Edição 26 - 09.08.21
A Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio) ingressa em seu segundo ano com o mercado de negociações de créditos de descarbonização (CBios) muito mais maduro. Em 2020, o Santander foi pioneiro entre as instituições financeiras em fazer a escrituração de um CBio, pavimentando o caminho para o desenvolvimento do primeiro mercado regulado do país com foco na descarbonização.
Além disso, o banco vem apoiando, com linhas de crédito especiais, os principais grupos dos setores sucroenergético, de biodiesel e biogás a estruturarem suas respectivas operações para se tornarem elegíveis para emissão de CBios.
Na entrevista a seguir, os executivos do Santander Daniel Nogueira, responsável pelas áreas de commodity e CBios, e Caroline Perestrelo, de Agro Corporate, fazem um balanço do RenovaBio, apontam os próximos passos e destacam as novidades do banco para fomentar a expansão do programa.
Podem nos fazer um breve registro da jornada do Santander no RenovaBio, desde a primeira escrituração de um CBio feita pelo banco, no início do ano passado, balanço 2020 e planos 2021?
Daniel Nogueira e Caroline Perestrelo: O Santander sempre esteve muito próximo do RenovaBio, acreditando no programa desde nosso primeiro contato, apoiando a formação do mercado de CBios. Fomos, por exemplo, o único banco que participou dos testes para comercialização dos títulos na B3. Em abril do ano passado, éramos a única instituição financeira pronta para fazer a escrituração dos CBios e fomentamos a negociação entre os agentes da cadeia produtiva envolvidos – usinas e distribuidoras.
O primeiro ano do RenovaBio foi marcado por certa turbulência, sobretudo por questões tributárias e tentativas de judicialização, mas no cômputo geral o programa se consolidou. As distribuidoras cumpriram suas respectivas metas praticamente em sua totalidade.
Neste ano, observamos cada vez mais grupos se certificando para começar a emissão de CBios e as distribuidoras fazendo negócios desde o início do ano. Além disso, outras instituições passaram a oferecer a escrituração do ativo, com claro incremento de engajamento no programa.
Qual a avaliação deste praticamente um ano e meio do RenovaBio como política pública e mercado regulado de descarbonização atrelado ao incentivo à produção de biocombustíveis?
Daniel Nogueira e Caroline Perestrelo: Nossa avaliação é super positiva. Este é o primeiro ativo de carbono regulamentado do Brasil exatamente no momento em que a descarbonização é uma das prioridades da agenda global. Sabemos que o esforço coletivo para o cumprimento do Acordo de Paris é necessário e este é um passo importante do país.
O preço dos CBios variou bastante em 2020. Como está o cenário de cotação atual, houve acomodação, qual a tendência para o 2º semestre?
Daniel Nogueira e Caroline Perestrelo: Em 2020, de fato, o preço do CBio variou bastante, devido à comercialização ter se concentrado em um curto espaço de tempo. Foram praticamente cinco meses em que a parte obrigada [distribuidoras] comprou CBios com cotações acima de R$ 60 a unidade. Quando os compradores perceberam que atingiriam a meta, reduziram as negociações e o preço no fim do ano começou a recuar.
Em 2021, vemos, em média, o CBio sendo negociado em torno de R$ 30, e com pouca volatilidade. Este é um ano de maior oferta do que demanda. Temos cerca de 3,5 milhões de títulos que sobraram de 2020, mais uma emissão estimada de 30 milhões, considerando que a meta das partes obrigadas é de 24,8 milhões. Ou seja, temos o potencial de sobra aproximado de dez milhões de CBios em 2021. Dessa forma, o preço não deve subir, embora exista também resistência de diversos emissores em vender abaixo de R$ 30.
As questões tributárias incidentes sobre os CBios foram pacificadas?
Daniel Nogueira e Caroline Perestrelo: Sim, foram pacificadas. O programa contava com a alíquota de 15% de Imposto de Renda, e houve um veto presidencial com o argumento de “renúncia de receita” ante os 34% usualmente utilizados.
