Um Nobel para o Brasil

Por RONALDO LUIZ O ex-ministro da Agricultura (1974 a 1979) Alysson Paolinelli, engenheiro agrôno


Edição 24 - 22.03.21

Por RONALDO LUIZ

A FRASE "SANTANDER, NA CIDADE OU NO CAMPO, A GENTE APOIA O EMPREENDEDOR" SOBRE UM FUNDO VERMELHO
SANTANDER, NA CIDADE OU NO CAMPO, A GENTE APOIA O EMPREENDEDOR

O ex-ministro da Agricultura (1974 a 1979) Alysson Paolinelli, engenheiro agrônomo mineiro, nascido em Bambuí [(1936), considerado o pai do modelo de tecnologia agrícola tropical, que alçou o Brasil ao rol das potências do agronegócio mundial, foi indicado ao Prêmio Nobel da Paz 2021. A nomeação foi protocolada no Conselho Norueguês do Nobel (The Norwegian Nobel Committee), no último dia 22 de janeiro, pelo diretor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP), professor Durval Dourado Neto. A nomeação recebeu cartas de apoio de 119 instituições do Brasil e do exterior, representando 24 países. A academia (educação, ensino, pesquisa) e o setor primário foram os maiores apoiadores, mas destaca-se também o reconhecimento mostrado por instituições da indústria e dos serviços.

O professor Durval destaca que a indicação do ex-ministro está baseada “em sua enorme contribuição para a paz, pelo grande salto de produção da agricultura brasileira, que foi obtido de forma sustentável, promovendo crescimento, inclusão social e segurança alimentar no Brasil e no mundo. “Paolinelli reinventou a agricultura brasileira, e seu trabalho é um legado mundial. Sempre foi obstinado na valorização da ciência, da pesquisa e da difusão de tecnologia.”

Para o também ex-ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, Paolinelli é o maior brasileiro vivo, é o visionário da maior revolução agrícola tropical sustentável que ocorreu no Brasil. “Ele é um grande construtor da paz, pois alimento é paz, sustentabilidade é paz.” De acordo com Rodrigues, todo o esforço que será feito em torno do nome de Paolinelli e, quem sabe, sua eventual vitória do Nobel da Paz poderão contribuir para ressignificar a imagem do agronegócio brasileiro em nível global, especialmente no tocante à sustentabilidade. “Nossa expectativa é de que o prêmio possa evidenciar que a agricultura brasileira foi e é feita com base em ciência e práticas sustentáveis. Existem problemas, sim, de desmatamento ilegal, de grilarem de terras, que precisam ser combatidos, mas não correspondem ao setor produtivo moderno do agro brasileiro. Que a indicação mostre a verdadeira realidade de nossa agricultura”, enfatiza Rodrigues.

Aos 84 anos, com a humildade que apenas os grandes têm, Paolinelli faz questão de ressaltar que, em caso de vitória, “o premiado não serei eu, e sim a agricultura brasileira”. Confira mais na entrevista a seguir:

O senhor costuma pontuar que o Brasil é a via mais confiável para a segurança alimentar mundial. Por quê?

O Brasil foi indicado como a via mais confiável para garantir a segurança alimentar do planeta por diversos órgãos internacionais, com destaque para FAO/ONU, OCDE, Banco Mundial, entre outros. Com base em diversos estudos, até 2050 o mundo precisará produzir 61% a mais da oferta atual de alimentos para atender a demanda global. E ao Brasil reserva-se o desafio de arcar com 41% deste percentual. Para isso, temos que elevar nossa produção agrícola em 10% ao ano, a fim de podermos obter uma safra de grãos entre 620 a 630 milhões de toneladas ao final dos próximos 30 anos.

De maneira contínua, o agro brasileiro gera oferta, qualidade e diversidade de grãos, proteínas, fibras e energia renovável a preços compatíveis, assegurando o abastecimento interno e gerando excedentes exportáveis. De país importador, nos tornamos um dos maiores exportadores de produtos agrícolas e a tendência é que este posicionamento se acentue ainda mais.

A despeito da força do agro brasileiro, temos observado uma alta acentuada nos preços dos alimentos no mercado doméstico. Como isso se explica?

