Plant Talks com Tiago Fontes

No final de fevereiro passado, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) deu um passo impor


Edição 24 - 05.04.21

Registro fotográfico online de Tiago no Plant Talks
TIAGO FONTES, 41 ANOS, CASADO, DOIS FILHOS, DIRETOR DE ESTRATÉGIA DE MARKETING DA HUAWEI, FORMADO EM ENGENHARIA ELÉTRICA COM ÊNFASE EM TELECOM, MBA EM GESTÃO ESTRATÉGICA DE NEGÓCIOS, MBA EM GESTÃO ECONÔMICA E ESTRATÉGICA DE NEGÓCIOS.

No final de fevereiro passado, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) deu um passo importante para que o Brasil avance uma geração em termos de  conectividade. Com a aprovação do edital de concessão para a operação do 5G, a quinta geração da telefonia móvel, que permite transmissões de dados (e, portanto, voz e imagens também) a uma velocidade quase quarenta vezes superior à obtida com a tecnologia 4G. O leilão deve acontecer entre os meses de junho e julho. Foi várias vezes postergado em virtude de indefinições sobre a modelagem do edital, gerando dúvidas sobre a possibilidade do uso de equipamentos de alguns  fabricantes. No centro da polêmica estava a empresa de origem chinesa Huawei, principal fornecedora de equipamentos de telecomunicações para as operadoras brasileiras. A definição da Anatel, porém, deu sinal verde para a tecnologia da companhia, que enxerga no agronegócio um grande mercado a ser explorado por operadoras de serviços de comunicação e para desenvolvedores de novas aplicações voltadas para o setor. Na entrevista a seguir, Tiago Fontes, diretor de Estratégia de Marketing da Huawei no Brasil, fala sobre a tecnologia 5G e seu potencial no campo.

“O principal problemas no campo é a conectividade. Não é ter internet, pois isso dão um jeito de colocar. Mas a conectividade em si não está presente.”

A Huawei está no Brasil há 23 anos. Bem antes da questão do 5G, portanto. Qual a relação da empresa com o agronegócio brasileiro nesse período?

Nesses 23 anos, o que a gente pode dizer é que foi uma jornada, trazendo a tecnologia mais próxima do povo brasileiro. Estamos aqui desde a implantação do 3G, do 4G, do 4,5G e até mesmo na instalação de fibras ópticas aqui dentro do País. As nossas tecnologias estão presentes em todas as operadoras. É uma grande oportunidade para trazer cada vez mais a tecnologia de informação e comunicação para o uso do dia a dia. Como você já tocou na questão do 5G, é importante dizer que ele vem para ajudar também a indústria. É aí que estamos tentando cooperar, trazer um pouco mais dessa tecnologia construtiva, de comunicação rápida, de rápida latência, que pode suportar muitos terminais conectados ao mesmo tempo. Isso pode fazer com que o agro, dentro do Brasil, possa se tornar mais eficiente e mais competitivo no mundo.

Até pouco tempo atrás, quase não se ouvia falar da Huawei fora do ambiente das telecomunicações. Hoje, ela está no centro do debate sobre a implantação da tecnologia 5G no Brasil e em outros países…

A Huawei realmente não era tão conhecida e hoje se tornou uma empresa bastante popular no mundo inteiro, devido a todo esse questionamento, essas dúvidas sobre se o 5G vai ou não acontecer e como a Huawei vai poder ajudar. O que a gente pode falar com relação a isso é que a Huawei tem experiência global, é líder de mercado e, justamente, está aqui para fazer com que a concorrência seja saudável, para que todos os brasileiros não sejam afetados. Antes a Huawei não tinha tanta visibilidade porque isso não levava em conta a questão de bloqueio, a questão de haver restrições [a uma ou outra tecnologia]. O mercado sempre foi livre, competitivo, baseado em questões técnicas. A Huawei sempre trabalhou trazendo as melhores tecnologias e, devagarzinho, as empresas brasileiras, as operadoras, as indústrias e até mesmo empresas que necessitam de conectividade, do setor de TI, foram percebendo qualidade. Viram que os produtos da Huawei são muito bons, são eficientes. E têm uma melhor infraestrutura de tecnologia para qualquer segmento. Hoje, 95% das conexões dentro do Brasil passam por pelo menos um equipamento da Huawei.

A Huawei atua em projetos ligados diretamente a empresas do agro ou os projetos são sempre associados às operadoras e fornecedores de serviços de telecomunicações?

