Edição 24 - 24.03.21
Enquanto ainda navegamos em águas turvas no que diz respeito ao combate à pandemia da Covid-19 e proteção da população, situação precária resultante da combinação entre a gravidade da doença e os desencontros das mais diversas autoridades governamentais sobre como podemos e devemos combater essa doença, representantes de todos os elos das cadeias produtivas do agronegócio não arredam pé do campo de batalha. O agro não parou, e nunca vai parar. Exatamente por isso, trouxemos aqui alguns relatos de profissionais que estão na linha de frente dessa jornada para mostrar como o setor está se adequando, se superando e se renovando diante dessa nova realidade para garantir o abastecimento da sociedade, dentro e fora do País. Acompanhe.
QUALIDADE NO CAFÉ E NA SAÚDE
Anderson Mitsuhiro Minamihara – Administrador de empresas e diretor de Qualidade e Estratégia da Café Minamihara
Quando a Covid-19 começou a aterrorizar o mundo, Anderson Minamihara vivia uma dupla jornada de trabalho, com uma agenda bastante concorrida e dividida entre os negócios da família, que têm o Café Minamihara como carro-chefe, e o cargo de secretário do Desenvolvimento da cidade de Franca (SP), que ocupou de dezembro de 2018 até dezembro do ano passado. O fato de estar envolvido com a prefeitura foi até favorável naquele início da pandemia, pelo acesso a um volume maior de informações sobre o que estava acontecendo. Por outro lado, se desdobrava para manter o ritmo da empresa familiar. “Uma grande mudança foi a interrupção das visitas de estrangeiros a nossa propriedade, clientes que querem conhecer a produção”, diz o empresário. Anderson tem um relacionamento comercial intenso com diversos países, sobretudo na Ásia, como mostramos aqui na edição 10 da PLANT PROJECT, na série Top Farmer Nova Geração. Na ocasião em que fomos a Franca visitar a sede do Café Minamihara, por exemplo, a família Minamihara recebia Yuko Yamada Itoi, proprietária da Cafe Time, empresa japonesa de torrefação e comercialização de cafés especiais de Kyoto, e jurada internacional do Cup of Excellence (COE). A situação mudou completamente de março do ano passado para cá. “Tivemos de buscar uma triangulação via Europa para enviarmos amostras de café ao Japão. E mesmo assim era complicado, pois o material, amostras verdes, tem de ficar em quarentena, sem sabermos como é armazenado e por quanto tempo. Isso impacta nas características que definem a qualidade do café”, afirma o empresário. “Além disso, estão vindo poucos navios para o Brasil, a fila de embarque de contêineres teve alterações. Já estava complicado no ano passado, e continua este ano.”
No mercado nacional, também houve entraves porque muitos clientes, donos de restaurantes, tiveram de interromper suas atividades, como Alex Atala. Dentro de casa, os desafios não foram menores. “No início, até meu pai estava meio receoso, com dúvidas se acreditava ou não no que estava acontece acontecendo. Agora está mais seguro, usando máscara, falando a respeito. E continua muito na lida”, comenta Anderson. Seu pai, Getúlio Minamihara, participa ativamente das atividades agrícolas, tanto do café quanto do abacate, atividade que responde por 40% do faturamento da empresa. Ambas são trabalhadas de forma totalmente orgânica.
Se o processo de conscientização exigiu paciência na própria família, não foi diferente com as equipes. Anderson comenta ter sido complicado no começo da pandemia, pois houve uma resistência de parte das pessoas a entender a gravidade do momento e a se adequar aos protocolos de segurança. “Embora já usassem máscara na rotina diária, muitos não queriam mantê-las nas áreas comuns. O pessoal da segurança do trabalho procurou conversar, orientar”, diz. Em casos extremos, foi necessário aplicar advertências para quem recusava as novas regras.