Observa-se uma certa anomalia no mercado, com uma demanda elevada, que não estava totalmente calculada, devido, por exemplo, aos efeitos da pandemia, isso sem contar o dólar alto, intempéries climáticas, que levaram a perdas na produção, o que acarretou na atual pressão altista nos preços dos alimentos.

Contudo, a realidade é que as cotações internacionais relacionadas aos produtos agrícolas irão cada vez mais influenciar os preços praticados no mercado interno. É algo dado, diante da crescente demanda global por alimentos e pelo fato, claro, de o Brasil ser um player importantíssimo em termos de produção e capacidade de exportação.

Por outro lado, o Brasil ainda carece de uma política agrícola estratégica, lastreada em preços mínimos efetivos e gestão de estoques de alimentos, que possa assegurar o abastecimento interno a preços remuneradores para o produtor e acessíveis ao consumidor, bem como a manutenção de excedentes exportáveis e consequente geração de divisas para o País. Porém, não acredito que o governo federal constituirá grandes estoques reguladores – podendo fazer apenas em alguns produtos. Uma correta política de preços mínimos é crucial para que o produtor seja remunerado adequadamente e o consumidor possa pagar menos pelo alimento.

Registro fotográfico de Alysson Paolinelli sobre um trator, rodeado de trabalhadores

A pesquisa rural é um dos pilares do sucesso do agro brasileiro. Qual é o cenário atual de apoio?

O Brasil não pode de maneira alguma abdicar de investimentos em pesquisa, caso queira manter-se competitivo no agronegócio. A Embrapa só tem verba para subsistência. Diante do elevado endividamento público, o governo terá dificuldades para usar o orçamento na área agrícola.

Um dos caminhos é a busca de recursos junto ao setor privado, inclusive de investidores internacionais. Universidades e outros órgãos de pesquisa, bem como de assistência técnica e extensão rural também passam por dificuldades financeiras. A Empresa Brasileira de Extensão Rural (Embrater) acabou, a Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Anater) não avança, está só no papel. O governo federal precisa assegurar recursos para as ciências agrárias, com foco em inovação, geração e transferência de tecnologia.

O senhor é um ferrenho defensor do seguro rural. O que falta para que ele deslanche, seja massificado?

No seguro rural, a subvenção ao prêmio é insuficiente para que haja uma maior expansão da área segurada. Vale ressaltar que o agronegócio brasileiro não advoga por subsídios. A massificação do seguro rural é um caminho muito mais lógico e racional para a nossa realidade. A ministra Tereza Cristina vem atuando de modo impecável nesse sentido, elevando o apoio para auxiliar no pagamento do prêmio, mas os recursos sabiamente ainda são insuficientes para atender o gigantismo do agro brasileiro.

Neste aspecto, reitero a existência de proposta que sugere a criação de um fundo privado – com aportes de diversos players do setor, entre os quais, indústrias de insumos, fabricantes de máquinas, tradings – para apoiar o subsídio ao prêmio.

O senhor também é um entusiasta da irrigação. Como a expansão da área irrigada pode contribuir para elevar a produtividade agrícola?

Infelizmente, ainda irrigamos muito pouco. Por outro lado, produtores que estão tendo a oportunidade de investir em sistemas de irrigação vêm observando ganhos contínuos de produtividade em suas lavouras.

Agricultores de milho do Brasil central que adotam a tecnologia, já há alguns anos, produzem corriqueiramente três safras, obtendo, por exemplo, rendimentos acima de 200 sacas por hectare. A irrigação reduz demais o risco climático, principal causa de variações na produção.

É preciso democratizar a irrigação, assim como outros modelos, como os sistemas integrados entre lavoura-pecuária-floresta.Melhores variedades, avanços nas técnicas de manejo, incorporação de novos insumos são outros fatores cruciais para que possamos prosseguir nessa espiral de aumento de produtividade. Com esses avanços, vamos, uma vez mais, reafirmar que a agricultura tropical sustentável, desenvolvida no Brasil, é realmente imbatível.

Faixa em homenagem a Alysson Paulinelli com a frase "Alysson Paulinelli A frente do ministério da agricultura, grande esperança para melhores dias"

O senhor é presidente executivo da Associação Brasileira dos Produtores de Milho (Abramilho). Quais são os desafios e as oportunidades para o grão?

