Edição 21 - 29.09.20
Por Romualdo Venâncio
No ano passado a Korin Agropecuária faturou R$ 168 milhões e o objetivo é dobrar esse número em um prazo de cinco anos. A contagem regressiva começa a partir do final da pandemia causada pela Covid-19, ou a partir do momento em que a empresa retomar completamente suas atividades. Levando-se em conta que em 2007 o faturamento foi de R$ 20 milhões, ou seja, houve crescimento de 740% em 12 anos, a meta poderia até ser considerada menos ousada do que parece. Mas para uma companhia de postura vanguardista e disruptiva, cuja expansão tem relação direta com a inovação, a régua que mede esse avanço também muda – para cima – ano a ano, ou com intervalos até mais curtos. Naturalmente, o mercado sempre volta os olhos para quem se torna referência, e a saída para se manter à frente da concorrência é seguir surpreendendo.
A Korin Agropecuária é, muito provavelmente, a maior produtora nacional de alimentos orgânicos, com presença em 3 mil pontos de venda distribuídos pelo País e cerca de 300 restaurantes, número que foi reduzido por conta da pandemia. “Temos várias linhas de produtos classificados como sustentáveis, depois outras de orgânicos e uma terceira classificação que tem o selo filosófico da agricultura natural de Mokiti Okada”, comenta Reginaldo Morikawa, CEO de três das quatro empresas que compõem a holding Korin – a Agropecuária, a Administração de Franquias e a Alimentos – e presidente do conselho curador da Fundação Mokiti Okada.
Okada (1882-1955) foi o pensador, filósofo e espiritualista japonês que fundou a Igreja Messiânica e desenvolveu os conceitos da agricultura natural. Preocupado com o uso excessivo de agroquímicos no método agrícola convencional, e com os riscos da perda de vigor do solo, passou a pensar em conceitos que colocassem a produção de alimentos em consonância com a natureza. Entre os benefícios de se promover equilíbrio biológico do solo estão a melhora de suas condições físicas e químicas e o aumento da capacidade de retenção de água, o que ainda reduz a ocorrência de erosões e as perdas de nutrientes por lixiviação.
Para Morikawa, CEO da Korin Agropecuária, um dos destaques da empresa é a forma como pensam, diferente dos demais exemplos de indústria 4.0 no setor
A essência da Korin é baseada nesse resgate dos processos orgânicos da natureza, e está nesse conceito o princípio de sua diferenciação em relação ao mercado. O caminho para desenvolver um produto e apresentá-lo ao consumidor vai nessa direção. “Nossa maneira de pensar se difere dos exemplos 4.0. Desde os modelos 1.0 até o momento, todos têm sido evolução do primeiro. A Korin se baseia na necessidade de entrarmos nesse mecanismo que é controlado pela grande natureza”, diz Morikawa. Em termos práticos, o executivo afirma que o consumidor terá de mudar seus costumes, se adequar. “Não será possível consumir qualquer vegetal só porque deseja, pois cada planta tem seu ciclo de produção. Por exemplo, só vai conseguir comer morango o ano todo se congelar”, explica.
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Atualmente, os negócios da Korin Agropecuária estão divididos da seguinte forma: 63% em frangos, 20% em ovos, 10% em bovinos e 7% nos demais produtos (arroz, café, mel, feijão, grão-de-bico, entre outros). Ao todo, são 230 SKUs (Stock Keeping Units), e o setor de ovos deve ganhar mais representatividade, pois está sendo ampliado. O frango livre de antibióticos é o carro-chefe, pois foi ele que deu grande projeção à empresa junto aos consumidores. O produto virou um sinônimo de alimento saudável e de qualidade.
Outros itens inovadores reforçaram essa imagem, como as poedeiras também livres de antibióticos e a carne bovina produzida no Pantanal, a partir de um projeto desenvolvido em parceria com a WWF (World Wide Fund for Nature) e a ABPO (Associação Brasileira de Pecuária Orgânica). “Toda a produção desse gado do Pantanal é realizada por cooperativas e pequenos e médios produtores, incentivando a agricultura familiar e integrando valores ecológicos e sociais para garantir não só a qualidade dos produtos, mas também sua qualidade de origem”, diz Morikawa.
A próxima novidade da Korin Agropecuária, que deve chegar ao mercado em 2021, é o frango alimentado com farinha de insetos. “Embora seja permitido por lei, nosso frango não come farinha de carne. Foi o primeiro frango vegetariano, e agora vamos perder esse título”, comenta o CEO da empresa. Morikawa afirma que essa estratégia tem dois objetivos principais, um deles é o ganho em preservação ambiental, o outro é se distanciar da concorrência. “Conseguimos uma solução com a retirada da farinha de animal, mas não resgatamos o frango para seu habitat. E como outras três empresas já nos copiaram, vamos para outro passo”, comenta. A matéria-prima dessa farinha é larva de mosca, criada em condições ideais, segundo o executivo, que trata logo de tranquilizar o público: “O gosto do frango que come essa farinha é o mesmo, eu já experimentei”. O fornecimento vem de uma parceria ainda embrionária, que deve seguir um movimento natural de verticalização, com uma possível sociedade.