Entre as medidas de prevenção, a empresa distribuiu álcool gel por todas as áreas comuns e fez uma adequação do transporte dos colaboradores. O deslocamento dentro da propriedade, antes feito só por um veículo, passou a contar com dois, reduzindo o número de pessoas por viagem e, dessa forma, minimizar as possibilidades de contágio. Houve uma mudança de hábitos para que todos cuidassem melhor de sua saúde. A equipe do administrativo, por exemplo, passou a ter aula de ginástica laboral todas as manhãs. Uma nova equipe formada por profissionais vindos de São Paulo, dedicada a projetos mais recentes, adotou a bicicleta como meio de transporte.
Tudo isso fortalece a prevenção, reduz as possibilidades de contágio, mas não blinda as pessoas, que podem ser infectadas pela Covid de diversas maneiras. E nem sempre é possível saber como isso ocorreu. Um dos membros dessa nova equipe do Café Minamihara foi contaminado, ficou três meses afastado para se tratar e está retornando agora. “Ele trabalha com qualidade de café, então o olfato é essencial. No momento, está treinando, provando café e ajudando na preparação dos manuais que estamos desenvolvendo sobre tudo o que é feito na empresa”, diz Anderson.
O empresário afirma que o reforço no rigor dos protocolos de higiene permanecerá. “Como também temos um posto de combustível, já pensávamos em protocolo de higiene como no Japão. Lá, os banheiros são limpos a cada uma hora, mesmo que ninguém os tenha usado. Hoje, na nossa nova estrutura, limpamos todos os equipamentos antes e depois de usá-los”, diz Anderson. Essa nova estrutura é um espaço com beneficiamento e torrefação de café, que até gerou reforço para a equipe. O Café Minamihara contratou como gerente de operações Martha Grill, vencedora do Campeonato Brasileiro de Barismo em 2019.
Ainda sobre mudanças e conceitos que vão continuar, Anderson é categórico: “O que vou levar para a vida é a importância de ser mais saudável. A pandemia deixou isso muito claro, quem já tinha algum problema de saúde teve sintomas mais complicados”. Adepto do crossfit, o empresário ficou afastado das práticas esportivas quando estava na Secretaria de Desenvolvimento e tinha dois empregos. Agora não quer mais se afastar.
MUDANÇA DE VIDA NA PANDEMIA
Jaime Dias – Agroecólogo, especialista em segurança do trabalho e coordenador operacional da Produzindo Certo
A Produzindo Certo assessora empresas do agro para garantirem uma rede de fornecedores segura, confiável, verificada sob os mais rigorosos padrões de comprometimento socioambiental. Em novembro de 2019, a partir de um projeto piloto em parceria com a Philip Morris, a plataforma integrou ao sistema 123 propriedades que produzem tabaco no Sul do País. A maioria está em Santa Cruz do Sul (RS), cidade que desde o início deste ano se tornou a nova residência de Jaime Dias, coordenador operacional da Produzindo Certo, até então morador de Goiânia (GO), onde está a sede da empresa. Considerando que ele é o profissional à frente dessa aliança, a mudança de endereço não chega a surpreender. Mas nada é previsível nesse trajeto quando no meio do caminho há uma pandemia mundial provocada por um novo vírus, ainda cheio de mistérios, e que já dura um ano sem previsão de terminar.
No início da pandemia da Covid-19, Jaime estava em Uberlândia, no Triângulo Mineiro. “A gente passou a ouvir as notícias de que o problema começou na China, que muitos brasileiros no exterior passaram a ser repatriados. Até que tudo começou a fechar. Eu tinha uma visita agendada a uma propriedade e o dono cancelou”, recorda. “Veio toda aquela coisa de álcool em gel, ainda não sabíamos direito o que estava acontecendo. A gente passou a pedir comida, em vez de sair para almoçar. Na semana seguinte entramos em home office.” Jaime decidiu então retornar para sua cidade natal, Ponte Nova, também em Minas Gerais, e ficou um mês por lá.
