CABE MAIS BOI NO CONFINAMENTO

Por Romualdo Venâncio Quem confina boi no Brasil precisa ter sempre um olho no mercado futuro e ou


Edição 25 - 21.07.21

Por Romualdo Venâncio

Quem confina boi no Brasil precisa ter sempre um olho no mercado futuro e outro no cocho. Agora, ainda mais, porque enquanto a valorização da arroba segue batendo recordes, a cotação do milho, principal ingrediente da ração do gado, não fica para trás. E se é para ter vida longa no setor, a visão deve ser ampliada, alcançando também as atuais – e futuras – exigências globais sobre preservação ambiental e bem-estar animal, questões que moldam os novos hábitos dos consumidores no mundo todo, dos brasileiros inclusive. De acordo com especialistas do setor, uma boa maneira de corresponder a tais demandas é adotar gestão profissional e atualizada, ampliar o horizonte de conhecimento, aderir às inovações tecnológicas e ouvir o mercado com atenção.

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Profissionais que acompanham de perto o confinamento de bois afirmam haver espaço para sua expansão no País e dizem que esse sistema de produção aproxima a pecuária da agricultura quanto à adoção e aplicação de inovações tecnológicas. Faz parte desse grupo Thiago Bernardino de Carvalho, pesquisador do Cepea-Esalq/USP (Centro de Estudos Avançados em Economia Agrícola da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo), que nos últimos anos tem se dedicado bastante ao mercado futuro de boi gordo e ao acompanhamento de custos de produção de pecuária de corte em todo o Brasil.

Para falar sobre essa relação, Thiago Carvalho recorre a uma pergunta que se faz com certa frequência no setor: “O que dá mais certo, um agricultor virar pecuarista ou um pecuarista virar agricultor?”. De forma alguma a questão tem o intuito de generalizar, mas levando-se em consideração o histórico e as particularidades de cada uma das atividades, a produção agrícola se envolveu mais cedo e de maneira mais intensa com o universo das inovações tecnológicas. “Teoricamente, pelo fato de a pecuária de corte trabalhar com ciclo mais longo, pode ser mais moroso. Mas isso não é uma regra, pois há também muita tecnologia no setor, muito avanço nas mãos dos pecuaristas”, complementa o pesquisador do Cepea. Abordamos esse tema de forma ampla em nossa edição de número 14.

Grande contribuição que o confinamento traz para a pecuária – e mais uma razão para acreditar que o sistema Q foto: Renato Brito PLANT PROJECT Nº25 65 pode ganhar espaço no Brasil – é o aprimoramento em gestão e comercialização, a maturidade para lidar com o negócio sob um olhar mais crítico em cada detalhe. Até porque o ganho da atividade vem em gramas. “Cada vez mais o setor está deixando de lado o amadorismo e entrando no profissionalismo. A eficiência na gestão vale para qualquer setor agropecuário, com atenção a produção, comercialização, recursos humanos e financeiro”, comenta Thiago, lembrando que todos esses departamentos estão integrados, são interdependentes e influenciam uns aos outros.

 

O QUE DIZEM OS NÚMEROS

ALTAIR, SP – 12.02.2017 – Victor Campanelli em sua fazenda Santa Rosa onde ele cria gado confinado e planta milho para alimentar os animais. foto: Emiliano Capozoli

O QUE DIZEM OS NÚMEROS A opinião do pesquisador do Cepea sobre a evolução do segmento é reforçada pelo zootecnista Marcos Baruselli, gerente da categoria Confinamento da DSM, empresa global que é dona da marca de nutrição animal Tortuga. Para ele, o confinador é um empresário, um gestor eficiente que entende bem de planejamento, o que é essencial até por se tratar de um sistema de produção sazonal. Baruselli está na DSM há 32 anos, e nos últimos nove tem se dedicado especificamente ao confinamento. “Na época em que ingressei na área, eram cerca de 2 milhões de cabeças confinadas no Brasil, e agora passam de 6,18 milhões. Isso dá um crescimento médio de 7% ao ano nos últimos oito anos”, afirma. Esses dados são de um levantamento feito pela própria empresa, o Censo DSM Confinamento, utilizado até para direcionar suas ações no setor.

O cruzamento desses números com o volume de bovinos abatidos no ano passado indica, relativamente, um avanço ainda mais significativo. De acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), em 2020 os abates somaram 29,7 milhões de cabeças, índice 8,5% menor do que no ano anterior. Se há menos boi indo para o frigorífico e mais gado entrando em confinamento, a representatividade do segmento na cadeia pecuária está aumentando. E com mais rendimento.