A demanda global pelo milho só tende a aumentar. Com a limitação de áreas de grandes produtores, como EUA e China, a janela de oportunidade para o Brasil está aberta. Há também uma nova dinâmica no mercado de milho, com o Brasil também passando a ser um importante exportador em sintonia com a disponibilidade de oferta interna.

O ano de 2020 foi excelente para o produtor, devido à demanda aquecida, especialmente internacional, e preços remuneradores, turbinados pelo câmbio favorável. O Brasil vem ano a ano se posicionando nos mercados internacionais como fornecedor do milho de melhor qualidade. Na comparação com outros grandes produtores, nosso grão apresenta melhores características nutricionais, que favorecem a conversão alimentar, considerando menor tempo e maior ganho de peso, para produção de proteína animal, seja na suinocultura, avicultura, bovinocultura e também na piscicultura.

E a China, também poderá passar a importar milho?

A gripe suína africana, que nos últimos anos praticamente dizimou o plantel chinês de “fundo de quintal” de porcos, fez com que Pequim tomasse a decisão de mudar a estrutura local de produção. Com isso, os chineses passaram a investir na implantação de sistemas altamente tecnificados para fabricação de carne suína, o que inevitavelmente demandará grandes volumes de ração e consequentemente de matérias-primas como milho e farelo de soja.

No ano passado mesmo, a China demonstrou interesse em adquirir mais milho brasileiro, mas faltaram estoques. E é neste ponto que reside uma de minhas principais preocupações, porque precisamos produzir muito mais, no mínimo, entre 10% e 15% pelas próximas duas, três décadas, a fim de conseguirmos continuar atendendo com constância o mercado doméstico e a crescente demanda global.

Contudo, essa equação passa, impreterivelmente, por uma remuneração satisfatória para o produtor rural, que, a despeito do viés altista para as cotações, enfrenta enormes desafios. Primeiro, porque países concorrentes subsidiam a produção, como, por exemplo, China e Estados Unidos. Segundo, é que o milho em grão, tradicionalmente, tem valor baixo nos mercados internacionais, o que impacta na margem do produtor, que anualmente só vem observando alta nos custos de produção. E terceiro, é que o agricultor nacional sofre com o atual sistema de impostos – assim como todo o setor produtivo – sendo alvo de tributação indireta.

E o que está por vir no mercado mundial de alimentos?

Não é nem o que está por vir, e sim o que já está aí. Estamos na era da alimentação saudável, e o Brasil não pode ficar de fora desse mercado. É o que o mundo quer, alimentos que tenham em sua composição menos aditivosquímicos, e que primem pela saudabilidade, segurança, sabor, nutrição, qualidade em geral. Produtos que tenham mais a “mão do homem” em seu processo de fabricação. E isso não é só demanda da Europa, dos Estados Unidos ou do Japão. Na China mesmo, cerca de um terço da população já tem renda suficiente para adquirir e consumir esses alimentos.

Esta é uma grande oportunidade para o Brasil. Somos grandes exportadores de commodities, de alguns produtos mais beneficiados, e podemos também ser gigantes em alimentos de maior valor agregado. Mas, para tanto, precisamos de políticas públicas e modelos de negócios que estimulem o desenvolvimento dessas cadeias produtivas.

A imagem do agronegócio brasileiro, do ponto de vista ambiental, tornou-se negativa na comunidade internacional nos últimos anos. Como mudar isso?

Nesse aspecto, é preciso entender que muitos países produtores agrícolas têm medo da força e competência do agro brasileiro. Eles estão perdendo sua capacidade produtiva e competitiva e reagem com um discurso, muitas vezes, de caráter ideológico-protecionista.

O desmatamento ilegal que existe no Brasil hoje não é coisa de agricultor, e sim de grileiros, de gente que não atua, e – se atua, precisa ser extirpado da cadeia produtiva do agro responsável. Se existe produtor que age contra a legislação ambiental, ele está, obviamente, errado, e precisa ser reprimido e penalizado. No entanto, também falta fiscalização, o governo tem que monitorar, vigiar, agir e prender. Agora, a retórica da atual administração federal também não ajuda. É pouco diplomática, e o discurso precisa ser calibrado. O Brasil precisa ser visto como uma grande potência agroambiental, o que nós, de fato, somos.