Com o crescimento da demanda dos produtores e os trabalhos sendo retomados, Jaime precisava ir para Santa Cruz do Sul,dar andamento nas atividades. “Como já não tinha voos, fui de carro. A viagem durou uns dois dias, pois são cerca de 2 mil quilômetros de distância, e foi tensa, porque havia barreiras nas estradas. Não sabia se conseguiria chegar”, conta. Desde o princípio da pandemia, a Produzindo Certo estabeleceu um protocolo de segurança: visitas somente agendadas, com proteção dos dois lados. “A gente só ia às propriedades após negativar no teste de Covid. Eu fazia praticamente toda semana. Era horrível aquele cotonete no nariz o tempo todo, mas se não nos cuidássemos, poderíamos nos tornar agentes de transmissão. Eram 123 propriedades, eu ia a quatro por dia”, diz Jaime.
A primeira etapa do projeto com aPhilip Morris, que envolve uma visita mais completa para conhecer os produtores e as propriedades, aconteceu antes do coronavírus. As duas fases seguintes, para entrega dos protocolos e vistoria das
evoluções, ocorrem já em meio à pandemia. “Aí reduzimos as visitas para apenas o necessário, garantindo a execução do trabalho, nossa segurança e a do produtor. Cortamos até o cafezinho e o chimarrão, tão importantes nessa relação”, conta Jaime. Nas visitas, o coordenador também levava um kit criado pela Produzindo Certo para os agricultores, contendo um frasco de álcool em gel e duas máscaras. “Foi muito bem aceito.”
Entre outubro de 2019 e outubro de 2020, a equipe da Produzindo certo visitou três vezes cada uma das 123 propriedades. O resultado desse trabalho foi a ampliação do projeto para todos os fornecedores da Philip Morris – um total de 5 mil propriedades..
PROTOCOLO SANITÁRIO EM DIA
Guilherme Coelho – engenheiro agrônomo, proprietário da Santa Felicidade Agropecuária e presidente da Abrafrutas
Uma das grandes preocupações da fruticultura, no início da pandemia, foi com a segurança das pessoas, por ser o segmento agro que mais emprega, segundo o presidente da Abrafrutas (Associação Brasileira dos Produtores Exportadores de Frutas e Derivados), Guilherme Coelho. “Ficamos assustados”, diz ele. De a acordo com a entidade, são cerca de 5 milhões de empregos. Outro receio da atividade vinha do risco de queda no consumo. “Quando começou mesmo a pandemia, acreditamos que o consumo de alimentos ficaria mais concentrado em carne, arroz, feijão, café, porque as pessoas estariam comendo mais em casa”, comenta Guilherme. Para seu alívio e de todo o segmento, o cenário foi bem diferente.
Em relação ao consumo, além de não haver redução, as pessoas passaram a se conscientizar ainda mais sobre a importância nutritiva das frutas. Isso se refletiu também nas vendas para o mercado externo, que seguiram crescendo em 2020. “Ao final do ano, o balanço das exportações foi de 1,2 milhão de toneladas de frutas com faturamento de US$ 875 milhões, respectivamente, 6% e 3% a mais do que em 2019”, afirma Guilherme. Quanto à segurança dos trabalhadores, o dirigente conta que o fato de já conviverem com diversas exigências para obter certificações, o processo de adequação aos protocolos de saúde da Covid-19 foi tranquilo.
Guilherme produz uva sem semente e manga no norte da Bahia, bem próximo da divisa com Pernambuco. Sua propriedade, a Santa Felicidade Agropecuária, está localizada no município baiano de Casa Nova, a cerca de 65 quilômetros de Petrolina (PE), onde mora. Durante o período de safra, no segundo semestre, a empresa chega a contar com 600 pessoas, incluindo equipes de campo e do packing house. “Fora da safra são 400”, diz o produtor. “Durante esse período de pandemia, não tivemos demissões”, acrescenta, orgulhoso.