Baruselli diz que os pecuaristas têm dado preferência aos bois mais pesados no abate. “O boi de 18 arrobas ficou para trás. Agora o animal entra com 13 arrobas no confinamento e sai com 20”, explica. Considerando a relação de peso vivo e rendimento de carcaça, seria um boi com 550 a 600 quilos. O zootecnista reforça que 2 arrobas extras no animal podem significar R$ 600 a mais na venda. Ou até mais, dependendo da negociação. O produtor pode ser bonificado quando oferece um boi de qualidade – com rendimento de carcaça em torno de 55%, conformação ideal e bom acabamento de gordura – em volume, padronização e frequência que favoreçam as escalas de abate na indústria.

É o caso da carne bovina que vai para a China, e com a vantagem de que os chineses têm interesse no boi todo, não apenas em partes específicas, como explica Thiago Carvalho. “A dinâmica do mercado externo para a carne bovina do Brasil mudou bastante. No início dos anos 2000, a grande parceria comercial era com a União Europeia. Depois cresceu com a Rússia, Hong Kong, Egito e Irã”, diz. O pesquisador comenta que havia muita saída de dianteiro, mas o cenário começa a mudar quando entram os chineses, a partir de 2015. “Quando a China chega, compra tudo, o boi todo. E hoje é um boi de US$ 55 a arroba”, diz.

É exatamente essa demanda chinesa que tem aquecido o mercado nacional de carne bovina. Para exportações, pois essa mesma valorização acaba desestimulando o consumo internamente. Com a perda do poder aquisitivo da população, intensificada pela pandemia da Covid-19, e os preços da carne bovina em constante evolução no varejo, o alimento vem se tornando artigo de luxo na dieta dos brasileiros. “Como economista, me preocupa ter um único comprador como a China. Não posso dizer que não é bom, mas é preciso ter cuidado para não depender só disso. Já há mercados questionando o valor da arroba, pois não querem pagar esses mesmos US$ 55”, diz Thiago Carvalho. Para ele, o Brasil tem uma posição privilegiada, pois tem o produto, tem o fornecimento, e pode definir o mercado. “Mas ainda não sabe usar isso estrategicamente.”

 

 

 SINERGIA PRODUTIVA

Por falar em estratégia, sendo o milho o principal insumo na alimentação do gado em confinamento, os pecuaristas têm muito o que planejar. Quem foi estratégico em 2020, está mais tranquilo agora. “No ano passado, o confinador comprou milho no preço antigo e vendeu o boi no preço novo”, diz Marcos Baruselli, da DSM. Agora a situação é outra. Na melhor das hipóteses, os altos preços do grão reduzem as margens de lucro da terminação do boi gordo no cocho. Por outro lado, a cotação elevada estimula os agricultores a plantarem mais nesta segunda safra, inclusive com ampliação de área. E aí vem outro porém: a safra está atrasada por conta de fatores climáticos, e o desenvolvimento da lavoura vai coincidir com um período em que o clima gera mais riscos para as plantas. Para evitar surpresas desagradáveis, a gestão dos confinadores deverá ser ainda mais primorosa.

O bom desempenho nas etapas que antecedem a terminação contribui para uma melhor performance dos animais no cocho. Na verdade, a criação no pasto e o confinamento são complementares. “O confinamento serve como uma luva para o segmento brasileiro de produção em pastagem. É uma estratégia de colheita”, diz Sérgio Raposo de Medeiros, pesquisador da Embrapa Pecuária Sudeste, unidade instalada em São Carlos (SP). “Você tira do pasto os animais que estão mais pesados, aliviando a pastagem no início da entressafra. Esses bois que vão para o confinamento reduzem um ano de produção, e os que ficam também ganham mais peso no pasto.”

Sérgio Raposo chegou à Embrapa Pecuária Sudeste em 2019, após quase 17 anos trabalhando na unidade Embrapa Gado de Corte, em Campo Grande (MS). É também dessa experiência que vem sua visão de que o confinamento abre espaço para outras tecnologias em todo o sistema produtivo. E até necessita dessa integração. Ainda sobre a engorda em pastagem e a terminação com o gado no cocho, o pesquisador destaca o valor das arrobas estocadas, essas que vêm do pasto, pois o ganho de arroba no confinamento é pequeno. “A vantagem está exatamente em otimizar a lotação da fazenda”, afirma.

