Plant Talks com Fernando Degobbi

Por Luiz Fernando Sá Todos os anos, na virada de julho para agosto, a cidade de Bebedouro, no inter


Edição 21 - 21.09.20

Patrocínio: SAP

Por Luiz Fernando Sá

Todos os anos, na virada de julho para agosto, a cidade de Bebedouro, no interior de São Paulo, ganha movimento incomum. É nesse período que acontece a Coopercitrus Expo, uma das principais feiras agropecuárias do País, organizada pela cooperativa sediada na cidade. Este ano, apesar das limitações impostas pela pandemia de Covid-19, a afluência foi ainda maior – mas totalmente direcionada aos computadores da Coopercitrus. Totalmente digital, a feira atingiu recordes de audiência e de volume de negócios, segundo o presidente da Coopercitrus, Fernando Degobbi. Desenvolvido em tempo recorde, o evento virtual foi apoiado em uma poderosa infraestrutura tecnológica construída pela cooperativa na última década, que a colocou na dianteira em vários processos de gestão e agricultura digitais – foi uma das pioneiras, por exemplo, na criação de um departamento de tecnologia agrícola e no uso de drones para pulverização de precisão. Entusiasta da inovação, Degobbi está há 15 anos na cooperativa, onde ocupou várias posições até chegar ao comando executivo. Nesta entrevista à série PLANT TALKS, ele conta como a cooperativa – uma das maiores do Brasil em número de associados – ajuda a difundir a digitalização na agricultura e, assim, trazer mais resultado aos produtores.

Fazemos esta entrevista em uma semana especial para a Coopercitrus. O maior evento da cooperativa está acontecendo e, pela primeira vez, de forma digital. É uma transformação muito grande. Como avalia a experiência?

É mais trabalhoso do que uma feira física, por incrível que pareça. Estamos fazendo exatamente no período em que ela tradicionalmente acontece. Seria a 21ª edição da feira física e queríamos fazer algo que permitisse o acesso dos cooperados, o acesso dos visitantes, que a gente sempre recebe de todo o Brasil, e também que as empresas pudessem expor. A gente se envolve muito em agricultura de precisão, em tecnologias digitais, as quais demonstramos na feira. Conseguimos um parceiro especializado em processos digitais que aceitou fazer esse trabalho, e tomamos a decisão de fazer algo que fosse com cara de feira, e não um site de compras, algo plano que não desse nenhuma emoção, que não proporcionasse nenhuma experiência. Conseguimos entregar. Estamos no meio da feira e já são mais de 38 mil acessos, 9.380 pedidos que conseguimos efetivar on-line, mais de 100 conteúdos. Estamos recebendo mais visitantes do que na feira física, realizando mais negócios e conseguindo apresentar mais conteúdo também.

É uma tendência que veio para ficar?

Essa é uma cultura que você vai desenvolvendo. Faz dez anos que a gente investe em CRM, que temos processos de interagir com o cooperado à distância. Nós já temos um aplicativo, uma marca registrada nossa inclusive que se chama Campo Digital. Ele permite ao produtor acessar demandas de serviços, como registros de análise de solo, baixar mapas de taxa variável de aplicação, baixar mapas de plano de voo de drone… Nós já temos mais de 50 mil propriedades georreferenciadas no sistema. Há mais de três anos que não tem catálogo de papel aqui e nem pedido de papel, é tudo através de dispositivos móveis. São mais de 450 profissionais da Coopercitrus ligados na plataforma de CRM. O que nós fizemos agora foi juntar toda essa inteligência, esse trabalho que foi feito durante todos esses anos, com a plataforma da feira. A experiência é 360, ela é 3D para todo mundo, e tem gente que está gastando horas lá. Tenho relatos de pessoas que não estão conseguindo ver tudo. Mas na hora de atender a demanda, o sistema é muito específico, tem que ter uma estrutura de suporte. Não dá ainda para fazer tudo 100% digital na plataforma.

No sistema integrado, vocês têm informações sobre cada cooperado, o que ele costuma comprar? O sistema da feira já o reconhece, conversa também com esse sistema de gestão da cooperativa?