Confira destaques do dossiê sobre Paolinelli, que foi encaminhado ao Conselho do Prêmio Nobel:

:: Revolução agrícola sustentável

Um dos fatos mais marcantes na segunda metade do século 20 foi a revolução agrícola sustentável realizada nos trópicos. Esse evento, que aconteceu a partir da década de 1970, no Brasil, mudou o cenário da segurança alimentar no País e no mundo, com a ocupação econômica do Cerrado brasileiro. Foi uma revolução pacífica e embasada na sustentabilidade, liderada por Paolinelli. Ele abriu uma nova página para a história da agricultura mundial.

Como professor, secretário de Estado, ministro da Agricultura, membro do Congresso Nacional e líder rural, Paolinelli comandou o desenvolvimento de sistemas de produção para os biomas do Cerrado, dando origem à revolução agrícola tropical sustentável. Dedicou-se a essa tarefa a vida inteira e hoje mantém sua cruzada pela segurança alimentar e pelas contribuições que a agricultura tropical pode oferecer para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU).

:: Principais dimensões

Na década de 1970, o Brasil era importador líquido de alimentos básicos e a revolução agrícola garantiu a autossuficiência alimentar e a redução do peso da alimentação nos gastos de consumo das famílias. O País se transformou no fiel da balança da segurança alimentar mundial, representando hoje 16,2% da exportação mundial de alimentos básicos.

Para impulsionar esse salto agrícola, Paolinelli priorizou a ciência. Estruturou um sistema de pesquisa agropecuária tropical único no mundo, cujo grande destaque foi a Embrapa, a maior empresa de tecnologia agropecuária do mundo tropical.

Paolinelli também estabeleceu as raízes que a revolução agrícola tropical sustentável precisava para crescer e frutificar. Como ministro criou instituições, políticas e organizações que viabilizaram a modernização da agricultura tradicional. Uma das principais foi o Programa de Desenvolvimento dos Cerrados (Polocentro), que formulou políticas agrícolas para a região. Essa e outras iniciativas foram essenciais para institucionalizar a estrutura de governança que impulsiona a expansão da revolução agrícola tropical até hoje.

:: Alimentos e efeito poupa-terra

Atualmente, os 1.102 municípios situados no bioma Cerrado produzem 46% da safra de soja do País, 49% do milho, 93% do algodão e 25% do café. Na pecuária é responsável por 32% do rebanho de bovinos, 22% dos frangos e 22% dos suínos, segundo os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Entre 1970 e 2020, a produção brasileira de grãos, que era de 39,4 milhões de toneladas, cresceu 6,4 vezes e atingiu 251,9 milhões de toneladas, enquanto a área plantada apenas dobrou, passando de 32,8 para 65,2 milhões de hectares.

Esse aumento da produtividade proporcionou um efeito poupa-terra de 128 milhões de hectares, de 1961 a 2018. Essa seria a área adicional necessária para atingir a produção de cereais e oleaginosas do Brasil em 2018 (230,6 milhões de toneladas), caso não tivessem ocorrido ganhos notáveis de produtividade no período. Como resultado dessa eficiência, o Cerrado brasileiro conserva 54% de área com cobertura vegetal natural, sendo que 35% é protegido por lei e vedado à exploração econômica.

:: Desenvolvimento humano e energia limpa

O salto produtivo proporcionado pela revolução agrícola tropical sustentável reduziu o custo relativo da alimentação dentro do orçamento familiar e liberou renda para outros consumos, dinamizando a economia brasileira. Também interiorizou o desenvolvimento, gerando empregos, aumento de renda e melhoria do Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) nas regiões de base agropecuária, com elevação de 73% de 1990 a 2010. Paolinelli ainda participou da criação do Proálcool (1975), o primeiro programa mundial de produção em larga escala de combustível limpo e renovável a partir de biomassa.

:: Sustentabilidade e paz

Do fomento tecnológico à segurança alimentar, dos saltos de produtividade ao desenvolvimento econômico e melhoria social – todas as conquistas alinharam-se com conceitos de sustentabilidade. Tanto que 11 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU recebem até hoje impactos positivos do legado da revolução agrícola tropical sustentável de Paolinelli.

Por meio do Instituto Fórum do Futuro, que também preside, Paolinelli se mantém atuante, mobilizando organizações científicas para a realização do Projeto Biomas Tropicais, sonhando com nova revolução científica e sustentável na agricultura dos trópicos, a favor das pessoas e pela paz.

 

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