A Huawei sempre esteve presente no agro. Temos produtos como a Rural Star, que é uma antena de baixo custo para levar conectividade a locais onde não chega de outra forma. É um produto de baixo custo para os produtores, e que permite levar uma boa conectividade para lugares remotos. E agora nós estamos trabalhando bastante para poder fazer com que as aplicações dentro do agro sejam mais inovadoras. Usamos 5G, usando uma nuvem, até mesmo inteligência artificial. E a Huawei é a única empresa que consegue fornecer essas três tecnologias para a indústria. Isso é o que deve estar mais dentro do agro.

Essa antena utiliza qual geração de tecnologia?

Existem três modelos da Rural Star. Um deles é um pouco mais simples, um pouco menor. Ela suporta uma antena 4G e tem capacidade para suportar uma antena de 5G.

A dificuldade de conectividade é uma realidade em várias regiões do Brasil, sobretudo as áreas rurais. Para muitas delas, nem sequer o 3G chegou, portanto estão com duas gerações, ou pelo menos uma geração, atrasadas. É possível fazer um salto sem escala para o 5G? Como vocês imaginam o futuro da conectividade, sobretudo nas áreas rurais?

Sempre quando eu vou fazer algum trabalho de campo, conversar com os produtores, começar a fazer as discussões, até mesmo com os sindicatos e as cooperativas, e a gente questiona qual é a principal dor, o principal problema que eles têm no campo, eles falam que é a conectividade. Não é ter internet, pois muitos colocam a internet nas fazendas por rádio, por satélite. Dão um jeito de colocar. Mas a conectividade em si não está presente. Há aí um grande desafio e também uma grande oportunidade de negócio para as operadoras e para as provedoras de acesso à internet. Por quê? Porque, com o 5G, o modelo da aplicação vai sofrer uma modernização, uma digitalização. Será possível analisar não apenas dados de telemetria, mas imagens, vídeos, o que hoje no campo é muito raro. Dessas análises de imagens em tempo real nascerão novos modelos de negócio que podem beneficiar ainda mais o agronegócio. A necessidade dessas aplicações vai fazer com que o próprio fazendeiro busque por uma tecnologia melhor de conectividade no campo, não apenas um ponto de acesso, em que ele tenha as suas máquinas conectadas. Eu acredito muito que, num futuro não muito distante, essa conectividade vai estar presente. Hoje, no campo, você tem caminhões, veículos de grande porte com tecnologias que não existem nos carros de rua. Essa conectividade é necessária para fazer com que esse seja um modelo de negócio rentável. Com certeza as operadoras e as provedoras de internet vão pensar com carinho para levar uma conectividade, uma tecnologia disruptiva como o 5G para dentro do campo.

Sabemos que a tecnologia tem as curvas de preço. Novas tecnologias chegam com um preço mais alto, mas à medida que vão se popularizando os preços caem com ganhos de escala. Falando do 5G, para que o produtor possa investir em levar essa conectividade para sua propriedade, isso será viável em um curto prazo?

Acredito que sim, porque essas novas aplicações que estão nascendo com o uso de nuvem e de inteligência artificial em tempo real não serão possíveis com o que há hoje dentro de tecnologia de conectividade. Vamos pegar como exemplo uma prova de conceito que nós fizemos em parceria com o governo de Goiás em Rio Verde, para identificação de erva daninha. É preciso identificar no momento em que ela começa a surgir, é preciso ser reativo naquele determinado momento. Uma vez que você tem uma erva daninha em todo o talhão, compromete toda a sua produção de soja, por exemplo. Para essa detecção, para ter informação em tempo real, é necessária uma velocidade maior.

Você citou essa prova de conceito que vocês fizeram em Goiás. Pode nos dar mais detalhes de aplicações em 5G que foram testadas lá ou mesmo de aplicações para o agro que tenham testado em outros locais, como na própria China?

A Huawei, como empresa global, tem experiências em quase todos os segmentos das indústrias no mundo inteiro. Podemos pegar exemplos da China, no cultivo de arroz, ou na Suíça, com pecuária de leite, em que foi aplicado o 5G com muito sucesso. Similar ao que houve na China, nós trouxemos a agricultura de precisão como prova de conceito para Rio Verde. A ideia era justamente mostrar que, com o 5G, a inteligência artificial pode estar dentro do agronegócio como tecnologia, junto às aplicações existentes. Na Suíça, onde há todo o controle da pecuária de leite, havia pequenos robôs que andavam dentro do recinto do gado para verificar, através de imagem e inteligência artificial, a saúde do próprio animal. Discutimos como poderíamos trazer algo similar aqui para o Brasil e pensamos: “Puxa, as máquinas agrícolas que estão aqui no Brasil são automáticas. Só que elas vão do ponto A para o ponto B, mas não fazem a curva e voltam. Você precisa do motorista para fazer a curva do caminhão e continuar passando por dentro de todo o talhão”. Foi aí que, junto com o governo de Goiás, trouxemos um pouco mais de tecnologia para colocar a parte de navegação dentro da nuvem e sensores ao redor de um veículo autô nomo de pequeno porte para que ele possa fazer o trajeto automaticamente. Tudo isso foi feito na fazenda do seu Carlos Arantes, que é portador de deficiência física. Então, isso evitaria que ele fosse todos os dias ao talhão para poder verificar como que está o seu cultivo. Foi algo realmente espetacular.

