Edição 19 - 28.04.20
Por Evanildo da Silveira
Nas contas do pecuarista há cada vez mais variáveis a serem dominadas. Além dos óbvios custos de produção e do valor de venda, hoje é preciso gerenciar até mesmo índices de emissão de metano e a produção de dejetos pelos animais. Novas técnicas de manejo de rebanhos desenvolvidas por pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), por exemplo, olham para todas elas – e entregam resultado. Ao testar touros em um sistema eletrônico de confinamento de bovinos, desenvolvido para selecionar reprodutores com melhor eficiência alimentar (ou seja, a relação entre consumo e ganho de peso, que é uma característica hereditária), eles obtiveram redução de 9 a 10% nos custos de manutenção do efetivo de vacas, de 10 a 12% no consumo de ração, de 25 a 30% na emissão de metano, e de 15 a 20 % na produção de dejetos sem afetar o ganho diário médio (GDM) ou o tamanho de vaca adulta.
Até agora, em três anos de projeto, foram testados cerca de 300 touros das raças Angus e Brangus – a partir deste ano também serão selecionados reprodutores Devon. Segundo o zootecnista Jaime Urdapilleta Tarouco, líder do projeto Consumo Alimentar Residual como Estratégia de Seleção e Efeitos nas Características de Comportamento Alimentar e de Carcaça, Obtidas por Ultrassom, o período de teste e seleção dura 91 dias e são feitos com lotes de 20 animais. Os primeiros 21 são para eles se adaptarem à nova dieta, que deve ser igual para todos, que vêm de fazendas diferentes. Os outros 70 dias são de testes e seleções propriamente ditos. “Quando cada animal chega aos cochos, que são equipados com dispositivos eletrônicos que identificam o touro, o sistema mede seu consumo alimentar e a frequência com que ele come”, diz Tarouco. “Há também bebedouros com o mesmo sistema, que avalia o consumo de água e sua frequência, e, além disso, pesa o bovino numa balança acoplada.”Um dos indicadores mais importantes para selecionar os bovinos é o Consumo Alimentar Residual (CAR). Para chegar a isso, é levado em conta o consumo de alimentos do touro e seu peso metabólico, que é obtido elevando-se o seu peso vivo à potência de 0,75. “É uma equação de predição”, explica Tarouco. “Ela mostra qual é o consumo esperado de qualquer um deles em função de seu peso metabólico, independentemente de raça, sexo, idade e até espécie. O cálculo também mede o ganho de peso diário. E então o CAR avalia a eficiência alimentar. Se o animal consome menos do que esta equação estimou, ele é de alta eficiência, e se come mais, é ineficiente.”Tarouco cita uma série de vantagens da avaliação do CAR. “Ela pode ser obtida no animal vivo sem a necessidade do seu abate, por exemplo”, explica. “Além disso, as informações são conseguidas em tempo real, por meio de sistemas automatizados e informatizados, não invasivos e que causam o mínimo nível de estresse nos touros. A quantificação do CAR é realizada em bovinos jovens, permitindo que essa informação seja utilizada de forma eficiente nos programas de melhoramento genético (genética quantitativa e genômica).”O pesquisador acrescenta que a quantificação do CAR torna possível identificar reprodutores mais eficientes no uso de insumos e incorporar essa genética em rebanhos que buscam melhorar a produtividade na pecuária de corte. “A avaliação do CAR permitirá selecionar animais mais eficientes do ponto de vista ambiental ao estabelecer relações entre o consumo de alimento, a fermentação ruminal, a produção de metano e a excreção fecal de nutrientes”, explica. “Com a determinação do CAR também será possível estabelecer relações entre o consumo e a partição de nutrientes, de modo a conhecer seu efeito sobre o desempenho e a qualidade da carcaça e da carne.”Além do CAR, os pesquisadores também avaliam a espessura de gordura subcutânea. “Ela é muito importante”, diz Tarouco. “Geralmente o animal mais eficiente, que ganha mais peso, é mais magro. É mais difícil produzir gordura. A cada quilo dela, se produz de 3 a 5 quilos de músculo (carne) com a mesma quantidade de alimento. Portanto, é mais caro colocar gordura num bovino do que músculo.”Mas, como o sistema de produção de bovinos predominante no Brasil é a pasto, é necessário fazer isso, colocar grau de acabamento nos animais de corte, o que é um problema da pecuária nacional. “Se eu começar a selecionar aqueles com maior eficiência alimentar, no entanto, a tendência, com o passar do tempo, é diminuir esse grau de acabamento”, explica Tarouco. “Isso faz com que eles fiquem mais tardios, tanto na reprodução como na produção de novilhos e de carne. Será necessário mais tempo para esse bovino ganhar gordura e é isso que não queremos. O desejável é que eles tenham um ganho de peso médio diário rápido, alto e também acabamento.”