Outros projetos estão sendo desenvolvidos, como a produção de ovos preservando os machos, em fase adiantada de estudo. A Korin também deve entrar na onda dos alimentos plant based, mas planeja algo diferente. “Já nos perguntaram se iríamos lançar alguma carne à base de planta, seguindo o exemplo de muitas empresas com o hambúrguer. Temos a intenção, mas não vamos lançar uma carne que lembre a morte de um animal, pois é um produto para um público que não quer essa referência”, explica Morikawa.
Preço e valor
Questão inevitável quando se fala em alimentos orgânicos é o preço final do produto. Para o CEO da Korin Agropecuária, qualquer discussão sobre caro e barato no setor precisa levar em consideração uma série de fatores. De maneira geral, Morikawa afirma que um alimento orgânico custará 30% a mais do que seu similar convencional. Mas a diferenciação de preços é condizente com as características do produto. “Se pegarmos os bovinos como exemplo, você vai ao supermercado e encontra uma carne de gancheira, sem marca e sem padrão, a picanha vai custar R$ 40 o quilo. Se for para as carnes com marca, embaladas a vácuo, esse preço sobe para uns R$ 55, mas ainda é standard. Agora, se for um produto específico, de gado com sangue taurino, um animal selecionado, harmonização leve de maturação, a vácuo, chega a uns R$ 80”, comenta. “Em qualquer uma dessas opções, se for orgânico, pode considerar mais 30%.”
No caso específico da carne bovina, o preço mais alto ainda passa por outra questão que é o aproveitamento como um todo, inclusive dos subprodutos. Morikawa afirma que poderia até haver um custo menor se pudesse ser mais bem distribuído, como, por exemplo, se os consumidores também encontrassem uma bolsa de couro de boi orgânico, ou uma gelatina, uma geleia, tudo de boi orgânico. Foi por conta dessa análise que a empresa optou por trabalhar com carne moída, pois cortes que não considerados nobres acabam não tendo a valorização compatível ao processo de produção orgânica. “Qual parte de um animal, que custou sua vida, não é nobre?”, questiona.
Luiz Carlos Dematté Filho, CEO da Korin Agricultura e Meio Ambiente, unidade do grupo que produz bioinsumos, acrescenta que a produção orgânica, baseada no conceito da agricultura natural, coloca os custos nos seus devidos lugares. “Se na comparação direta de preços o alimento orgânico é mais caro, por outro lado o modelo convencional de agropecuária traz uma série de custos que não são relacionados e a sociedade já está pagando”, explica, exemplificando que por ano o custo pela perda de biodiversidade chega a US$ 3 bilhões.
Luiz Dematté, CEO da Korin Agricultura e Meio Ambiente: empresa já traz equilíbrio no próprio nome
Essa conta já vem mudando aqui no Brasil, país que tem uma biodiversidade enorme, pois os bioinsumos vêm ganhando cada vez mais espaço na produção agrícola, tanto orgânica quanto convencional, de forma integrada com insumos químicos. Prova desse avanço é o lançamento do Programa Nacional de Bioinsumos pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), no dia 27 de maio deste ano.
A vez dos bioinsumos
Dematté é, certamente, um dos profissionais que mais celebraram o lançamento do Programa Nacional de Bioinsumos. Ele preside a Câmara Temática da Agricultura Orgânica, dentro do próprio Mapa, e teve envolvimento direto no desenvolvimento desse programa. “O Ministério da Agricultura entendeu e acatou nosso pleito sobre a necessidade de regular e normalizar a produção de insumos biológicos. É importante estabelecer um marco regulatório para criar um ambiente de segurança, até jurídica, para empresas que querem participar do negócio”, comenta.
Durante a apresentação do programa, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, destacou o impacto que a bioeconomia já tem sobre a agropecuária brasileira, como o controle de pragas por meio de produtos biológicos em pelo menos 10 milhões de hectares e o uso de bactérias promotoras de crescimento para as plantas no cultivo de mais de 40 milhões de hectares. Segundo a ministra, o aumento da utilização de bioinsumos traz significativos ganhos financeiros: “Muitos bilhões de reais poderão ser economizados”. A expectativa de Tereza Cristina é confirmada por Celso Moretti, presidente da Embrapa. “Em 2019, o Brasil economizou R$ 22 bilhões apenas com a fixação biológica de nitrogênio”, afirmou.
Até a imagem do agronegócio brasileiro é revigorada a partir desse marco. “Uma fruta nacional que vai para o exterior com a informação de que houve controle biológico em sua produção é algo muito significativo. Estrategicamente, temos muito a ganhar com a expansão desse modelo de produção, desses insumos e da produção sustentável”, afirma Dematté, que vê nessa relação positiva uma possibilidade até de amenizar ataques sofridos pelo agronegócio brasileiro em relação a diversos temas. E espera que essa condição seja de fato aproveitada, até pela expressiva biodiversidade do País. “Infelizmente, temos um histórico de perder o bonde, demorar para aproveitar as oportunidades. Nos falta ainda, por exemplo, recursos para melhorar a gestão de pesquisa e desenvolvimento, a relação com as universidades e a estrutura delas.”