Engenheiro agrônomo formado na Unesp, de Jaboticabal (SP), Guilherme garante que está sempre no campo, presença importante para garantir a implementação das medidas de segurança contra a Covid-19. “Na plantação de uva, por exemplo, temos filas de 3 em 3 metros. Para a colheita, fazemos fila sim, outra não. As pessoas também devem manter a distância de 3 metros umas das outras”, descreve. “Intensificamos a orientação para as equipes, os coordenadores estão mais atentos à rotina de trabalho e de prevenção e espalhamos uma série de avisos pela empresa.”
Na área do packing house, também já havia uma série de protocolos sanitários, boas práticas de higiene. Na seção das uvas, por exemplo, ninguém usa esmalte nem anéis e a cada duas horas é preciso lavar as mãos. São informações que as pessoas já recebem assim que são contratadas. “O que tivemos de implementar foi a sanitização com pulverização dos ônibus que transportam os funcionários, o uso de máscara e de álcool em gel e o distanciamento”, diz Guilherme. “A adesão foi tranquila, porque as equipes já são mais esclarecidas para essas questões de higiene.”
Mudança importante que Guilherme destaca neste período de pandemia está na relação das empresas, de maneira geral, com seus colaboradores. “Antes da Covid a maior preocupação das empresas era o resultado do negócio, depois passaram a se preocupar mais com a saúde das pessoas, inclusive a condição psicológica. Tem muita gente abalada pela falta de liberdade, sem poder encontrar familiares e amigos”, diz o empresário. Ele cita, inclusive, dados de uma pesquisa realizada pela consultoria Grant Thornton, veiculados na revista Exame: antes da pandemia, “atingir objetivos” era a prioridade número um para 31% das empresas pesquisadas em relação a seus funcionários; após a pandemia, 52% dessas companhias elegeram “estar aberto a mudanças” como item principal.
ATENDIMENTO À DISTÂNCIA
Paulo Garollo – engenheiro agrônomo e especialista em Desenvolvimento de Mercado da Bayer Brasil
Cada vez que Paulo Garollo visita uma fazenda para verificar algum talhão com seu cliente, o que só acontece em situações de extrema necessidade, cada um vai até aquele determinado ponto da lavoura com seu próprio carro. Durante todo o tempo que estiverem juntos no campo, têm de permanecer de máscara, mantendo pelo menos 2 metros de distância entre si, e carregar seu frasco de álcool em gel. Essa é a nova rotina de Paulo, engenheiro agrônomo e especialista em Desenvolvimento de Mercado da Bayer Brasil, após a pandemia da Covid-19. Dele e de toda a equipe técnica da empresa.
Paulo conta que cerca de 60% do seu trabalho era feito presencialmente, e que visitava fazendas de clientes diariamente. Agora, idas ao campo somente se permitidas após consenso com a diretoria da empresa. O cuidado com a prevenção vem também do outro lado. “Muitas propriedades, quando solicitam nossa visita física como imprescindível, exigem agendamento e só permitem nosso acesso se estivermos dentro das regras de segurança da OMS para o momento de pandemia”, diz o agrônomo.
Aprender a lidar com o atendimento à distância, sem o contato “olho no olho”, foi um dos principais desafios de Paulo nesse período, pois essa relação sempre foi muito forte no agro. As soluções tecnológicas e as ferramentas digitais ajudaram a contornar essa situação. Na verdade, até intensificaram a conexão. conexão “Deixamos de estar presentes fisicamente, mas no virtual estamos cem por cento presentes. Haja tempo para tantos encontros on-line”, comenta.
A pandemia acelerou a transformação digital no meio rural, e agora é preciso ajustar o processo. “Depois do período de adaptação, o desafio foi ter que lidar com a presença constante da tela pra tudo, né? Nossos celulares e computadores passaram a ser nosso contato diário com o mundo, e se desligar desse universo também acaba sendo difícil”, diz Paulo. No entanto, essa mesma intensidade da presença digital comprovou que muita coisa pode ser resolvida remotamente. Tanto que aplicativos de mensagens como o WhatsApp se tornaram ferramentas indispensáveis na relação equipe técnica e clientes, da mesma forma que as plataformas de reuniões. “Tecnologia e colaboração são as palavras de ordem para garantirmos a produção de alimentos”, afirma o agrônomo. “O cenário que vivemos hoje também acabou colocando, de maneira mais próxima e tangível, o valor da agricultura e da ciência para a sociedade.”
