Edição 17 - 25.11.19
Por Evanildo da Silveira
Sol, vento, espaço e resíduos orgânicos disponíveis. Praticamente toda propriedade rural brasileira é abundante em insumos que podem ser transformados em energia. Cada fazenda é potencialmente uma usina capaz de gerar eletricidade ou combustíveis para uso próprio ou para serem fornecidos ao mercado. Segundo a Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês), é esse fator que transforma o Brasil no país com maior possibilidade de geração de bioenergia, com estimativa para produzir, em 2023, 45% do consumo total do País.
A questão é que esse potencial ainda é muito pouco aproveitado. Se a pujança do agronegócio brasileiro é bem conhecida – de acordo com o último censo agropecuário do IBGE (2017), o País possuía naquele ano 5.072.152 estabelecimentos agropecuários, que eram responsáveis por 23% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional – o setor ainda sofre desnecessariamente com gastos excessivos com energia elétrica, que representam de 13% a 16% dos custos de produção. Sem falar naquelas propriedades que não possuem eletricidade, que somam 830.328 ou 19% do total. Por isso, muitos produtores estão optando por gerar sua própria energia, seja para reduzir custos, seja para dispor dela.
Trata-se de um mercado promissor, mas ainda bastante restrito. Há setores, como o sucroenergético, que já exploram de forma consistente a cogeração de energia a partir da biomassa resultante do processo de produção de açúcar e etanol. As receitas obtidas com a venda dessa energia no mercado livre representam, em média, entre 5% e 10% do resultado das empresas da área. Mesmo com isso, porém, há muito a ser feito. Segundo dados da Unica (União da Indústria da Cana-de-Açúcar), a atual geração de energia elétrica pelas usinas corresponde a apenas 15% do potencial do setor sucroenergético nessa área. Já a geração de energia através de biogás – resultante da decomposição de resíduos orgânicos –,está ainda aquém do que seria possível se explorar em larga escala. Segundo estimativas da Associação Brasileira do Biogás (ABiogás), essa fonte poderia suprir até 38% da energia elétrica e 72% do diesel consumidos no Brasil em 2018. Mas há apenas 12 usinas com produção efetiva de energia e biometano.
A falta de recursos e incentivos para investimentos no setor pode explicar a baixa taxa de adesão dos produtores rurais à produção de bioenergia. De acordo com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), existem hoje no Brasil apenas 6.695 estabelecimentos rurais produzindo eletricidade no sistema de geração distribuída, com potência instalada de 161 megawatts (MW), 249 unidades consumidoras autoprodutoras e 2.016 produtoras independentes. Destas duas últimas não há, no entanto, dados sobre a potência instalada.
Para os produtores que decidiram encarar o investimento, além da redução dos custos operacionais, outra razão que tem levado muitos proprietários rurais a optarem por produzir sua própria energia é a baixa qualidade da fornecida pelas concessionárias, com quedas frequentes da rede. “Isso afeta a segurança energética dos estabelecimentos, o que causa problemas sociais, econômicos e de desenvolvimento do setor”, diz o pesquisador Leonardo de Almeida Monteiro, da Universidade Federal do Ceará (UFC). “A micro e a minigeração distribuídas garantem aos produtores rurais segurança energética, melhor e maior desenvolvimento de suas atividades e, ao longo do tempo, lucro, pois reduz os custos de produção.”
Tomada a decisão de produzir eletricidade na propriedade, é preciso escolher a fonte, que pode ser o vento, o sol, a biomassa ou os dejetos de animais (usados em biodigestores), por exemplo. “A melhor opção está intimamente relacionada às condições climáticas do local de geração”, explica Monteiro. “Portanto, deve-se avaliar quais as modalidades de energia renovável que melhor se adaptam à região. As formas mais comuns, atualmente, são solar e eólica (do vento).” No caso da Fazenda Alta Conquista, localizada em Sales de Oliveira, a 50 quilômetros de Ribeirão Preto (SP), a escolha da fonte recaiu sobre o sol, no sistema de geração distribuída. A propriedade produz 450 mil frangos por ciclo – são seis por ano, cada um com 40 dias do nascimento ao abate das aves e mais 20 para limpeza e desinfecção dos criadouros –, todos para exportação para a Europa e Ásia.
A gerente administrativa da fazenda, Luciana Abeid Ribeiro Dalmagro, conta que nesse processo de produção a propriedade consome 52 quilowatts-hora (kWh) por mês. “Há um ano, resolvemos instalar painéis solares para gerar nossa própria eletricidade”, diz. “Investimos R$ 1 milhão no sistema, que hoje proporciona uma economia de 70% nos gastos com energia por mês, o que representa R$ 15 mil. Calculamos que o investimento se pagará em 5 anos.”