Perfeitamente. Essa foi a grande sacada que possibilitou fazer todas as operações e que é legal, pois é um investimento de mais de R$ 2 milhões para deixar esta feira do jeito que ela ficou. Numa feira física, a gente investe em torno de R$ 1,8 milhão. Então, os investimentos foram até maiores. A gente acabou de fazer, em janeiro passado, o go live da mudança de ERP, com todo o apoio da SAP. Temos muitas atividades aqui. São mais de 150 CNPJs, revendas de insumos, concessões de várias máquinas, irrigação, parte de fábricas de rações, armazéns, citrus, café, são muitas unidades de negócio. Nós mapeamos mais de 1,2 mil processos quando nós fizemos essa mudança do ERP. Todo esse processo você não constrói do dia para a noite. Não é chegar, acordar e falar: “Eu vou fazer uma feira digital que vai funcionar, vou conseguir atender quem entra, eu vou ter um atendimento customizado”. Para chegar aí tem uma longa estrada, e a gente sempre apostou em tecnologia e investiu muito nas inovações que impactam nos resultados. Tivemos também sempre grandes parceiros, porque eu acho que ninguém consegue fazer nada sozinho. Se você não tiver uma estrutura que te apoie, que te dê suporte para realizar os projetos, eles não vão ter sucesso.

Diante de tamanho investimento, como tem sido a adesão dos cooperados à tecnologia?

É bastante interessante acompanhar a evolução do agronegócio. Para sair da agricultura 1.0 e chegar até a 3.0 – estamos falando da idade do cobre, que foi quando o homem começou a mexer com solo –, ao começo do século 20, quando o pesticida foi inventado, as primeiras máquinas e tratores começaram a ser inventados. Então, como aconteceu com tudo de tecnologia, houve uma lacuna enorme. E aí, viemos muito rapidamente nos últimos tempos. A agricultura 4.0 trouxe a tecnologia de agricultura de precisão, plantas geneticamente modificadas… Agora eu vejo na agricultura 5.0, cada vez mais, uma aprendizagem profunda, algoritmos cada vez com mais complexidade e dando soluções cada vez mais precisas, uma robótica de ponta que vai entrar na agricultura. E eu coloco outro ingrediente aí, que eu acho muito importante, que é a sustentabilidade. A tecnologia vai fazer você usar os recursos de forma mais inteligente. Mas eu costumo dizer que a gente precisa desembarcar a inovação e a tecnologia nas propriedades. De que forma? Através de serviços. Você precisa oferecer quando o produtor precisa, principalmente para produtor de média e pequena escala.

Normalmente, o primeiro a adotar a tecnologia de ponta é o grande produtor. Cabe à cooperativa o papel de ponte com o pequeno no processo de digitalização da agricultura?

A gente tem vivido várias experiências interessantes aqui, e tem quebrado paradigmas, inclusive aquele que fala que o grande não precisa da cooperativa. Ele também precisa. Temos grandes cooperados que têm abandonado projetos próprios, que exigiam muito tempo e recursos próprios, para usar serviços de tecnologia agrícola da cooperativa. Se você faz um projeto de plantio hoje, você consegue colocar, através dos algoritmos, 15% a mais de planta em uma mesma área. Consegue uma eficiência operacional para as máquinas 30% maior, mas precisa ter o piloto automático, as antenas receptoras do sinal de satélite. Tem que ser um especialista em algoritmo para colocar esse plano em prática e isso dá muito trabalho. Quando ele vê que a cooperativa montou toda essa estrutura, ele abandona e fala: “Não vou ter aqui gente dedicada para isso, porque eu não planto o ano inteiro, eu planto em um período, e é para isso que eu preciso”. O produtor está percebendo que vale a pena pagar para o serviço na hora que ele precisa. Antes o produtor não pagava pelo serviço. Pagava por aqueles ativos que ele punha a mão, tudo aquilo que realmente era imobilizado. E agora ele começa a perceber que, com a tecnologia, o serviço ganha muito valor. Um serviço de qualidade que entregue as coisas na hora que ele precisa e que impactem no resultado. É esse conceito que a gente precisa desembarcar com a tecnologia na propriedade. Como nós temos uma área muito diversificada, temos demanda o ano inteiro, o que viabiliza manter uma estrutura, o investimento que a gente tem para prestar serviços de tecnologia.

Qual é o índice de adesão de tecnologia entre os 38 mil cooperados da Coopercitrus?

No ano passado, nós atendemos 4.850 cooperados. Este ano, até julho, a gente já ultrapassou essa marca. Pretendemos chegar a 12 mil cooperados e estamos estruturando a cooperativa para atender todas as demandas que surgirem. A equipe já é bastante grande. Só de drone de pulverização a gente tem 18, todos eles com caminhão-baú, com calda, com jogo de bateria, com o técnico que vai aplicar. Investimos em caminhões para distribuir corretivos de taxa variável, então, o caminhão já vai com a carga. Às vezes é uma caçamba que já atende a demanda da propriedade. É uma logística rápida, você aplica à medida que o solo está precisando também. Trouxemos um cientista especializado que hoje trabalha exclusivamente no desenvolvimento de algoritmos. Depois a gente transforma em informação prática para poder ir lá solucionar problemas que o produtor não está enxergando. Em número de atendimentos, nós passamos de 40 mil. Tem vários atendimentos que são feitos para o mesmo cooperado e isso realmente ocupa muito a nossa equipe. No ano passado, tínhamos 60 e hoje a gente já está com 110 especialistas na área de tecnologia.

