O AGRO DE UM TRILHÃO

Por Daiany Andrade Com os preços das commodities nas alturas, o dólar valorizado e mais uma produ


Edição 25 - 08.06.21

Por Daiany Andrade

Com os preços das commodities nas alturas, o dólar valorizado e mais uma produção recorde de grãos, o VBP – Valor Bruto da Produção Agropecuária – vai passar de R$ 1 trilhão pela primeira vez na história

Depois dos recordes em produção e exportação, o agro brasileiro conquista mais uma marca histórica: o primeiro trilhão no VBP, o Valor Bruto da Produção Agropecuária, que é o faturamento registrado dentro da porteira pelos agricultores e pecuaristas de todo o País. Segundo estimativa do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), o VBP atingiu, com base na apuração até abril, o total anualizado de R$ 1,057 trilhão. Trata-se de um crescimento de 12,4% na comparação com 2020. E a maior cifra do indicador desde que o Mapa passou a acompanhar os dados, em 1989. O recorde é referendado pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), que também divulga mensalmente uma projeção própria. Como avalia mais produtos e, além dos dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), também usa informações do IBGE e de outros agentes do mercado, a entidade tem uma estimativa ainda mais ambiciosa: R$ 1,192 trilhão, aumento de 15,2%.

O número trilionário, a princípio, indica mais renda, tecnologia e investimento no campo e pode ser comemorado. “O bom resultado é fruto de vários fatores. Um deles é que o agro não parou na pandemia. Os produtores continuaram suas atividades. Além disso, o planejamento da safra é feito com muita antecedência. Os produtores investiram em pacotes arrojados, em tecnologia”, explica o coordenador do Núcleo Econômico da CNA, Renato Conchon. Soja, milho e boi são de longe os maiores responsáveis por uma previsão tão expressiva. Segundo o Ministério da Agricultura, as lavouras devem faturar R$ 727,7 bilhões. Desse total, as culturas de soja e milho vão representar sozinhas 65,5%, enquanto a carne bovina vai representar 45% do valor esperado na pecuária, de R$ 330,1 bilhões.

REGISTRO FOTOGRAFICO - Antonio da Luz, economista-chefe da Farsul

PREÇOS X PRODUÇÃO O VBP nada mais é do que uma estimativa para o faturamento bruto dentro das fazendas calculada com base nos preços vigentes e na perspectiva de produção. A eficiência da produção, assim, tem grande contribuição no resultado obtido. Nesta temporada, porém, outro fator foi ainda mais decisivo: os preços das commodities agropecuárias. Com o dólar valorizado frente ao real e a demanda crescente por alimentos, em um cenário de queda nos estoques, os produtores viram as cotações explodirem no mercado internacional. “Percentualmente, os preços cresceram mais que a produção”, afirma o economista-chefe da Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (Farsul), Antonio da Luz, sem deixar de destacar o crescimento das lavouras nos últimos anos. “O preço é um fenômeno mais recente. Mas a produção vem crescendo ano após ano.”

Em 2021, o Brasil deve colher 273,8 milhões de toneladas de grãos, a maior produção já registrada. É o que aponta o levantamento divulgado pela Conab em abril. Apesar do crescimento impressionante, algumas culturas importantes vão registrar queda e, mesmo assim, alcançar um faturamento alto – outro elemento que confirma a elevação mais expressiva dos preços no VBP

“Um exemplo é o algodão, a produção vai ser menor este ano. Teve redução de área de plantio. Mesmo assim, o faturamento bruto vai crescer. Pelo menos essa é a expectativa porque os preços estão melhores”, explica o jornalista e analista de mercado Silmar Müller. Outros produtos seguem essa tendência de queda na produção, mas preços altos. É o caso do arroz, com uma colheita estimada em cerca de 11 milhões de toneladas, queda de 0,8% na comparação com a safra passada. A despeito dessa redução, junto com laranja, trigo e uva, o arroz também está entre os destaques do VBP deste ano

REGISTRO FOTOGRAFICO - Renato Conchon, coordenador do Núcleo Econômico da CNA

A soja é a principal exceção, teve alta na produção e no preço ao mesmo tempo. Com a colheita recorde de 135,5 milhões de toneladas, de acordo a previsão da Conab, é o principal produto da agricultura brasileira e vive, já há algum tempo, um cenário de preços excelentes, na casa dos R$ 170 a saca. E a tendência é seguir assim, afinal de contas os estoques mundiais do grão seguem baixos. O cenário é de oferta apertada e preço alto. “Podemos não ter preços ainda mais altos do que já estão. O patamar já está bastante elevado, mas também não há nenhuma perspectiva de queda, pelo menos nos próximos meses”, completa Müller

FATURAMENTO X RENTABILIDADE Faturamento bruto alto é igual a rentabilidade do produtor também alta. Certo? Errado. “Se olhar só para o VBP, vão falar que o produtor está ganhando muito dinheiro. Por outro lado, os custos também subiram muito e isso vai refletir na rentabilidade”, é o que explica o coordenador do Núcleo Econômico da CNA, Renato Conchon. Dólar alto não representa apenas melhora na remuneração em reais, mas também insumos como sementes, fertilizantes e defensivos agrícolas mais caros. Além disso, o produtor enfrenta aumento no preço dos combustíveis – que também impacta os insumos –, do frete e da mão de obra, em alguns setores. Também é necessário ter mercadoria nos momentos de pico. “Um exemplo é o café, que está até R$ 800 a saca. Mas muitos produtores não têm estoque. A maioria vende antecipado”, destaca Conchon.

