Edição 24 - 26.04.21
Como o empresário David Carvalho trocou o Brasil por Portugal para implantar um inovador projeto de produção de amêndoas.
“Quero fazer a primeira amêndoa rastreada com blockchain do mundo, da origem da planta ao saquinho de snack”, diz de forma nada mineira, o empresário mineiro David Carvalho. Ele não esconde suas ambições nem faz questão de trabalhar em silêncio. Desde que desembarcou na região lusitana do Fundão, próximo da divisa com a Espanha, há cinco anos, ele tem promovido um barulho transformador para a economia local. Em sociedade com o investidor português Filipe Rosa, comprou terras, traçou planos e começou a desenvolver um projeto que tem como objetivo revolucionar, com o uso de tecnologia, a produção de amêndoas em Portugal. Já está fazendo barulho.
A Herdade Veracruz, empresa criada pela dupla luso-brasileira, nasceu mineiramente, segundo seu fundador. “Tudo começou numa conversa de bar”, conta Carvalho, administrador de empresas que prosperou no ramo de tecnologia. Foi entre petiscos em um botequim que ele ouviu falar pela primeira vez do projeto de cultivar amendoeiras em Portugal. O interlocutor português falava com entusiasmo dos planos de um grupo investidor dos Estados Unidos para investir no agronegócio da terrinha. Seis meses depois, ao reencontrar o amigo, perguntou se o negócio havia avançado. A resposta: os americanos migraram para outra aplicação mais conservadora e abandonaram a ideia.
Carvalho pediu para ver o projeto. Impressionado com as margens indicadas no business plan, adotou-o como seu. “Eu tinha zero de ligação com o agro, meu background é tecnologia. Não sabia distinguir uma amendoeira de uma oliveira”, diz. O próximo passo foi mergulhar no assunto. O empresário foi para os Estados Unidos, responsável por 85% da produção mundial, e depois para a Espanha, segundo maior produtor, em busca de conhecimento para tirar o projeto do papel. Ainda morava no Brasil, mas iniciou a procura por terras em Portugal. A sorte estava lançada.
Em 2018, dois anos depois daquele papo de boteco, a Veracruz era uma realidade. A primeira propriedade havia sido comprada, a terra preparada e as mudas plantadas. Um ano depois, Carvalho transferiu-se para Portugal, levando consigo o apreço pela tecnologia. “Acredito na tecnologia para a transformação do agro. A única certeza que eu tenho é de que é insustentável produzir como se fazia há cinco ou dez anos. Precisamos buscar a máxima produtividade usando menos recursos hídricos, retirando menos do solo, aplicando menos insumos. Tudo isso passa pela implantação de hardware, software e soluções tecnológicas.”
A Veracruz tem hoje cinco propriedades (ou herdades, como chamam em Portugal), que somam 2 mil hectares. “Parece pouco pelos padrões brasileiros, mas para lá é um bocadinho”, afirma Carvalho, já adaptando o idioma para o novo endereço. O planejamento indica ocupar 1,5 mil hectares com os pomares de amendoeiras. Destes, 700 hectares já foram plantados. Outros 500 receberão as mudas em 2021.
O ritmo é intenso, sempre considerando as dimensões do agro lusitano. À medida que novas áreas são incorporadas e preparadas, o pacote tecnológico é testado. Sensores para medir humidade e acidez do solo, cujos indicadores já estão integrados ao sistema de irrigação (ou rega, como se fala em Portugal) de microgotejamento trazido de Israel, Netafim por microgotejamento, são uma inovação para a produção de amêndoas por lá.
“É tudo controlado automaticamente, com uso de fertirrigação”, explica. “O projeto foi desenhado para fazermos a gestão por hectare, aplicar água e nutrientes dentro das necessidades de cada talhão. Podemos irrigar qualquer pedaço isoladamente.” Para implantá-lo, os sócios da Veracruz provocaram um incomum movimento de caminhões pela região. “Precisamos fazer a instalação de canos de irrigação por toda a área a ser cultivada. Era cano que não acaba mais. Provocamos um enorme congestionamento na via”, diverte-se.
AMÊNDOA É TECH
Uma plataforma de big data, com capacidade para integrar e interpretar dados vindos dos diferentes sistemas usados na gestão, foi desenvolvida sob medida. “Cada solução tinha a sua própria plataforma. Isso deixa o agricultor doido, não é user friendly”, diz o produtor. O lado tech do empreendedor aflora nas palavras. “Agora temos um único dashboard para acompanhar tudo, das estações meteorológicas ao uso de drones para a contagem de árvores.” Uma empresa foi criada especialmente para cuidar da área de inovação, a Veratech. “Podemos fazer um spin-off para comercializar as soluções que desenvolvemos.”