“A gente precisa desembarcar a inovação e a tecnologia nas propriedades.”

E em termos de área coberta por tecnologia agrícola, qual a porcentagem da área total?

É mais do que o percentual de cooperados, porque a gente tem grandes produtores e usinas que estão usando nosso serviço também. Diria que hoje a gente tem praticamente 60% da área coberta. Para você ter uma ideia de como as coisas se conectam, tem uma grande empresa que tem uma plataforma que trabalha com telemetria, com sensores de campo, e que trouxe para a gente uma oportunidade de expandir esse trabalho deles. Nós somos já o primeiro do mundo. Nós fizemos o maior número de licenças e já cobrimos 2 milhões de hectares com esse programa, com esses sensores que são instalados nas máquinas para fazer a telemetria e fazer as informações do que está acontecendo no campo. Então, quando você começa a mostrar os benefícios que a tecnologia e a inovação de impacto trazem para o produtor, vai abrindo para mais tecnologia, para mais soluções. A gente tem um lema aqui, que é “soluções integradas, resultados sustentáveis”. Ou seja, quanto mais integração de soluções, quanto mais parcerias com líderes dos segmentos no mundo e melhor organização, os resultados vão ser cada vez mais sustentáveis para o cooperado.

Outras cooperativas vão buscar esse conhecimento tecnológico na Coopercitrus?

Sim. A gente não guarda segredo aqui. Gostamos de divulgar, é o propósito cooperativista. Chegamos a receber aqui uma cooperativa do Sul que veio com 12 integrantes, toda a alta liderança passou o dia aqui com a gente querendo entender essas práticas, como avançar nesses processos. Teve inclusive grupos que pedem para a gente fazer uma espécie de franquia, porque é um aprendizado longo. A gente ajuda, mas obviamente o nosso foco é no nosso cooperado.

“Nós adquirimos inteligência, trouxemos cientistas para trabalhar na Coopercitrus. Tem um funil com uma boca enorme aqui para entender as coisas que podem agregar para o produtor.”

Que tipo de benefício já é possível sentir nos primeiros meses de operação com o novo sistema de gestão da cooperativa?

O primeiro ponto é que a gente precisa ter profissionais realmente competentes liderando determinadas áreas, com grande capacidade para poder promover e dar suporte a mudanças em toda a estrutura. As cooperativas são muito antigas em termos de idade e de existência, o que é um sinal excelente. Mas não garante o futuro. Você precisa se transformar a todo instante. A dinâmica do mercado está cada vez mais acelerada e para isso precisamos de ferramentas muito boas de gestão. Este ano a gente deve faturar quase R$ 5,4 bilhões. Então imagine se eu não conseguir ter ferramentas aí que organizem tudo isso. Ficaria tudo muito difícil.

A cooperativa é como uma empresa que tem milhares de sócios. Isso exige um nível de informação e transparência muito alto com este público?

Este é o ponto. Nós temos aqui um canal de ética externo, nós temos uma regra de compliance muito rígida. Quando eu assumi, eu tirei a auditoria da parte executiva e levei para o conselho. Ali é o ambiente em que o cooperado vai entender as cobranças, vai entender a estratégia. O primeiro passo é não misturar as atribuições. Se eu tiver aqui os 38 mil cooperados vindo opinar, eu não consigo fazer a gestão da cooperativa. Agora, eu também tenho uma experiência que demonstra se você pode ter uma estratégia perfeita, mas se não tiver uma boa execução, ela não vai te levar a lugar algum. Mas você ainda pode ter uma estratégia com alguns gaps que, se tiver uma boa execução, pode te levar muito longe. Então, ter equipe capacitada, desenvolver uma cultura organizacional que realmente reflita aquilo que a gente está buscando como visão da cooperativa é o ponto fundamental para ter o sucesso. E depois que você consegue toda essa estrutura, precisa ter as ferramentas para te dar possibilidade de avançar. Então, essa mudança de ERP, esse mapeamento melhor nos processos, essa transparência e esse compliance dão segurança para que se consiga avançar de forma sustentável e com resultados para o cooperado, que é o que a gente quer realmente no final do dia.

No dia a dia do cooperado, como é que ele percebe esta evolução dos sistemas internos de gestão?

