Safra cheia de IPOs

Por Ronaldo Luiz O valor, por si só, impressiona: mais de R$ 10,5 bilhões. É dinheiro novo, injet


Edição 27 - 16.11.21

CPFL Soluções
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Por Ronaldo Luiz

O valor, por si só, impressiona: mais de R$ 10,5 bilhões. É dinheiro novo, injetado por investidores, no caixa de apenas sete empresas, resultado de uma colheita financeira sem precedentes para o agronegócio. Agrogalaxy, Boa Safra, BrasilAgro, Jalles Machado, Raízen, 3Tentos e Vittia foram as responsáveis por fazer de 2021, que ainda nem terminou, a maior temporada das companhias do agro na B3, a bolsa de valores de São Paulo. Ao lançar ações para negociação pública, elas demonstraram que os negócios rurais, antes pouco atraentes para uma massa de investidores, tornaram-se visíveis e cobiçados no mercado de capitais.

Os bilhões arrecadados com ofertas iniciais públicas de ações (IPOs, na sigla em inglês comumente usada por quem é da área) devem irrigar o campo com futuros lances das empresas em aquisições, contratações, desenvolvimento e pesquisa de produtos, compras de equipamentos, gerando um efeito positivo em vários elos da cadeia produtiva do agro. A safra 2021 de IPOs rurais tem um outro aspecto relevante. A Raízen, gigante do setor bioenergético, levantou mais de R$ 6,9 bilhões com a operação, a maior do gênero no ano, entre todos os setores. Mas tão importante quanto é o fato de passarem a ser listadas na B3 empresas de porte médio do segmento, sobretudo da área de insumos agrícolas – entre fabricantes e revendas digitais –, passando a se juntar a grandes grupos do ramo sucroenergético e da área de proteína animal, os maiores representantes do agro na bolsa até o momento.

A maioria das operações se concentrou na primeira metade do ano em uma conjuntura que ainda era marcada pela queda de juros, o que acabava sendo um impulso para a abertura de capital. De lá para cá, o quadro mudou, com a turbulência política e o risco fiscal deteriorando o ambiente econômico, o que dificulta movimentos em direção à bolsa. Contudo, segundo especialistas, é a força econômica do agronegócio, puxada pela demanda estrutural crescente por alimentos, energia limpa e fibras, e a consequente necessidade de novos e mais recursos para viabilizar o aumento de produção, o principal e real motivo para a boa safra de IPOs de empresas do setor.

O câmbio favorável, ou seja, o dólar apreciado frente ao real, também ajuda, já que o agronegócio é um segmento de natureza dolarizada, e, com exportações aquecidas, companhias do setor vêm registrando excelente desempenho neste ano. Os números estão aí para comprovar, com os mais importantes indicadores relacionados ao agro, mostrando a robustez da atividade.

O Valor Bruto da Produção Agropecuária (VBP) de 2021, conforme o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), deve uma vez mais superar a cifra de um trilhão de reais, mais especificamente R$ 1,106 trilhão, avanço de 9,7% em relação ao valor de R$ 1,008 trilhão registrado no ano passado. Ademais, as exportações do setor alcançaram US$ 83,6 bilhões no intervalo de janeiro a agosto, incremento de 20,7% em relação a igual período de 2020.

No primeiro semestre de 2021, o PIB do agronegócio nacional acumulou alta de 9,81%, segundo cálculos realizados pelo Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada), da Esalq/USP, em parceria com a CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil). Considerando-se a performance do agro e da economia brasileira até o momento, a participação do segmento no PIB total deve se manter em torno de 30% no ano.

Entretanto, esse peso econômico não se reflete, ainda, na B3. Até o final do ano passado, por exemplo, o valor de mercado das empresas do agronegócio – incluindo as gigantes de proteína animal 00 representavam apenas 4% do total do valor das companhias listadas na bolsa. As sete novas integrantes do mercado adicionaram cerca de R$ 80 bilhões a essa conta, que ainda está longe de representar adequadamente o setor. “O setor estava sub-representado. Havia uma defasagem, que não condizia com o dinamismo da atividade”, concorda Leonardo Resende, gerente de relacionamento com empresas da B3.

 

Lista de espera

Para muitos especialistas, essa defasagem tem um nome: oportunidade para novos lançamentos. Não por acaso, há vários nomes de empresas do setor na lista de espera pelo momento certo de fazer o IPO. Estão na antessala de lançamento Oleoplan, Centro de Tecnologia Canavieira (CTC) e Companhia Mineira de Açúcar e Álcool. “O potencial de entrada de novas companhias do agronegócio na bolsa é alto. O segmento está muito aquecido, sobretudo pelas exportações, o que alavanca os ‘agro-IPOs’”, avalia Joelson Sampaio, professor de economia da Fundação Getulio Vargas (FGV).

Para Regis Chinchila, analista da Terra Investimentos, o “Programa Bovespa Mais”, idealizado pela B3 com o intuito de contribuir para o desenvolvimento do mercado brasileiro de ações, ao possibilitar o acesso gradual de pequenas e médias empresas à bolsa, vem sendo um impulso para as recentes ofertas. Segundo Chinchila, as empresas do agronegócio vêm apostando em IPOs para captação de recursos e expansão de seus negócios, além do reforço no capital de giro. “A alta das commodities agrícolas, obviamente, traz impactos positivos para o setor, e consequentemente contribui para a valorização dos papéis das empresas do agro”, diz.