Diante dessa conjuntura, o setor se mobilizou, destacando que não existia renúncia de receita, já que não preexistia qualquer estimativa de rendimento tributário passível de arrecadação no CBio, dado que se trata de um título novo. O veto presidencial foi derrubado e a alíquota de 15% de IR está consolidada.
Como estimular o mercado secundário atraindo partes não obrigadas a adquirirem CBios?
Daniel Nogueira e Caroline Perestrelo: Trazer players do mercado financeiro seria essencial para dar maior liquidez a este mercado, e acreditamos que há, sim, potencial para isso acontecer. Existem boas conversas para criação de uma curva futura de CBio. Isso abriria oportunidade para o equilíbrio de oferta versus demanda futura, criando um ambiente favorável para que instituições financeiras comprem e vendam o título.
Fazer com que o CBio também se torne um ativo de valor mobiliário também seria essencial para que fundos de investimento ingressassem neste mercado, incorporando os títulos para suas carteiras. Ademais, também seria interessante divulgar o CBio para pessoas físicas, disponibilizando-o em plataformas de negociação como opção de investimento.
Quais linhas de crédito, programas, o Santander tem para apoiar usinas a adequarem/melhorarem suas operações para serem elegíveis a emitirem CBios?
Daniel Nogueira e Caroline Perestrelo: O Santander é uma das principais instituições que financiam as usinas, e as modalidades de financiamento não são exclusivas para a certificação no programa, mas, sim, diversas linhas para melhorias operacionais. Estamos atuando em iniciativas para utilização do CBio como facilitador de crédito e outras demandas estruturadas.
Para concluir, pode nos falar sobre a iniciativa da plataforma de CBios em parceria com a DATAGRO?
Daniel Nogueira e Caroline Perestrelo: O Santander, como maior escriturador de CBio do mercado, ouviu bastante dos clientes que o principal incômodo era não ter uma maneira de enxergar as negociações feitas no dia a dia. Nossa iniciativa, então, foi a de desenvolver uma página aberta, de fácil acesso, que possa permitir o acompanhamento do vaivém de compra e venda, histórico de preços e volume de CBios. Temos o compromisso de trazer transparência e evolução a esse mercado.
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O RenovaBio
Implantado em dezembro do ano passado, o RenovaBio tem como objetivo reduzir as emissões de carbono do Brasil por meio do aumento da capacidade de produção de biocombustíveis (etanol e biodiesel) e pela compensação da emissão de dióxido de carbono (CO2) gerada pelos combustíveis fósseis a partir da comercialização dos CBios (1 CBio equivale a uma tonelada de CO2 que deixa de ser emitida na atmosfera).
Para receber a certificação do RenovaBio, produtores de biocombustíveis precisam fazer um levantamento de quanto CO2 emitem em todo o processo produtivo. Feito isso, uma firma inspetora credenciada junto à Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) confere esse levantamento. Após a conclusão da certificação pela agência reguladora, a empresa produtora precisa firmar contrato com o Serpro para enviar suas notas fiscais de venda de biocombustíveis e obter o direito de emissão de CBio para o volume comercializado.
Os CBios são negociados em ambiente de balcão na B3 e têm seu preço definido pelo livre mercado. Pessoas físicas e jurídicas poderão comprar e vender CBios, mas deverão procurar instituições financeiras que atuem nesse mercado para efetuar suas compras. Cada CBio tem vencimento no mesmo ciclo em que foi emitido. Para validar a compra de CBios e concretizar a descarbonização da matriz energética, o comprador precisa dar baixa, junto à ANP, no crédito adquirido, o que, na prática, se configura na “aposentadoria” do título, impedindo qualquer negociação futura. Atualmente, de acordo com a ANP, 277 unidades participam do RenovaBio, entre produtoras de etanol, biodiesel e biogás.
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