Ele percebe principalmente quando consegue, através da cooperativa, melhorar o processo dele. A gente tem vários relatos. Outro dia recebi um vídeo, feito no meio do café, do produtor com a mulher e duas filhas, no Sul de Minas, bastante emocionante. Ele dizia que quando entrou na Coopercitrus tinha 8 hectares de café, trabalhava com a família. Aí ele conseguiu acessar o barter, conseguiu fazer melhor os negócios com custos menores nos insumos e nos fertilizantes, taxas menores de financiamento também, orientação técnica e alguns projetos de tecnologia. Então, ele fala que no espaço de três anos conseguiu comprar mais 2 hectares de café. Estava muito feliz. E foi espontaneamente que gravou esse vídeo, mexeu muito com a gente aqui, no sentido de que o caminho é esse, a gente precisa fazer algo que traga melhores resultados. A gente já tem em média 2 mil produtores por ano nos últimos cinco anos que entraram na Coopercitrus. Isso é o maior termômetro que a gente tem aqui, porque você não vai achar nenhuma campanha na mídia buscando cooperados.

Com tantas áreas distintas de negócio, os cooperados interagem com a Coopercitrus em várias frentes, que há alguns anos não estavam totalmente integradas. Hoje vocês conseguem fazer um retrato integral deste cooperado?

Toda atividade cooperada é registrada aqui. Pelo aplicativo ele pode inclusive fazer consultas de coisas que ele tem a receber, serviços que vão ser executados, entregas de produtos, arquivos de projetos que ele já fez, isso tudo graças à tecnologia. Acabamos de assinar um contrato com uma grande empresa de inteligência de dados e agora queremos realmente passar para ter novas abordagens, entendendo os momentos para que isso seja feito via plataforma de uma forma digital, cada vez mais deixando a relação mais automática, mas sempre com foco naquilo que o produtor precisa. A gente não quer aborrecer ninguém com abordagens desnecessárias. Sabemos que, para ser assertivos, não podemos ficar dando tiro para todo lado. Tem muita gente falando de abrir plataforma de venda digital para o Agro aqui no Brasil. Acho que isso é precipitadíssimo. A gente primeiro quer fazer uma plataforma de serviço, mostrar valor nos serviços que a gente pode prestar, e, então, entender realmente as demandas.

Esse novo sistema usa inteligência artificial?

Nós fomos procurados pelo vice-presidente desta empresa na América Latina, que percebeu na Coopercitrus um ambiente para avançar pensando na construção de valor. Fiz um curso em Tel Aviv em novembro passado. Naquele momento Israel tinha 7,8 mil startups. Destas, 480 voltadas para o agro. Há três anos, o índice de sucesso dessas empresas era entre 7,5 e 8%. No ano passado, estava em menos de 3%. Perguntei ao vice-reitor da faculdade as razões que acabam levando a ter menos sucesso. Um dos pontos que ele citou, que eu achei muito interessante, foi o fato de que muitas inovações estão vindo no momento errado e aí o mercado não embarca. Então, eu acho que o ponto, voltando àquele negócio de fazer as coisas por vaidade ou para você mesmo, para atender um desejo seu, algumas ações dessas, como, por exemplo, uma ampla plataforma de comercializar os insumos 100% digitais no Brasil, sinceramente, a Coopercitrus não vai fazer isso. A gente quer primeiro focar no nosso cooperado, dar atenção, dar um atendimento (customizado?), poder realmente oferecer valor, fazer com que os nossos parceiros consigam ter também o que eles merecem em termos de resultado, senão, eles não conseguem investir. Então, é uma equação para você conseguir fechar, primeiro o cooperado precisa receber valor. O primeiro a receber valor de toda essa história é quem está lá produzindo. Então, todo mundo tem que desenvolver tecnologia, abordagens corretas, inteligência para entregar esse valor. A partir daí, você começa a entender como pode capturar algum valor, se não entregar, não vai capturar.

Vocês têm um departamento específico para se relacionar com essas startups? Como é que vocês avaliam esse trabalho, ou as tecnologias promissoras, as que estão em tempo certo para usar a expressão que você mesmo usou?

Nós temos um departamento de tecnologia agrícola com superintendentes especializados nisso. A gente tem alguns NDAs (acordos de confidencialidade) assinados com empresas importantes e empresas que estão começando. Nós adquirimos inteligência, trouxemos cientistas para trabalhar dentro da Coopercitrus. Então tem uma porta muito grande, tem um funil com uma boca enorme aqui para entender as coisas que podem agregar para o produtor. Nós já somos reconhecidos no mercado como um local que consegue lá na ponta ver se as coisas fazem sentido ou se elas causam algum impacto positivo.

TAGS: Coopercitrus, Fernando Degobbi