Embora o objetivo do Programa Nacional de Bioinsumos seja amplo, sua divulgação oficial traz como foco principal o aproveitamento do potencial da biodiversidade brasileira, seja para reduzir a dependência dos produtores rurais em relação aos insumos importados, seja para ampliar a oferta de matéria-prima para o setor. Dematté concorda com os múltiplos benefícios do projeto e compartilha sua satisfação pessoal e profissional com a concretização do projeto. “Para nós que estamos envolvidos com esse segmento há muito tempo, com princípios e conceitos que estão arraigados em nosso trabalho, trata-se de uma grande vitória”, diz o executivo. Segundo ele, defender a agricultura orgânica tem sido bastante desafiador. “Éramos vistos como os radicais, o povo que bate bumbo na praça. Então, ver o reconhecimento do valor que isso tem é muito positivo”, comenta. “A gente não vê a agricultura apenas como um setor econômico, mas como parte da civilização humana, é construtora dessa civilização.”
Ainda na vanguarda
Criada em 2018, a Korin Agricultura e Meio Ambiente já carrega no nome a responsabilidade com a produção agropecuária sustentável. Pioneira no desenvolvimento e no fornecimento de bioinsumos no Brasil, a empresa segue o alinhamento da holding com os conceitos da agricultura natural de Mokiti Okada. Essa ideologia tem sido disseminada pela Fundação Mokiti Okada e ganhou força com o trabalho científico do Centro de Pesquisa Mokiti Okada (CPMO), cujo conhecimento tecnológico também dá suporte à expansão da Korin.
Dematté destaca o quanto esses princípios estão ligados ao DNA da cultura japonesa, levando em conta a produção de alimentos em consonância com a natureza. “A natureza não produz uma única molécula química para matar um inseto, não é inseticida, mas desenvolve funções que o controlam”, diz ele. “É muito importante a gente entender essa relação, e não para nos tornarmos ecochatos ou considerarmos o ser humano como praga, mas para saber conviver com ela”, acrescenta. Foi a partir dessa premissa que surgiram duas das principais linhas de produtos da Korin Agricultura e Meio Ambiente.
Uma delas, a Bokashi, traz um fertilizante natural desenvolvido a partir da fermentação de matérias-primas vegetais, como farelos de produtos orgânicos. O objetivo é otimizar a estruturação e a proteção do solo, garantindo maior potencial de evolução das plantas em harmonia com a natureza. O desencadeamento desse processo também se traduz em ganhos monetários, tanto pela maior produtividade quanto pela economia com a redução de problemas agronômicos. Dematté cita, por exemplo, que o solo bem estruturado favorece a presença de fungos nematógafos, que atacam os nematóides, grandes vilões da produtividade agrícola. Segundo dados da Sociedade Brasileira de Nematologia, o prejuízo anual no País gira em torno de R$ 35 bilhões devido ao ataque desses parasitas de difícil controle, pois são seres subterrâneos praticamente invisíveis a olho nu.
A outra, Embiotic, traz um produto biológico que acelera a compostagem de sólidos orgânicos de processos agroindustriais, agrícolas e lixo doméstico. Há um aumento exponencial da atividade microbiana durante a fermentação e a compostagem que agrega velocidade e segurança à conversão da matéria orgânica em nutrientes, como ácidos orgânicos e compostos nitrogenados. Além disso, possibilita minimizar o impacto negativo que pode ser causado pelos poluentes que derivam dos resíduos orgânicos líquidos e sólidos.
De acordo com um levantamento realizado pela própria Korin Agricultura e Meio Ambiente, o negócio de bioinsumos no Brasil movimenta por ano algo próximo de R$ 1 bilhão, com crescimento de dois dígitos. A justificativa para tal expansão, segundo Dematté, é a crescente busca por soluções em um cenário de valorização de modelos sustentáveis de agricultura e de alimentos naturais e orgânicos. “Esse é um processo global que avança com muita força no Brasil”, afirma. O executivo é convicto, inclusive, de que em algum momento deixaremos de utilizar os insumos químicos, ou passaremos a utilizá-los em quantidades muito pequenas, comparado ao que acontece hoje. “Tanto que grandes agroindústrias estão colocando um pezinho nessa canoa. Claro que isso não vai acontecer da noite para o dia. E não é só uma questão de oferecermos os insumos, pois depende também da natureza para que sejam aproveitados. Nas áreas em intenso processo de degradação ou desertificação será mais difícil”, explica. Mais do que uma troca de ferramentas, será necessária uma revisão de conceitos.
TAGS: Bioinsumos, Korin, WWF