O café é um dos produtos que devem registrar queda no faturamento. A safra do grão será bem menor este ano, cerca de 30%, segundo projeções da Conab e do IBGE. Além de estar em ano de baixa bienalidade, o clima seco prejudicou a produção em várias regiões produtoras. O tombo não vai ser maior por causa dos bons preços.

Por último, a venda antecipada, que traz segurança para o produtor, também reflete na rentabilidade. Em momentos como o atual, vender primeiro pode significar não aproveitar os melhores preços. Esse é outro fator que dá a falsa ilusão de que todos estão lucrando. “O VBP recorde não significa que esses valores foram parar no bolso do produtor. Nunca se teve uma venda antecipada de safra tão alta em percentuais. E o produtor acabou não conseguindo aproveitar os preços”, afirma Antônio Galvan, recém-empossado presidente da Aprosoja Brasil. E ele conclui: “[no Mato Grosso] se vendeu a grande maioria da safra por 50% do valor que está no mercado hoje”. Em abril, 67% da produção de soja da safra 2020/21 já estava negociada, de acordo com a consultoria Safras e Mercado. “O produtor não está milionário porque o preço agora está bom. Vendeu muito antecipadamente por um preço bem diferente do atual. Isso impacta na rentabilidade, na margem de lucro do produtor”, reforça o analista Silmar Müller.

EXPECTATIVA X REALIDADE O VBP de mais de R$ 1 trilhão ainda é uma projeção, mas muito perto de ser confirmada. “Não está consolidado, mas não deve ter grandes oscilações. A safra de verão representa a maior parte e está praticamente definida”, explica o coordenador-geral de Avaliação de Política Agrícola

 

REGISTRO FOTOGRAFICO - Antônio Galvan presidente da Aprosoja

 

do Mapa, José Garcia Gasques. Ele também ressalta que o crescimento do faturamento bruto das fazendas tem sido constante nos últimos cinco anos, a média no período é de R$ 813,5 bilhões. Além do peso da maioria das culturas de inverno ser menor para o cálculo do VBP, tudo indica que os preços seguirão em patamares elevados, principalmente por causa da redução dos estoques globais de grãos e da manutenção da alta demanda, tanto no mercado externo como no interno, em especial para a alimentação animal. A principal preocupação é a segunda safra de milho. A cultura foi plantada com atraso e também enfrenta riscos climáticos, já que a maior parte foi semeada fora da janela ideal. A produção total de milho é estimada pela Conab em 109 milhões de toneladas, um volume histórico, 6% maior que o registrado na temporada passada. A maior parte, 82,6 milhões de toneladas, é prevista na segunda safra, também conhecida como safrinha. Mas essa previsão recorde está ameaçada. A seca já castiga as principais regiões produtoras no Centro-Sul do País e pode prejudicar o desenvolvimento das lavouras, consequentemente também a produção, de acordo com informações da Associação Brasileira dos Produtores de Milho (Abramilho). Cenário alarmante essencialmente para as agroindústrias de carnes.

RENDA E TECNOLOGIA Faturamento bruto alto. O que isso representa efetivamente dentro das fazendas? “Renda e a adoção de novas tecnologias quase que de imediato”, responde Garcia Gasques. O presidente da Câmara Setorial de Máquinas e Implementos Agrícolas (CSMIA), Pedro Estevão, concorda. “Historicamente o agricultor sempre investe mais em anos em que o VBP é maior, seja pelos preços ou por uma grande safra.”

 

REGISTRO FOTOGRAFICO - Pedro Estevão, presidente da Câmara Setorial de Máquinas e Implementos Agrícolas (CSMIA)

Em 2020 o Valor Bruto da Produção Agropecuária já havia sido recorde, alcançando mais de R$ 871 bilhões. As vendas de máquinas agrícolas não decepcionaram. “Houve crescimento real de 17% no faturamento”, destaca Estevão. Para este ano, a expectativa é de novo aumento na casa dos dois dígitos, já que os fundamentos que fizeram o VBP crescer seguem atuando, como a desvalorização do real e o aumento dos preços internacionais das commodities.

Os principais investimentos por parte dos produtores são em máquinas para o preparo do solo, plantio, adubação, pulverização e colheita, além de tratores. “O produtor é um constante investidor. Se ele não se atualizar, não investir, aí ele fica comprometido”, afirma o presidente da Aprosoja Brasil, Antonio Galvan. Ele mesmo investiu no solo e também em máquinas recentemente.

Com uma rentabilidade melhor, essa é uma tendência entre os produtores, investir mais na correção de solo, além de novas máquinas e implementos. No ano passado, a demanda por fertilizantes cresceu cerca de 10%, na comparação com 2019, valor bem superior à porcentagem média dos últimos três anos, de 2%, segundo o vice-presidente comercial da Mosaic Brasil, Eduardo Monteiro. “É estimado que, de todo o incremento de demanda, 60% vieram do aumento de tecnologia, enquanto 40%, pelo aumento de área”.

Este ano, a expectativa é de novo crescimento, entre 5 e 6%. Isso se deve a vários fatores, como os investimentos no plantio de milho, tendo em vista os ótimos preços da cultura, o aumento na área plantada de soja e o maior investimento em tecnologia – não apenas pela agricultura, mas também pela pecuária, com a adubação de pastagens. “A comercialização também ocorreu de forma antecipada, principalmente para a safra de verão, que iniciou as primeiras vendas em julho de 2020, nas regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste do Brasil”, finaliza Monteiro.

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