Edição 28 - 04.03.22
Os desafios do agronegócio para o ano que vem não são exatamente novos, mas suas dimensões e os cenários são variáveis que podem alterar todo o plano de voo.
Teve seca como há muito tempo não se via, preço de combustível nas alturas, falta de insumos, elevação de custos, embargo à carne bovina, olhares desconfiados vindos de várias direções e outros tantos obstáculos. O ano de 2021 foi bastante desafiador na opinião de diversos representantes do agronegócio, de produtores a executivos de empresas e dirigentes de entidades. Além das adversidades peculiares ao setor, ainda paira sobre o mundo a sombra da pandemia da Covid-19, que continua a surpreender com suas novas variantes. Por outro lado, existem motivos para retomar a hashtag lançada pela PLANT PROJECT em maio de 2020: #oagronuncapara. Em meio a tudo isso, há perspectiva de novo recorde na safra de grãos para a temporada 2021/22, com quase 290 milhões de toneladas, 14,7% a mais do que foi colhido na safra anterior, segundo levantamento da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento). As exportações do agro também cresceram. Entre os meses de janeiro e novembro deste ano, somaram US$ 110,7 bilhões, aumento de 18,4% sobre o mesmo período de 2020, conforme dados divulgados pela CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil).
Conversamos com o professor Marcos Fava Neves, da Escola de Administração da USP e da FGV, para trazer uma melhor análise sobre fatores que serão muito relevantes para o agronegócio em 2022. Acompanhe os comentários do especialista.
Mercado internacional
“O mercado internacional tem sido muito bom para o agro, e deve permanecer assim em 2022, até porque continuaremos com a moeda excessivamente desvalorizada. As exportações deste ano devem ficar entre US$ 118 bilhões e US$ 120 bilhões, algo por aí, e repetir esses números no ano que vem. Lógico que com riscos de a China demorar muito a abrir para as importações de carne bovina do Brasil e outros eventuais problemas que a gente possa ter. Mas o mercado internacional deve continuar bom porque a expectativa é de crescimento do PIB mundial ao redor de 4,8 ou 5%, e isso é bom para as exportações do Brasil.”
Insumos
“A crise dos insumos é realmente um problema bastante sério. O custo elevou demais por conta de problemas nos países produtores, de custos de transporte e, também, o elevado crescimento de área [plantada] que o Brasil teve em dois anos. A área de grãos vai aumentar quase 6 milhões de hectares. Isso tudo gera um desequilíbrio bastante grande. Essa é uma das principais preocupações para o bom andamento da safra para 2021/22, que tende a ser recorde, mas com preços recordes de fertilizantes e defensivos, o que nos traz uma preocupação muito grande com o aumento dos custos de produção. Acho que, com a retração da demanda, um melhor uso [dos insumos], produtos substitutos como os biológicos e outros, os preços devem começar a cair, principalmente na segunda metade de 2022. Mas até lá vai ser um cenário de aperto, de preços elevados, o que também tem que trazer uma reflexão estratégica para o agronegócio brasileiro, que é a excessiva dependência de insumos importados para aquele que é o negócio mais importante do Brasil.”
Crise hídrica
“Outra preocupação, sem dúvida, é a crise hídrica. Ela apareceu na safra 2020/21 e perdemos 25 milhões de toneladas de milho, 80 milhões de toneladas de cana, ‘meia Flórida’ na laranja [cerca de 30 milhões de caixas], perdemos no café também entre 15 e 20% da produção, e isso não pode voltar a acontecer. Lamentavelmente, neste momento há seca no Rio Grande do Sul, que é um importantíssimo produtor de soja e de outros itens nessa primeira safra. Então temos que ver qual será o efeito do possível La Niña na produção e observar também, e principalmente, a segunda safra de milho para que não repita a seca que tivemos este ano. Senão vai ser realmente um cenário muito preocupante.”
Transportes
“O agronegócio é extremamente dependente do modal rodoviário, porém avanços muito grandes estão acontecendo na questão das ferrovias. Este governo [federal]deu prioridade, o atual ministro dos transportes [Tarcísio Gomes de Freitas, ministro da Infraestrutura] tem tido uma performance muito boa, com muitos projetos em andamento e muitos outros sendo estruturados. Então esse problema estrutural de competitividade do Brasil deve diminuir com esse investimento, concessão de portos, aeroportos e outros, que já deveriam ter sido feitos há muito tempo. Mas está andando rapidamente essa questão, não na velocidade que sonharíamos, mas dentro do possível.”
Eleição presidencial
“Acho que o quadro já ficou mais definido porque o ex-juiz Sergio Moro vai assumir a posição, o vácuo, que estava da terceira via. Na minha leitura, a disputa fica entre os três: o ex-presidente Lula, o Sergio Moro e o atual presidente Bolsonaro. E, para vencer, os três terão de vir para o centro. Então estou um pouco tranquilo em relação ao quadro eleitoral, porque o radicalismo vai ter que dar margem a mais um consenso, a mais um equilíbrio. Não vejo disparada de dólar, fuga de recursos do Brasil, por conta de a economia tender a uma trilha muito semelhante com essas três candidaturas.”