Nos grandes bancos de investimento, comprar e vender agro é, cada dia mais, uma atividade lucrativa. Um dos mais ligados nessa tendência é a XP, que participou de seis ofertas iniciais de ações de companhias do agro – em três delas liderou a operação. Sócio responsável pelo setor de agronegócio no investment banking da empresa, Pedro Freitas pontua que a exposição dos investidores às oportunidades que as ações das empresas do agro oferecem ainda é baixa, o que, por outro lado, mostra que há muito o que crescer nesta questão de atratividade.

“Falta um esforço de catequização, que eduque o investidor acerca das especificidades do setor. Esta realidade faz com que algumas ações de empresas do segmento ainda sejam adquiridas por quantias mais baratas”, ponderam Maurício Nozawa e Osias Brito, diretores da BR Finance.

Investidores internacionais estão atentos a esse detalhe. Denis Morante, sócio-diretor da Fortezza Partners, chama a atenção para o interesse cada vez maior deles por ações de companhias do agronegócio. Em geral, diz o executivo, para que um IPO vingue, a operação de abertura de capital depende de capital do exterior. E eles apareceram no caso dos agro-IPOs. Dados da B3 apontam que o percentual de investidores estrangeiros na bolsa hoje gira em torno de 30 a 35%.

 

Jornada rumo à Bolsa

Abrir o capital não é tarefa corriqueira, principalmente para empresas que cresceram em um setor pouco acostumado a se mostrar ao mercado. “Primeiro, só abrir o capital já é um desafio muito grande. Se para uma empresa de um setor mais conhecido já não é algo tão trivial, imagine então para uma companhia do agro. O mercado não é muito educado em relação às particularidades do segmento”, afirma Alexandre Del Nero Frizzo, diretor financeiro e de relação com investidores do Grupo Vittia, especializado em fertilizantes, defensivos biológicos e inoculantes, cuja estreia nos pregões aconteceu no início de setembro.

A operação arrecadou R$ 382 milhões e só foi efetivada depois de uma longa jornada, que incluiu dois adiamentos em função da conjuntura econômica desfavorável. Frizzo relata que, nesse período de amadurecimento até a tomada de decisão para a oferta de ações, uma das maiores tarefas, de fato, é a de decodificar a dinâmica do agronegócio para os investidores privados. Na lição de casa que precisa ser feita para que a empresa se sinta confortável e elegível para fazer o IPO, o fator-chave é ter um plano sólido de negócios, que apresente de modo claro as perspectivas de crescimento da companhia. “A partir deste ponto, a empresa passa também a trabalhar o amadurecimento em relação às demais exigências do mercado relacionadas, por exemplo, a melhores práticas de sustentabilidade, gestão de recursos humanos, estrutura de capital etc.”

Nesse sentido, as sete empresas listadas em 2021 representam, em suas áreas, a face mais moderna da gestão do agro, tendo incorporado no seu cotidiano conceitos de governança e transparência valorizados pelos investidores. Para Mauricio Puliti, diretor financeiro do AgroGalaxy – marketplace destinado à venda de insumos agrícolas e comercialização de grãos que abriu o capital em julho passado, levantando R$ 350 milhões –, o maior fator de risco de ser uma empresa listada na bolsa é o acesso às informações pela concorrência. Ele lembra, porém, que o caminho de crescimento exigido hoje para sucesso no agronegócio passa pela alavancagem de recursos via mercado privado.

José Humberto Teodoro, presidente da Terra Santa Propriedades Agrícolas – empresa resultante da incorporação da Terra Santa Agro pela SLC Agrícola, ambas de capital aberto, em julho, para atuar no ramo imobiliário rural –, adiciona outro aspecto fundamental no processo de profissionalização, com foco no mercado acionário, das companhias do agronegócio: além de desenvolver de forma integrada medidas de compliance social e de governança, precisa ter uma clara política de responsabilidade com o meio ambiente, questão intrínseca vinculada à sobrevivência dos negócios rurais.

 

Dinheiro mais barato

O caminho rumo ao mercado de capitais tem obstáculos e exige a mudança de cultura em grande parte das empresas. Os benefícios, para quem os supera e consegue mostrar aos investidores a qualidade de sua gestão, são inegáveis, sobretudo em um país em que o crédito tradicional é escasso e caro. Pare Antônio da Luz, vice-presidente da Comissão Nacional de Política Agrícola da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e economista-chefe da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), o movimento de abertura de capital de empresas do agronegócio está atrelado ao avanço de uma nova agenda do crédito rural como um todo.

Há um direcionamento claro do governo de que as políticas públicas de financiamento serão cada vez mais voltadas para os pequenos produtores, e que demais agentes do setor terão que ir ao mercado privado para levantar recursos. “Além disso, o sistema bancário oficial de crédito não consegue mais acompanhar a demanda do segmento agropecuário por capital. Então, se faz necessário a busca por outras fontes”, frisa o especialista. “O agro precisa andar de mãos dadas com o mercado de capitais, porque o setor é uma excelente oportunidade para o mercado e vice-versa.”