É essa a estratégia adotada por José Antônio Júnior, pecuarista e diretor da Oxen Currais, empresa especializada em desenvolver e implementar projetos de infraestrutura de currais, com tecnologias como cerca elétrica e troncos de contenção. Até para poder apresentar essas ferramentas aos clientes com mais clareza e demonstrar como um curral bem elaborado impacta em todo o sistema de produção, Júnior investiu em uma propriedade, no município de Goiás (GO), para montar uma fazenda modelo, uma vitrine de tudo o que oferece ao mercado. A iniciativa deu tão certo que ganhou dimensões de um novo negócio.

Em uma área de 100 hectares, Júnior faz a recria dos garrotes que compra de outras fazendas. Os animais ganham cerca de 8 arrobas e vão para o confinamento pesando entre 15 e 16 arrobas. Esse gado é comercializado em parceria com a empresa confinadora. “Se eu terminasse esses animais na fazenda, teria um custo alto e não conseguiria o mesmo acabamento. Com essa parceria, eles são confinados bem no período da seca, deixando o pasto livre para a entrada de outros garrotes. E ainda são vendidos para a indústria em um grupo de 60 mil cabeças, o que dá um poder de barganha considerável em qualquer situação”, comenta o empresário.

O reflexo do crescimento do confinamento de bovinos no Brasil é que, embora não seja o segmento mais representativo nos negócios da Oxen, nos últimos anos o sistema tem ganhado espaço também no atendimento da empresa. “Principalmente em Mato Grosso, com os lavouristas cultivando capim após a soja e o milho. Depois eles colocam bois e também fazem confinamento. E, por serem estruturas menores, nos abre mais espaço, porque pulveriza a tecnologia por mais fazendas”, diz Júnior.

A RAZÃO DO CLIENTE

Como parte integrante da cadeia produtiva de carne bovina, o confinamento também está sujeito aos desafios macros da atividade como um todo. E um dos mais importantes no momento é se adaptar às demandas globais relacionadas à produção de alimentos. Entram nesse pacote tanto as definições técnicas da indústria frigorífica, no Brasil e nos países para quem exportamos, quanto as novas tendências de consumo ao redor do mundo. “Temos uma população urbana e jovem dos grandes centros que é cada vez mais crítica. Precisamos nos preparar para lidar com esse consumidor. A gente quer que a renda aumente para haver mais consumo, mas a régua vai subir. Com o tempo, a cobrança vai aumentar, por isso é importante a gente dar o máximo de transparência”, comenta Sérgio Raposo, da Embrapa.

No caso da pecuária brasileira, há uma inevitável conexão com a preservação da Amazônia, devido à imagem que se tem do avanço de pastagens sobre áreas de floresta. Especificamente sobre o confinamento pairam cobranças sobre o bem-estar animal e a produção de dejetos orgânicos. Quanto mais rápido, e de forma clara, o setor mostrar qual é sua posição nessas questões, menor será o espaço para desinformação.

Na análise de Sérgio Raposo, a terminação dos bois em confinamento, na verdade, ameniza ou até elimina alguns desses problemas. A redução na idade de abate dos animais, pela maior eficiência no processo todo, já diminui também a emissão de gases de efeito estufa. Sem contar o sequestro de gás carbônico ainda na fase de pastagem. “Até mesmo em relação à produção de esterco, do chorume, é necessário que se tome uma série de cuidados. E esse material pode entrar numa economia circular, pois serve para abastecer as próprias lavouras que geram comida para o gado”, explica o pesquisador.

Sobre o bem-estar, Sérgio ressalta que, diferentemente do que muita gente imagina, os animais não passam a vida toda ali no confinamento, são apenas 90 dias. E que a pesquisa trabalha no sentido de aumentar o conforto desse gado, e até o desempenho. “A área mínima por cabeça, no confinamento, é de 12 metros quadrados, e já recomendamos que se mantenha o dobro disso”, afirma. Já existem outras preocupações, como oferecer sombreamento e até promover um enriquecimento ambiental, com mais itens que os bovinos encontrariam se estivessem livres – um lugar onde pudessem se coçar, por exemplo. Esta última possibilidade ainda está no plano filosófico, como explica o pesquisador. “É algo que precisamos considerar, avaliar com critérios.”

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