Muito da comunicação da própria Huawei está associada hoje no Brasil ao agronegócio, o que é natural, em virtude da relevância do setor para a economia brasileira. O agronegócio foi uma peça importante de convencimento, das autoridades e do mercado, para que a Huawei também pudesse ter os equipamentos dela homologados para participar da implantação do 5G no País?

Seis meses depois do lançamento do 5G na China, mais de dez indústrias diferentes, de verticais diferentes, procuraram a Huawei para poder utilizar e fazer uma aplicação. Foram desenvolvidas mais de 100 aplicações, com mais de 500 parceiros. Isso ocorreu há apenas dois anos, em 2019. Quando isso aconteceu, nós, da Huawei, pensamos aqui no Brasil, que a gente precisava trazer um exemplo dessa disrupção da tecnologia do 5G. Trouxemos então um caso de uso dentro da nossa própria casa, que foi do nosso armazém em Sorocaba, onde nós tínhamos uma dor que era muito grande: movimentar todos os equipamentos que estão lá dentro, que pesam mais de 800 kg, desde o recebimento, colocar parte da embalagem e, depois, dentro de um caminhão para serem despachados. Nós utilizamos o 5G com veículos autônomos para fazer todo esse processo. Trouxemos isso para mostrar à sociedade do Brasil que a tecnologia vai andar junto da indústria, porque ela vai tornar mais automáticos aqueles processos que são repetitivos. A gente acredita que a Huawei participar do mercado é importantíssimo para o País ter uma competição e um mercado livre, para que se possa realizar esse leilão e as operadoras terem opções de compra para poder oferecer um preço competitivo e um produto bom para a sociedade brasileira.

Vou insistir na questão do agro como instrumento de convencimento junto a quem decide nas questões regulatórias…

Não, isso não houve. O que nós fizemos foi uma prova de conceito, ajudar a indústria do agronegócio colocando a tecnologia. Assim como fizemos também em nosso armazém em Sorocaba com o 5G e como também ajudamos a TV Bandeirantes a fazer a primeira transmissão ao vivo utilizando um terminal 5G, que evita toda aquela conexão via satélite. As provas de conceito servem para que possamos mostrar, principalmente para a indústria, que a tecnologia vai ajudar toda a produção.

Como é que Huawei se relaciona com indústrias específicas, como a de máquinas agrícolas? Como você citou, ela já oferece máquinas autônomas que, evidentemente, estão subutilizadas pela falta de conexão. Vocês têm uma política de incentivo ou de relacionamento com empresas que estão desenvolvendo, por exemplo, novas aplicações de agricultura digital e que podem ter um ganho de qualidade nas suas soluções com a utilização do 5G?

A Huawei é fornecedora de equipamentos de tecnologia de informação e comunicação. Ponto. Não faz aplicações, não produz trator e nenhum equipamento para o agro. Estamos abertos a fazer parcerias, temos um departamento responsável por fomentar essas parcerias, de maneira que uma empresa possa pegar um produto, uma máquina, e fazer um upgrade de tecnologia para ela estar cada vez mais inovadora.

Existe algum projeto para criar programas específicos para isso, já que quanto mais aplicações houver mais demanda haverá por equipamentos como os que a Huawei produz?

Temos nossas estratégias, os nossos parceiros e estamos caminhando cada vez mais para fazer parcerias fortes. Mas ainda não lançamos um programa público. Tudo o que a gente realiza em parceria está relacionado à estratégia e ao planejamento interno da empresa. Estamos trabalhando juntos em alguns segmentos para poder trazer a tecnologia mais próxima da indústria. O 5G, não há dúvida, nos colocará em um novo patamar de velocidade de transmissão de dados e informações. Mas uma das questões que se coloca é sobre a cobertura territorial das estações de transmissão, menor que a das antenas do 4G, por exemplo, sobretudo em áreas de relevo com mais obstáculos.