O arsenal cresce. Além de contar as unidades, os drones dotados de câmeras com sistemas de infravermelho coletam dados sobre a saudabilidade das plantas, permitindo uma atuação preventiva. “Junto com o sistema de dimensionamento, isso nos permite fazer o planejamento de atividades, a automatização de tarefas de campo, o monitoramento de percurso das equipes e da realização do trabalho, permitindo gestão completa e, assim, controle de custos.”
Com o apoio tecnológico, a Veracruz implantou o sistema de produção superintensivo. Isso significa produzir com 1.300 árvores por hectare, três vezes mais que no sistema intensivo, utilizado nos Estados Unidos. A opção tem influência direta na evolução da produção das amendoeiras, cuja vida útil é de 25 anos, em média. No superintensivo, a árvore começa a produzir três anos após o plantio. Então, o primeiro ano produtivo atinge 20% de sua capacidade, evoluindo para 60% no segundo e 100% no terceiro. As unidades ficam bem próximas e mais baixas, facilitando o manejo. “O compasso é mais apertado e permite uma evolução mais rápida”, explica Carvalho. No sistema intensivo, as árvores, mais espaçadas, se desenvolvem mais, mas levam cinco anos para começar o ciclo produtivo e só no sétimo atingem a capacidade plena.
As decisões agronômicas também buscaram uma eficiência maior. As variedades escolhidas foram as de maior adaptação às condições da Península Ibérica, mais macias do que as americanas. Na Veracruz, as mudas são enxertadas em bases de ameixeiras ou pessegueiros, que têm raízes mais apropriadas aos solos da região. “A amêndoa não requer solos tão ricos e profundos”, afirma Carvalho. “Conseguimos fazer correções com calcáreo e outros produtos.” A meta da Veracruz é atingir uma produtividade de 2,5 mil quilos de pepitas (castanhas descascadas) por hectare. Isso levaria o projeto, quando chegar ao seu ponto de produção plena, a atingir 4 mil toneladas anuais
FRIO E ÁGUA
A amendoeira precisa de água e muitas horas de frio por ano. Segundo Carvalho, cada planta consome em média 7 mil metros cúbicos de água por ano. Por esse motivo, a maior parte dos projetos de produção está localizada mais ao Sul de Portugal, na região do Alentejo, próximo à barragem de Alqueva, maior reservatório artificial de água doce da Europa ocidental. “O fato de irmos para o Fundão causou surpresa em muita gente”, diz.
A primeira opção dos sócios foi também o Alentejo, mas consideraram que os imóveis na região estavam inflacionados. Eles então abriram o leque e foram estudar outras regiões.
“Acabamos achando nessa região, entre os municípios de Castelo Branco, Fundão e Idanha Nova, condições até melhores do que em Alqueva. Temos água e mais horas de frio e os terrenos tinham preços bem mais interessantes”, afirma.
O frio é um componente importante para o controle de pragas, mas sobretudo para o ciclo reprodutivo da amendoeira. No inverno, as folhas caem e começa o processo de criação dos brotos. Surge uma bela flor, que dá origem ao fruto. O frio na dose certa permite que tudo aconteça de forma ideal. Se o calor volta antes da hora, a produtividade cai.
Outro componente da escolha do Fundão foi o impacto social do projeto. Fora do principal circuito turístico de Portugal – injustamente, de acordo com Carvalho –, a região é menos desenvolvida economicamente. Assim, a presença de um empreendimento como esse gerará empregos e pode contar com incentivos oficiais. “Estamos transformando terras que estavam degradadas, abandonadas, e contratando mão de obra local. Vamos fazer agricultura sustentável possível, com resíduo zero”, diz.
Além do cultivo, que deve chegar a 5 mil hectares no futuro, a Veracruz está instalando uma unidade fabril para fazer a transformação e a agregação de valor às amêndoas. O plano de negócios prevê a verticalização de todo o processo produtivo, a criação de marca própria fina para o cliente, além da venda de parte da produção para fábricas de doces e geleias.
Até o momento, todos os investimentos foram feitos com recursos próprios, mas a empresa já prepara uma candidatura para obtenção de fundos provenientes de programas de incentivo da União Europeia (UE) para a construção da fábrica. Na área tecnológica, esse incentivo já chegou. A plataforma de big data foi desenvolvida em consórcio com um instituto politécnico e contou com apoio de recursos da UE com essa finalidade.
“Queremos transformar a região em um polo de desenvolvimento de tecnologia para o agro”, afirma Carvalho. Ainda este ano, ele pretende organizar um hackaton agro para estimular o desenvolvimento de soluções para a agricultura local, incluindo pequenos produtores. Para isso, veio buscar apoio do ex-secretário de Agricultura do Paraná George Hiraiwa, um dos responsáveis pela implantação do polo de inovação em Londrina. Chegar à amêndoa rastrea da por blockchain, assim, não parece um passo muito grande.
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