De acordo com dados do IBGE, o rebanho bovino do Brasil é de 212 milhões de cabeças, das quais mais de 85% são criadas a pasto, de forma extensiva. O rebanho total é responsável por 30% do PIB do agronegócio. Mas isso tem suas vantagens. “Os animais criados dessa forma têm uma composição da carne melhor, tanto em relação a ácidos graxos e ômega 3 e 6”, diz Tarouco. “O gado também tem melhor bem-estar. Além disso, o Brasil tem grandes extensões de terras com pasto sobrando, temos que usá-lo. Também é ambientalmente mais correto criar bovinos a pasto do que confinados e o custo de produção é menor.”
O problema da pecuária extensiva é a pouca eficiência do rebanho de corte. De acordo com Tarouco, ela tem como principais causas a baixa pressão de seleção das novilhas de reposição para características reprodutivas e de composição corporal; baixo nível nutricional adotado na recria, a elevada idade da puberdade e do primeiro parto, a pequena taxa de natalidade e repetição de cria (55 e 40%, respectivamente) das fêmeas do rebanho e a ocupação das pastagens com animais improdutivos e que não geram renda ao sistema, por não obterem índices zootécnicos adequados.
Ainda segundo Tarouco, esses fatores são agravados pela expansão da área cultivada com culturas agrícolas, principalmente a soja, provocando a diminuição das pastagens naturais. “Como consequência, se percebe um movimento de intensificação dos sistemas de produção pecuários, no sentido de alimentar o mesmo número de animais em áreas menores ou aumentar a lotação numa mesma área de pastoreio.”
O aumento da criação em confinamento é outra consequência da baixa eficiência da pecuária nacional. “Neste contexto, a demanda por sistemas de produção mais eficientes em bovinos de corte tem levado a um crescente interesse de diferentes grupos de pesquisa em estudar mecanismos que possam reduzir os custos com a alimentação, já que a dieta tem um grande impacto econômico”, explica Tarouco. “A lucratividade do sistema é altamente dependente da quantidade de carne vendável produzida por unidade de alimento consumido.”
Uma pesquisa realizada pela empresa DSM detectou em números essa tendência de aumento da criação intensiva de bovinos. “O total de bovinos confinados no Brasil, segundo o Censo de Confinamento da DSM 2019, realizado pelo Serviço de Informação de Mercado (SIM), é de 5,3 milhões de bovinos por ano, o que representa 12,6% do rebanho nacional”, diz Marcos Baruselli, gerente da Categoria Confinamento da companhia. “Na última década o modelo cresceu a uma taxa média de 7% ao ano, saindo de 2,5 milhões para 5,3 milhões de bovinos confinados por ano. Para 2020 estima-se 5,7 milhões.”
O avanço das tecnologias de nutrição animal contribuem para esse crescimento. Uma das líderes globais nesse segmento, a DSM, por exemplo, investe em linhas de produtos para balanceamento de ração de bovinos de corte confinados que utilizam óleos essenciais na substituição de antibióticos. “Para esclarecer, os antibióticos são empregados como melhoradores de desempenho ou promotores de crescimento e podem ser substituídos por produtos naturais, como este que desenvolvemos.” Ele cita outras tecnologias em nutrição da DSM, “que incluem os minerais como o zinco, cobre, selênio e cobalto, todos de maior biodisponibilidade e menor risco tóxico; as vitaminas protegidas A, D e E, a biotina e o RumiStar”. “Este último é capaz de melhorar de forma expressiva a digestibilidade do amido do milho presente na ração do bovino confinado, promovendo uma melhor segurança alimentar e maiores respostas zootécnicas e econômicas”, diz.
Os resultados, Baruselli garante, incluem uma melhor digestão dos alimentos, maior ganho de peso, melhor eficiência alimentar, além de uma maior produtividade por bovino confinado. “Outros resultados incluem respeito ao bem-estar animal e ao consumidor de carne vermelha e seus derivados”, acrescenta. “Importante citar que, cada vez mais, os consumidores estão exigindo certificação de origem e de procedência dos produtos que consomem, preferindo carnes de alta qualidade, livres de hormônios e antibióticos.”
Para Tarouco, a pecuária no Brasil necessita diminuir os custos por unidade de produto, porque ele tem um enorme por peso de porção comestível. “Quando comparamos a necessidade energética da dieta por unidade de produto comestível, a produção de carne bovina é cerca de um terço e um quinto da eficiência da produção de suínos e frangos, respectivamente”, revela. “Uma melhora de 5% na eficiência alimentar tem um impacto quatro vezes maior do que um incremento de 5% no ganho médio diário dos animais.”
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