Para reforçar a importância dos protocolos de segurança na pandemia e dar suporte a produtores e funcionários das propriedades, a Bayer criou um treinamento virtual, chamado “Lidando com a Covid-19 na fazenda”. Trata-se de um novo módulo da iniciativa BayG.A.P., fruto da aliança com a Global G.A.P. e que fica disponível gratuitamente por meio de uma parceria com o Instituto Interamericano de Cooperação para Agricultura (IICA).
MAIS CUIDADO NO FRIGORÍFICO
Douglas Haas de Oliveira – médico veterinário e fiscal federal agropecuário do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.
Desde 2012, o médico veterinário Douglas Haas de Oliveira trabalha na unidade frigorífica da empresa Barra Mansa Alimentos, em Sertãozinho (SP). Ele é fiscal federal agropecuário do Mapa e faz a inspeção dos animais antes e depois do abate, ou seja, é um dos profissionais responsáveis pela liberação para que os produtos recebam o selo do Serviço de Inspeção Federal, o S.I.F., vinculado ao Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal (Dipoa)
Pelo tempo que está alocado na planta,é comum Douglas ser procurado pelos pecuaristas, vez ou outra, para perguntarem algo sobre os animais, se houve algum problema. Com a pandemia da Covid-19, essas consultas passaram a acontecer de forma muito mais restrita e sob rígidas medidas de prevenção. “A gente não deixou de atendê-los, mas tem evitado, e quando atende é com cuidado redobrado”, afirma o fiscal. Essa foi uma das providências tomadas dentro do frigorífico para reduzir as possibilidades de contágio da doença.
Outra alteração relevante na rotina de trabalho de Douglas é o reposicionamento de sua área de atuação dentro da planta. Segundo o veterinário, o trabalho foi reorganizado para restringir um pouco esse espaço e evitar a necessidade de circular muito pelas estruturas do frigorífico. As boas práticas de prevenção sanitária foram apenas intensificadas, com o uso de face shield, por exemplo, pois já eram bem severas, inclusive com álcool em gel, higienização das mãos e limpeza de maneira geral. “Esse frigorífico tem mil funcionários, e o pessoal sabe da importância de limpar bem as mãos. Até porque, se não fizer a higienização de forma eficiente, pode contaminar uma peça de carne, e isso impacta em todo o processo”, comenta.
Douglas conta que houve uma preocupação maior em reforçar esse entendimento, de manter mais clara essa necessidade. Os momentos de intervalo, por exemplo, ganharam mais atenção nessa rotina de prevenção, para que não haja aglomerações. As medidas de segurança aumentaram em relação aos caminhões, que passaram a ser desinfectados. Para o fiscal do Mapa, dificilmente esses cuidados serão reduzidos, até por não sabermos quando exatamente a pandemia vai terminar, e porque há uma exigência muito grande em outros países. “É um momento que gera transformação. Quando tem obstáculo no dia a dia, as pessoas precisam buscar soluções, e muitas são definitivas”, afirma.
