Edição 22 - 27.10.20
Por André Sollitto
Qualquer brasileiro que foi criança nos últimos 60 anos provavelmente já leu pilhas de gibis criados por Mauricio de Sousa. São comuns as histórias de pessoas que deram os primeiros passos da alfabetização lendo as histórias da Turma da Mônica, criação mais famosa do cartunista, e continuaram (e continuam) matando a saudade da Turminha, como é carinhosamente chamada pelos leitores. Mas tão querido e popular como Mônica, Cebolinha, Magali e Cascão é o caipira Chico Bento.
“O Chico está alí, empatadinho com a Mônica, na preferência dos leitores. As crianças das grandes cidades adoram conhecer os hábitos, alguns desconhecidos, dos meninos da roça. E a busca das revistas do Chico Bento pelos adultos demonstra uma saudade estranha do que não foi vivido. Uma ‘viagem’”, conta Mauricio.
O personagem faz essa conexão do campo com a cidade desde meados da década de 1960. O que nem todo mundo sabe é que Chico Bento, na verdade, não foi o primeiro personagem da roça retratado por Mauricio. Ele havia sido convidado para escrever uma página em quadrinhos para a CooperCotia, a Cooperativa Agrícola de Cotia. Assim, nasceram “Zezinho e Hiroshi”, em 1961, como era chamada a página. Foi só em 1963 que Chico Bento apareceu. Ao contrário dos outros dois, usa expressões do campo e fala um português “incorreto”. Não se trata de uma caricatura, no entanto, mas uma homenagem. “Chico Bento tem muito de um tio-avô meu e um pouquinho de mim mesmo, que cresci no interior paulista”, conta o cartunista.
Mauricio nasceu em 1935, em Santa Isabel, mas mudou-se para Mogi das Cruzes com meses de vida. Trabalhou como repórter policial em São Paulo, ilustrando seus textos com desenhos próprios, até emplacar a primeira tira, protagonizada pelo cãozinho Bidu. Cebolinha veio depois, seguido por vários de seus personagens mais famosos. Hoje, comanda, ao lado da família, a Mauricio de Sousa Produções (MSP), um dos maiores estúdios de animação do mundo. Já lançou diversas revistas, transformou jogadores de futebol como Pelé e Neymar em temas de HQs, tem um parque temático na capital paulista, adaptou a Turma da Mônica para os cinemas e reconquistou o público adulto leitor de gibis graças a uma série de graphic novels com seus personagens reimaginados no traço de outros cartunistas. Já foi tema de samba-enredo da Unidos do Peruche, em 2007, e desde 2011 ocupa a cadeira 24 da Academia Paulista de Letras.
Esse breve resumo de sua trajetória mostra que Mauricio não vive apenas de glórias passadas e continua se reinventando sempre. Chico Bento, por exemplo, passou por transformações. Foi criado com um perfil atemporal: “Chico é um menino esperto com as coisas da natureza, respeitoso com os pais, adora e curte as redondezas de sua casa, come frutas direto dos pés, nada no ribeirão e sua ligação com a cidade grande se dá via seu primo da cidade. Nas poucas vezes que vai para a cidade grande tem muita admiração e sustos com o chamado ‘progresso'”, conta Mauricio. Mas como a situação do homem do campo mudou bastante desde que o cartunista fez as primeiras histórias para a CooperCotia, as histórias do Chico Bento também mudaram. Em 2013, foi lançada a revista Chico Bento Moço. “Moço porque na roça é assim que chamam gente jovem”, brinca o autor. “Ele faz 18 anos e entra em uma Faculdade de Agronomia para cuidar, com conhecimento de causa, das plantações nas terras do seu pai”. O gibi veio logo depois de Turma da Mônica Jovem, em que os personagens são retratados como adolescentes e a trama acompanha dilemas mais apropriados à faixa etária de seus leitores. Ambas as revistas são feitas em versão mangá, como é chamado o estilo de quadrinho japonês.
A atualização das histórias, no entanto, não quer dizer que o Chico Bento “tradicional” das histórias não exista ainda no Brasil. “Basta visitar as cidades do interior do Brasil. Sempre tem aquele roceiro bondoso, sabido, ligado às coisas da natureza”, diz Mauricio.
A preocupação com natureza, inclusive, faz com que a atuação de Chico Bento não seja limitada às páginas dos gibis. Desde 2014 ele é “parceiro” da WWF-Brasil, uma das maiores organizações de conservação da natureza no mundo. O personagem já foi nomeado embaixador da proteção das nascentes no Pantanal. Em agosto deste ano, foi promovido e tornou-se embaixador oficial da organização. E o que isso significa na prática? Por meio de desenhos animados, livros e HQs customizadas, o projeto quer promover mensagens socioambientais que ensinem o descarte correto de materiais, o incentivo à reciclagem e a adoção de práticas de conservação. “Garantimos que o recado seja passado da maneira mais eficaz possível, de forma lúdica e didática”, afirma Mauricio.
“Maçã da Mônica”
A ligação de Chico Bento e até da Turma da Mônica com o agronegócio também vai além das histórias em quadrinhos. O exemplo mais conhecido é o da Maçã da Turma da Mônica. “A história de como tudo aconteceu explica nossa proximidade com esses produtos in natura”, diz Mauricio. Ele conta que visitou uma plantação e ficou surpreso quando viu que as menores maçãs eram colocadas de lado para se transformar em suco ou alimento de animais, já que apenas as maiores maçãs eram separadas para serem vendidas. Ele achou aquilo um desperdício, já que as pequenas maçãs eram ideais para serem colocadas nas lancheiras das crianças. “Com a vantagem de que eram comidas inteirinhas, ao contrário das grandes que eram descartadas na metade.” Sugeriu a criação dos pacotes de maçãs da Turma da Mônica. “Foi um sucesso imediato. E virou referência de mercado junto às crianças.”
Tanto virou referência que hoje é comum usar a expressão “maçã da Mônica” como sinônimo para as frutas diminutas. Elas são produzidas pelo Grupo Fischer, uma das maiores indústrias de suco de laranja do mundo. A empresa lançou também outras frutas com a “aprovação” dos personagens, como pêras e kiwis. A Trebeschi Tomates, sob a gestão de Edson Trebeschi, Top Farmer Nova Geração, também tem uma linha de produtos com as criações de Mauricio. Chico Bento aparece na embalagem de um milho doce pronto para o consumo, enquanto a Turma da Mônica ilustra as caixinhas de tomates sweet grape. “Nós não apenas colocamos nossos personagens para estimular crianças a comerem mais produtos naturais como ajudamos o produtor a conhecer melhor uma nova parte do seu público consumidor”, diz Mauricio.
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