PLANT TALKS COM FERNANDO SAMPAIO

Por Daiany Andrade Fernando Sampaio, diretor executivo do Instituto PCI (Preservar, Conservar e Incl


Edição 25 - 28.07.21

FERNANDO SAMPAIO 45 ANOS, CASADO, DOIS FILHOS DIRETOR EXECUTIVO DO INSTITUTO PCI ENGENHEIRO AGRÔNOMO FORMADO PELA ESALQ-USP, PRODUÇÃO
FERNANDO SAMPAIO 45 ANOS, CASADO, DOIS FILHOS DIRETOR EXECUTIVO DO INSTITUTO PCI ENGENHEIRO AGRÔNOMO FORMADO PELA ESALQ-USP

Por Daiany Andrade

Fernando Sampaio, diretor executivo do Instituto PCI (Preservar, Conservar e Incluir) – iniciativa do governo de Mato Grosso com foco em projetos voltados para a produção responsável no estado –, tem uma visão crítica e corajosa, seja ao analisar a projeção para o faturamento bruto da produção agropecuária, seja ao falar sobre o atual momento do agronegócio brasileiro e da forte pressão ambiental, que vem não apenas por parte da sociedade civil, mas principalmente dos mercados e investidores. Nesta entrevista à PLANT, ele defende a construção de um modelo mais inclusivo na busca pela sustentabilidade no campo, nas relações comerciais e no desenvolvimento econômico. Para isso, defende, é fundamental a atuação conjunta do poder público, do setor privado e da sociedade civil. Confira.

Como você avalia essa previsão recorde para o Valor Bruto da Produção (VBP) em 2021? Ele reflete o momento atual do agronegócio?

Acredito que, mais do que tudo, esse número demonstra o quanto o desempenho da economia brasileira depende do agronegócio. Em um cenário de crise no setor de serviços por conta da pandemia e da desindustrialização, essa dependência fica mais evidente. Mas o número, por si só, não quer dizer que tudo vai bem no campo.

Quais pontos devem ser observados, na sua opinião, antes de comemorarmos esse resultado?

Primeiro é que essa produção é cada vez mais concentrada, você tem poucos produtores ou grupos produzindo a maior parte desse valor. Em segundo lugar, é preciso olhar o efeito do câmbio. O câmbio atual favorece as exportações, mas aumenta os custos. O que significa que vender mais não necessariamente quer dizer lucrar mais.

A CNI (Confederação Nacional da Indústria) elabora há algum tempo um mapa estratégico da indústria, um estudo que identifica fatores-chave para maior competitividade do Brasil, fatores que valem para o agronegócio também. Esses fatores vão de infraestrutura, educação, relações de trabalho até o ambiente macroeconômico e jurídico. E no Brasil tudo isso é muito ruim comparado a nossos concorrentes. O motivo de estarmos ampliando vendas é porque somos muito competitivos dentro das fazendas, mas também por causa do câmbio. Se queremos que isso se mantenha ao longo do tempo, precisamos depender menos do câmbio e melhorar todo o resto.

Por último, para que isso se mantenha, precisamos também ampliar mercados. E, para o agro, essa ampliação depende basicamente de status sanitário, acordos comerciais e agora outros atributos como a conservação ambiental. Embora tenhamos evoluído na questão sanitária, temos poucos acordos, e a questão ambiental será uma pressão cada vez maior sobre nossos produtos.

Existe relação do crescimento do VBP com a adoção de práticas mais sustentáveis no campo? Se sim, qual?

Sim. Primeiro porque normalmente os produtores que produzem com mais eficiência tendem também a ser os que mais conseguem investir tanto na adequação à legislação como nas boas práticas.

Segundo porque, como expliquei, a pressão ambiental não vem mais da sociedade civil ou de órgãos ambientais, ela vem dos compradores, dos bancos e investidores. Ou seja, para produzir e vender bem, ser sustentável deixou de ser uma opção para ser uma necessidade. E, possivelmente, quem está na frente na implementação do Código Florestal e da aplicação de práticas de agricultura de baixo carbono conseguirá em breve também incorporar o carbono no seu modelo de negócios. Vamos exportar soja, carne, algodão, mas também carbono.

Recentemente, em um artigo [“O Alphaville e a Favela, ou nosso apartheid rural”, publicado no site da Adealq, associação dos ex-alunos da Esalq], você falou sobre a concentração de renda no campo e também dos efeitos que a pressão ambiental pode provocar no setor. Por essa perspectiva, quando observamos o VBP, estamos falando apenas de uma elite rural?

Sim, anos atrás, no artigo “Pobreza Rural, Pobreza de Ideias”, os pesquisadores da Embrapa Eliseu Alves e Zander Navarro já apontavam que dos 4,4 milhões de estabelecimentos rurais validados no último levantamento censitário, apenas 500 mil responderam por quase 90% do valor bruto da produção. Dentre estes, apenas 24 mil produziram a metade do valor. E isso eles falavam do Censo de 2006! Tudo indica que essa concentração só tenha piorado.

“O número [VBP de R$ 1 trilhão] não quer dizer que tudo vai bem no campo”

Quando as exigências de ESG são aplicadas no campo, seja por compradores ou por financiadores, está claro que é uma minoria que conseguirá atender aos critérios que o mercado demanda. O resto será excluído. Para uma agroindústria ou um banco é muito mais fácil se cercar de grandes fornecedores que têm condições de atender ao que se pede.

Quais fatores estão levando ao aumento da desigualdade no campo?

