR) realizam o pagamento das indenizações aos produtores, que têm acesso ao benefício de subvenção ao prêmio (valor pago para contratar o seguro), que variou em 2021 de 20% a 60% do prêmio.

Por outro lado, no Proagro o produtor, geralmente ligado ao contrato de crédito rural de custeio do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), paga uma taxa adicional para aderir ao programa e a União arca com o pagamento das indenizações via Banco Central e as instituições financeiras que operam no Proagro. Ou seja, o Proagro garante ao produtor rural recursos financeiros para quitar dívidas adquiridas junto ao banco (crédito de custeio agrícola), caso ocorra perda na lavoura.

Em 2021, o PSR liberou R$ 1,181 bilhão em apoio aos produtores. A cifra, segundo o Mapa, possibilitou que 121 mil agricultores com 217 mil apólices em 14 milhões de área segurada conseguissem proteger R$ 68 bilhões em capitais segurados. O PSR mais que triplicou os resultados em relação a 2018. O programa tem 15 companhias seguradoras habilitadas e mais 3 seguradoras devem entrar no mercado em 2022, ou seja, pode chegar a 18 seguradoras, frente às 11 companhias que atuavam em 2018.

Item-chave do seguro rural, a subvenção federal sofre rotineiramente com um volume de recursos muito aquém do necessário, bem como com um recorrente contingenciamento orçamentário. Para 2022, a demanda é de R$ 1,5 bilhão para o PSR. No entanto, o Projeto de Lei Orçamentária (PLOA-2022) está com o montante de R$ 990 milhões, sendo necessários ainda R$ 510 milhões em recursos complementares para que atinja o valor necessário. “Caso seja mantido apenas os R$ 990 milhões, teremos apenas 10 milhões de hectares com seguro, abaixo do que foi em 2020 e 2021. Com R$ 1,5 bilhão será possível abranger uma área segurada em torno de 15 a 16 milhões de hectares, dependendo do comportamento de contratações, preços, perfil de culturas e regiões”, adianta o diretor do Departamento de Gestão de Riscos do Ministério da Agricultura, Pedro Loyola.

O Mapa deve encaminhar ao Ministério da Economia solicitação de crédito suplementar de R$ 510 milhões, que, se aceito, ainda dependerá de aprovação do Congresso Nacional. A partir deste ano, o percentual de subvenção ao prêmio [valor que o produtor paga pela apólice] será fixo em 40% para todas as culturas/atividades, exceto para a soja, cujo percentual será fixo em 20%. Para efeito de comparação, países com programas de subsídio ao prêmio mais antigos, como Estados Unidos e Espanha, subvencionam até 80% da contratação do seguro.

“As entidades representativas do agronegócio e o Congresso Nacional precisam manter o PSR de uma vez por todas como um programa de Estado, com previsibilidade e crescimentos constantes. Uma renegociação de dívidas tem um custo muito maior do que uma política de gestão de riscos como o seguro rural”, analisa Loyola, que acrescenta: “O fato é que a oferta tem limitadores dados pela própria indústria do seguro rural. Em 2018, havia 11 companhias seguradoras habilitadas no PSR, agora, em 2022, vamos chegar a 18”.

De acordo com o presidente institucional da Associação Brasileira dos Produtores de Milho (Abramilho), Cesario Ramalho, o seguro rural é tradicionalmente caro em todo o mundo e a subvenção, presente nos principais países produtores, é um mecanismo de gestão de riscos do qual o Brasil não pode prescindir.

Ademais, segundo o diretor do Mapa, há também o desafio de continuar explicando junto ao produtor como funciona o mecanismo do seguro rural. “O agricultor precisa entender os procedimentos e os riscos cobertos, excluídos, assim como os prazos exigidos desde a contratação, passando por avisos de sinistros e a vistoria final antes da colheita.”

Reajuste das apólices

Edson Pierezan, gerente comercial da corretora THB Group, alerta que, diante dos mais recentes problemas climáticos, a expectativa é de que os preços dos prêmios aumentem de 10% a 25% já para o seguro do plantio de inverno deste ciclo 2021/22. “As seguradoras já estão limitando o volume de contratação de seguros, reajustando taxas, sobretudo nos estados, que tiveram grande volume de áreas com sinistros indenizados, como, por exemplo, os do Sul, e buscando direcionar esforços para outras regiões, entre as quais, o Centro-Oeste”, ressalta Pierezan.

Na avaliação de Loyola, do Mapa, o custo do seguro certamente será maior que o do ano passado, haja vista que as seguradoras pagaram muitas indenizações e o mercado irá precificar o risco. “Os preços e custos das lavouras subiram demasiadamente, o que gera um valor segurado muito maior em relação aos anos anteriores. Além disso, com as indenizações nos últimos três anos chegando a R$ 9,5 bilhões (janeiro de 2019 até novembro de 2021 com valores atualizados pelo IPCA), temos um ano de 2022 em que os seguros sofrerão ajustes de valor do prêmio.”

O representante do ministério detalha que esse quadro leva à necessidade de maior subvenção por apólice contratada. “Ou seja, não se consegue fazer a mesma área em 2022 com o atual orçamento. E os créditos suplementares dependerão de aprovação no Ministério da Economia e no Congresso Nacional.”

Caminhos

Observa-se, então, que o mercado do seguro rural é complexo e fazer girar a roda para que ele se expanda naturalmente não é tarefa das mais fáceis. O risco é elevado tanto para quem vende [seguradoras e resseguradoras], quanto para quem, obviamente, precisa comprar [produtores]. No meio, o governo busca oferecer algum apoio, a fim de induzir o crescimento do mercado, mas o cobertor financeiro (leia-se o orçamento) é curto.

Existem, porém, outros caminhos possíveis. “As cooperativas agrícolas são um bom exemplo do quanto o compartilhamento de informação sobre seguros, com uma linguagem simples, feito em grande parte pelos seus próprios engenheiros agrônomos, ajuda no entendimento dos benefícios deste instrumento de gestão de risco, resultando no aumento das vendas”, comenta a diretora comercial da corretora It’s Seg, Karina Andrade. “A maioria das operações de distribuições de seguros dentro de cooperativas é um sucesso.”

Investir em tecnologia e inovação, com o objetivo de desenvolver uma gestão de risco que entregue maior previsibilidade para ofertar taxas mais baixas sem comprometer a saúde financeira do negócio também é uma via. De acordo com Ramalho, da Abramilho, a expansão de produtos e serviços privados dedicados a fomentar novas fontes de crédito para o agronegócio também pode servir de exemplo para o seguro rural. “Nesta jornada, as ferramentas digitais têm sido relevantes para ampliar as oportunidades de financiamento agrícola. A tecnologia da informação vem permitindo a entrega de dados, que ajudam a personalizar as propostas de crédito, de acordo com o histórico e perfil do produtor. No caso do seguro rural, esta possibilidade pode ter impacto positivo para baratear o valor do prêmio das apólices e contribuir para a expansão do mercado.”