REGISTRO FOTOGRAFICO DO PLANT TALKS COM TIAGO FONTES E LUIZ FERNANDO SÁ
PLANT TALKS, TIAGO FONTES E LUIZ FERNANDO SÁ

“O 4G mudou um pouco a nossa maneira de viver. A gente assiste um videozinho no celular, a gente chama um taxi, está sempre conectado. Já o 5G vai mudar bastante a sociedade.”

Como isso pode impactar o desenvolvimento dessa tecnologia nas áreas rurais?

Essa é uma das dúvidas que o agro sempre traz, a de que o 5G vai trabalhar com algumas frequências, mas o alcance é menor. O 4G funciona com frequências que vão de 700 MHz até mais ou menos 2.6 GHz. Tecnicamente falando, à medida que você tem frequências mais baixas, tem maior alcance de cobertura, mas menor taxa de velocidade na transmissão de dados. O 5G é uma tecnologia de software, uma atualização da rede do 4G. Não depende apenas da frequência. Para você ter uma melhor otimização do uso dessa tecnologia, é preferível que tenha uma frequência na qual você tenha um maior espaço de largura de banda para trafegar mais dados. As normas globais, definidas por institutos renomados no mundo, indicam que a banda C, que é a banda de 3.5 MHz – ou seja, 3.500 GHz –, é a banda ideal para o 5G. Por quê? Porque você tem mais espaço para poder trafegar dados. Porém, ela tem um baixo alcance. Se a gente for levar isso para o agro, a gente tem algumas culturas como o café, que geralmente são produzidas em áreas de montanhas, de relevos. Isso implica um pouco mais de dificuldade de transmissão por interface aérea, não apenas do 5G. Agora, por exemplo, as plantações de soja, geralmente são terrenos mais planos, em que tem uma maior cobertura, pode ter um maior alcance. Tudo vai depender bastante do modelo de negócio para levar a infraestrutura, que não é algo que é barato. A tecnologia de transmissão pode ser via fibra, via interface aérea, com micro-ondas, uma tecnologia de rádio, então você vai ter esse custo da antena, mais o custo da aplicação. Por isso é que eu menciono sempre que os novos modelos de negócio vão começar a surgir. A gente está ajudando a analisar a melhor maneira de empregar tecnologia para a indústria do agro, para oferecer conectividade para o campo.

Uma vez acontecendo o leilão das concessões, quando é que a gente vai começar a ver o uso efetivo, o começo da operação comercial do 5G?

O que eu posso dizer pra você é que grande parte da rede dos nossos clientes que estão hoje ativos, por exemplo, com 4.5G, 4G+. São tecnologias que necessitam hoje de uma antena 5G para ter um maior alcance, maior cobertura de área. Então, acontecendo o leilão, basta apenas fazer uma atualização de software e a operadora virar a chave do 5G. Eu acredito que o tempo para o mercado vai ser muito rápido. Hoje já se encontram algumas operadoras oferecendo produtos como o 5G DSS, que é justamente o 5G em cima das bandas do 4G. Ou seja, como você precisa da largura de banda, ele pega um pouquinho de uma banda de um determinado espectro, um pouquinho de outro determinado espectro, junta tudo isso e dá uma experiência como se fosse o 5G puro, da banda C. Isso, evidentemente, vai começar pelas grandes cidades, que é onde a infraestrutura mais sofisticada está concentrada. Isso vai depender muito da estratégia de cada operadora, não depende da gente decidir por onde começar.

Quanto vocês imaginam que essa concessão do 5G vai atrair em investimentos das operadoras, do ponto de vista de mercado, nos próximos anos em termos de infraestrutura?

A gente sabe que o investimento vai ser bastante alto, principalmente porque o 5G necessita de um pouco mais de antenas e cada vez mais novas aplicações vão começar a surgir. É fundamental que todos os fornecedores de tecnologia possam participar e possam oferecer os produtos competitivamente, baseados em questões técnicas e baseados de uma forma justa. E que as operadoras e as provedoras de acesso possam ter a oportunidade de ter essa tecnologia. Não sei como te responder por onde elas vão começar ou quanto vão reservar para investimento. O que eu digo sempre é que o 4G mudou um pouco a nossa maneira de viver. A gente assiste a um videozinho no celular, a gente chama um táxi, está sempre conectado. Já o 5G vai mudar bastante a sociedade. A gente sabe que muitas aplicações vão surgir e isso vai gerar muita demanda, que vai movimentar bastante a nossa economia. Espero que o Brasil, como um grande desenvolvedor de aplicações, com um grande mercado, bastante atrativo, principalmente no mercado agrícola, possa se destacar e ser um grande benchmarking de aplicações.

 

 

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