É preciso entender que o valor de mercado de qualquer commodity tende ao custo de produção. Se seu custo de produção é melhor que o da média, você ganha dinheiro. Se é pior, você perde e uma hora ou outra será engolido. Na soja, o produtor ineficiente quebrou há muito tempo. Na pecuária, o ineficiente tem uma certa resiliência, ou pela escala, ou porque tem outra atividade econômica subsidiando a fazenda. No resto, e na agricultura familiar, na maior parte dos casos é apenas subsistência.

Os principais gargalos estão na dificuldade de acesso a crédito, também por falta de regularização fundiária ou ambiental, acesso à tecnologia e gestão. As políticas públicas que podem melhorar isso são escassas. Na maior parte das vezes espera-se que essas pessoas abandonem o campo para se encaixarem nos centros urbanos em outras atividades econômicas. Na atual situação do País isso só vai gerar mais problemas sociais.

No artigo você compara a realidade do campo com o que vivemos nas cidades. Como observar o que aconteceu no desenvolvimento das grandes metrópoles e evitar os mesmos erros agora no campo?

As cidades cresceram desordenadamente movidas por especulação, sem respeito à geografia, às necessidades das pessoas e muitas vezes sem investimentos básicos como saneamento. A solução de quem podia pagar foi a de se fechar em condomínios e shoppings enquanto lá fora a sujeira e a violência acontecem.

No campo convivemos com duas realidades. Uma de um agro moderno, exportador, conservacionista, tecnológico. Outra de grilagem, conflitos, degradação e pobreza. O problema é que muitas vezes essas duas realidades convivem misturadas, e o lado bom leva a fama do mau. Grande parte do agronegócio encara isso como um problema que não é dele. Eu, pelo contrário, digo que deveríamos liderar o debate sobre o enfrentamento desses problemas.

“Quem está na frente na implementação do Código Florestal e da aplicação de práticas de agricultura de baixo carbono conseguirá em breve também incorporar o carbono no seu modelo de negócios”

Como o poder público deve agir para diminuir essa desigualdade?

O setor público tem muito claro o que precisa fazer. É obrigação dele controlar a ilegalidade, implementar a legislação do Código Florestal, fazer a regularização fundiária, destinar terras não destinadas. Criar um ambiente de negócios para que as pessoas possam ter segurança, investir e avançar. Mas não se trata somente de aplicar a legislação. Trata-se também de planejar o território. Se você olhar a Amazônia, por exemplo, temos muitos assentamentos, todos em lugares errados, onde não há mercado. Vão produzir o quê, para vender pra quem? E o governo pode ter um papel fundamental na criação de capacidades, na disseminação de tecnologias, na infraestrutura, na conectividade, e principalmente na educação.

As empresas, os grandes e médios produtores também devem atuar nesta causa ou já atuam?

Ninguém vai resolver esses desafios por conta própria, nem governo, nem sociedade civil, nem setor privado. Se não houver um esforço conjunto, é quase impossível avançar com a redução das desigualdades e a sustentabilidade no campo. A PCI, em Mato Grosso, é um exemplo de como podemos articular ações de diferentes setores para avançar com a sustentabilidade no campo.

Hoje, os esforços para cadeias de commodities sustentáveis são todos baseados em exclusão. Se há desmatamento, não compro: se não tem documentos, não compro, se tem embargos, não compro. É sempre na base da moratória, do embargo e das sanções. Há dois problemas nisso. Primeiro porque o mercado é o principal motor da melhoria contínua na eficiência do uso da terra. A razão pela qual a pecuária deu saltos de produtividade no Brasil nas últimas décadas é porque estávamos inseridos no mercado global. Ao cortar o acesso a mercados, vamos incentivar a ineficiência.

Segundo porque não resolve o problema. As pessoas continuam no campo precisando de renda, e vão criar um mercado paralelo que será pior do que o atual. Obviamente não queremos que empresas sejam coniventes com a ilegalidade. Há critérios que são inegociáveis, não se pode aceitar trabalho escravo, invasão de terras indígenas e outros crimes, por exemplo. Mas precisamos passar da exclusão para a inclusão, apoiando produtores em processos de regularização e assistência técnica.

Hoje, muitas empresas estão saindo de sistemas excludentes de compra para criar mecanismos de incentivo e apoio em suas cadeias de fornecimento. Grandes produtores podem servir como âncora para assistência técnica, comercialização e financiamento em seu entorno. Para pequenos produtores, o associativismo e o cooperativismo são mecanismos fundamentais de apoio.

Temos vários projetos e ações no P aís voltados para a sustentabilidade no agro. Como tornar essas iniciativas mais inclusivas?

As exigências de sustentabilidade em cadeias de produtos agropecuários são legítimas e vêm de anseios do consumidor e da sociedade em geral. Mas existem barreiras que precisam ser superadas tanto dentro da porteira como nas capacidades locais de governos e outros agentes.

Acredito que precisamos primeiro sair da lógica de exclusão nas cadeias de fornecimento das empresas, sejam essas cadeias ligadas a grãos, proteína ou mesmo a produtos da agricultura familiar. Segundo, precisamos sair também da lógica de projetos isolados, e começar a olhar o conjunto do território. Olhar onde estão os gargalos e as oportunidades, o que precisa acontecer no setor público, e o que precisa acontecer na ponta, no campo. Isso pode ser feito em um município, em uma região, em um estado, em um bioma.

A partir da definição de onde queremos chegar naquele território e desse planejamento, podemos desenhar projetos que apoiem a região a atingir esse objetivo. Com isso vamos apoiar a produção no que ela precisa, apoiar a conservação onde ela é necessária, e criar oportunidades para todos que convivem nessa paisagem rural.

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