A pandemia chegou em um período no qual crescia a demanda dos países exportadores, gerando aumento de turnos e maior procura para os processos de habilitação de frigoríficos. Conforme a doença foi avançando, muitos fiscais foram poupados, pois devido à idade pertenciam ao grupo de risco. Essa combinação de fatores levou à abertura de concurso para possíveis contratações. “A ministra Tereza Cristina é bem atuante, sabe que é preciso ter mais gente e está trabalhando para isso”, diz Douglas
O fiscal do Mapa, que também já trabalhou na sede e na unidade regional do S.I.F., na cidade de São Paulo, mais em gestão, tem pelo menos uma percepção positiva de todo esse cenário de pandemia. “Ganhamos mais visibilidade na saúde pública para uma coisa que já fazíamos, mas em silêncio, ali aquele trabalho de formiguinhas. Agora as pessoas estão mais preocupadas com a segurança do que estão comprando e consumindo”, comenta Douglas. Para ele, esse novo quadro é favorável a toda a cadeia, pois o agro tem todo um cuidado com a produção dos alimentos do início até a chegada ao consumidor, e as pessoas vão deixar de se preocupar apenas com o preço da comida.
O ALIMENTO VAI CHEGAR
Rafael Pereira Gimenes – administrador de empresas e diretor executivo da G Martins Logística e Transportes Ltda.
No final do ano passado, por conta de uma viagem, Rafael Pereira Gimenes fez o teste da Covid-19. Era apenas por prevenção, mas foi surpreendido com o resultado positivo, e sua maior preocupação era o risco de contaminar outras pessoas, sobretudo seu pai. “Ele é o dono da empresa, e acabou ficando afastado”, diz. Rafael é administrador de empresas, com formação e mestrado pela FGV (Fundação Getulio Vargas), e há dois anos e meio passou a trabalhar com o pai na gestão da G Martins Logística e Transportes Ltda.
A empresa, localizada em Osasco (SP), foi fundada há 45 anos e nos últimos dez se especializou no transporte de alimentos, com o foco bastante voltado a produtos lácteos e distribuição ampla na cidade de São Paulo. A G Martins é parceira, por exemplo, da Letti, a marca de produtos frescos da Agrindus S/A, que já mostramos aqui na PLANT PROJECT, na edição 18. Rafael conta que a adequação da rotina de trabalho no início da pandemia foi desafiadora, pois havia muitas dúvidas, seja em relação à contaminação, seja sobre prevenção. Com uma dificuldade extra devido ao tipo de prestação de serviço. “Somos em oito pessoas no administrativo, mas por se tratar de expedição e recebimento, não conseguimos adotar o home office”, diz o administrador.
Uma coisa era certa: a empresa tinha de seguir como todo o agronegócio. “Quando começamos a falar em pandemia, sabíamos que não poderíamos parar. O transporte precisava continuar normalmente, porque se faltasse alimento seria o caos. Ainda mais por trabalharmos com alimentos perecíveis. Essa continuidade tranquilizou as pessoas”, afirma Rafael. Inclusive, foi importante deixar muito claro que tipo de itens transportavam. “Teve um período em que as empresas tiveram de fechar e recebemos a visita de guardas questionando nosso funcionamento. Explicamos que estávamos entregando comida.”
Claro que foi necessário todo um processo de adequação aos protocolos de saúde, e Rafael preferiu pecar pelo excesso a pecar pela omissão. “No início compramos muito álcool em gel, só não foi mais para não tirar de outras pessoas, e contratamos uma costureira para fazer as máscaras. Passamos a medir a temperatura de todos e se alguém apresentasse nível elevado era encaminhado para fazer exames. Até consultei nossa advogada para saber se a empresa tinha de oferecer o teste”, conta o gestor. Rafael lamenta não terem mais flexibilidade, devido às leis trabalhistas, para organizar as agendas com os funcionários, como reduzir os dias e estender os horários.
Embora o cenário de pandemia no Brasil ainda seja perturbador, Rafael diz que esse período trouxe mais surpresas positivas do que negativas. “Os primeiros três meses foram de muitas dúvidas, mas as pessoas têm um potencial de adaptação muito grande. E passamos a ver um lado diferente do ser humano. Houve motorista que adesivou o caminhão para mostrar que transportava alimento, até pelo orgulho de estar garantindo o abastecimento”, avalia. No entanto, Rafael sabe que há muito a ser feito. “Ainda tem gente que se refere à situação como ‘na época da pandemia’, como se tivesse acabado.”
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