O sol também foi a opção de alguns agropecuaristas do município de Videira, em Santa Catarina. “Os primeiros começaram a produzir sua própria eletricidade há seis meses”, conta Juarez Bolsani, presidente do sindicato local dos produtores rurais, que tem 150 associados. “Até agora, dez propriedades já usufruem da energia gerada por painéis solares.” Um deles é Nivaldo Cerbatto, que cria suínos. Ele possui 250 matrizes, que produzem 5.500 leitões por ano. “Há 90 dias adotei a energia solar no sítio”, conta. “Investi R$ 70 mil, mas a economia compensa. Antes, minha conta de luz era de R$ 2 mil por mês. Agora gasto R$ 400,00, e quando vier o verão deverá ser zero. Calculo que em quatro anos meu investimento estará pago.”
Pedro Colombari, sócio-proprietário da Granja São Pedro, localizada em São Miguel do Iguaçu, no Paraná, que desenvolve três atividades – agricultura, pecuária de corte e suinocultura –, optou pelo biogás. “Começamos a gerar nossa energia em 2005, com a construção de um biodigestor para tratamento dos dejetos dos 5 mil suínos que criamos”, conta. “Ele produz gás, que alimenta um gerador de eletricidade. Antes, usávamos no mínimo 2 mil litros óleo diesel na moagem de grãos para alimentar os porcos. Hoje, produzimos até 30 MW por mês, em sistema de geração distribuída. Além da nossa granja, fornecemos para propriedades vizinhas e duas residências na cidade. Isso dá uma economia de R$ 8 a 9 mil por mês.”
No total, desde 2005, a Granja São Pedro investiu cerca R$ 150 mil na autogeração de energia, incluindo um segundo biodigestor e um gerador de eletricidade novo, implantados em 2010. “Se fôssemos montar hoje essa estrutura que temos, começando do zero, gastaríamos em torno de R$ 450 mil a R$ 500 mil”, diz Colombari.
A Chácara Marujo, localizada no município de Castro, no Paraná, produz sua própria energia há mais tempo, mais precisamente desde 2003, mas com a mesma fonte, ou seja, dejetos dos porcos que cria. A propriedade possui 850 matrizes, que geram 28.600 leitões por ano. “Temos três biodigestores, o primeiro construído em 2003 e os outros dois em 2013”, conta Manuelle Haasjes, filha do proprietário e administradora da fazenda. “Os dejetos da granja descem por gravidade até eles, onde ocorre a biodigestão, que gera de 60 a 80 metros cúbicos de biogás por hora.”
Esse gás é usado para aquecimento de água em serpentinas, que, por sua vez, esquenta os pisos na maternidade e nas creches dos animais da granja. “Além disso, ele abastece 16 casas de nossos funcionários e é usado para secagem dos grãos na época de safra”, acrescenta Manuelle. “Com o biogás, também produzimos um pouco de energia elétrica, cerca de 50 kW, e abastecemos com biometano veículos da fazenda – uma camioneta, duas empilhadeiras, um carro de passeio e dois tratores.”
Além da redução de custos e melhoria do abastecimento, os proprietários rurais levam em conta outros fatores na hora de adotar a geração própria de energia. Entre os principais, está a preocupação com o meio ambiente e a sustentabilidade do negócio. “É a eterna luta pela autossuficiência”, explica Manuelle. “A Chácara Marujo está se empenhando na busca de tecnologias que darão sustentabilidade à atividade agropecuária. Dejetos de suínos acabam sempre sendo um problema para os produtores, mas disso nós elaboramos uma solução.”
Para Luciana, da Fazenda Alta Conquista, a visão da empresa deve levar em conta três aspectos. “Primeiro, ela tem que ser encarada como um negócio, ou seja, tem que ter lucro, custo baixo e ser sustentável ao longo do tempo”, explica. “Depois, queremos ser líder no nosso segmento. E, por fim, mas não menos importante, é lembrar que, por ser uma fazenda, esse ambiente faz parte de um ecossistema. Quanto a isso, temos muita responsabilidade, o que nos levou a optar por uma fonte de energia limpa.”
Para outros produtores, os ganhos existem mesmo que a energia não seja diretamente consumida na propriedade. Em alguns casos, eles vêm do simples arrendamento de partes de suas terras para a instalação de placas solares ou aerogeradores para as empresas que administram grandes projetos de geração de energia. Em regiões como o litoral do Nordeste e os campos do Rio Grande do Sul, consideradas as ideais para a instalação de fazendas eólicas, há produtores cuja atividade principal hoje é a cessão do espaço, que pode representar em torno de R$ 1.000,00 mensais por aerogerador instalado. O Brasil possui atualmente cerca de 7 mil aerogeradores instalados. Desses, de 4 a 5 mil estão em terras arrendadas.
Thiago Guimarães, gerente administrativo-financeiro da Stonos, empresa de Goiânia que desenvolve e instala projetos de energia solar, acrescenta outros aspectos importantes. “Estudos indicam que hoje a grande maioria dos clientes do agronegócio prefere comprar de quem adota práticas sustentáveis”, diz. “Com isso, os produtores rurais que optam pela geração de energia limpa também ganham um diferencial de mercado, que pode propiciar a expansão do seu negócio. Já o País ganha um menor índice de poluição, a depender da modalidade de geração escolhida, reduz suas perdas com a distribuição e transmissão de energia e acaba por economizar seus recursos naturais.”
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