Edição 15 - 02.09.19
Por Amauri Segalla
Depois de uma eleição marcada por intensa polarização, acusações de trapaças, notícias falsas espalhadas nas redes sociais e centenas de mortos durante o processo de contagem de votos, a Comissão Eleitoral da Indonésia confirmou no dia 21 de maio a reeleição de Joko Widodo como presidente do país. O resultado das urnas deixou ambientalistas apreensivos. Desde meados do ano passado, quando o acirramento eleitoral obrigou os políticos a se posicionarem diante de temas delicados, Widodo tem sido um fervoroso defensor da indústria do óleo de palma. Principal motor econômico do país e responsável por 10% de todas as exportações da Indonésia, o óleo de palma fornece, segundo Widodo, os recursos necessários para a pavimentação de estradas, a construção de escolas, a ampliação dos sistemas de telecomunicações, entre muitos outros benefícios inquestionáveis. Tudo isso pode ser verdadeiro, mas a produção em larga escala desse insumo tem gerado efeitos colaterais dramáticos. “Meio ambiente é bom, mas crescimento econômico é melhor”, disse Widodo durante a campanha eleitoral.
Óleo vegetal mais popular do mundo, o óleo de palma está presente em uma infinidade de itens de supermercado (biscoito, massa de pizza, pão, chocolate, sabonete, detergente, xampu, cremes hidratantes, loção pós-barba), mas sua utilidade não para por aí. Ele é um componente importante do biodiesel que abastece carros e caminhões, além de ser amplamente usado na fabricação de graxas, lubrificantes, artigos farmacêuticos, filmes fotográficos, perfumes, velas e até dinamite, entre inúmeras outras serventias. Com uma variedade tão grande de aplicações, tornou-se uma das commodities agrícolas mais rentáveis. O óleo de palma é extraído do fruto da palmeira africana Elaeis guineenses, que possui uma característica peculiar: a árvore tem predileção por regiões tropicais e só se desenvolve em lugares úmidos e quentes. Por isso, poucas regiões do mundo são tão propícias para as plantações de palmeiras quanto a Indonésia, país no Sudeste Asiático nas proximidades da Linha do Equador, com temporadas bem definidas de monções e seca. Os aspectos geográficos representam uma dádiva: a Indonésia tem a segunda maior biodiversidade do mundo, atrás do Brasil.
É essa biodiversidade que tem sido sacrificada em nome do avanço da indústria da palma. Basta dar uma espiada nos dados a seguir para dimensionar o problema. Com o cultivo desenfreado de palmeiras para a extração do óleo de palma, no século 21 a Indonésia perdeu 24,4 milhões de hectares de cobertura florestal, uma área maior que o Reino Unido e equivalente ao estado de São Paulo. A cada 25 segundos (algo como o mesmo tempo que o leitor gastará ao ler este parágrafo), uma área equivalente a um campo de futebol desaparece naquele país asiático. Apenas no Parque Nacional de Gunung Leuser, no norte de Sumatra, 110 mil hectares de floresta foram derrubados entre 2017 e 2018. A devastação é grave por si só, mas ainda mais pungente porque Gunung Leuser é o último lugar do planeta onde elefantes, tigres e rinocerontes dividem o mesmo território. O elefante-de- sumatra, a propósito, é a única espécie de elefante listada como criticamente ameaçada de extinção. Ao ceifar floretas nativas, os produtores de óleo de palma ajudam a dizimar milhares de orangotangos, que precisam das matas para refúgio e alimento. Entre 1999 e 2015, segundo um documentário do Greenpeace, o número de orangotangos-de-bornéu caiu pela metade. Desapareceram 150 mil indivíduos – algo como 25 por dia.
Não é só isso. A partir de 2005, com o aumento da demanda principalmente por parte dos produtores de biodiesel – ironicamente considerado um combustível ecológico –, a expansão da palmeira de óleo ultrapassou a atividade madeireira como a principal causa do desmatamento em Bornéu. Com mais desmatamento, dispararam as emissões de gases do efeito estufa. De acordo com um relatório do Comitê de Meio Ambiente das Nações Unidas, metade das emissões da Indonésia é resultado direto das florestas devastadas. Vidas humanas também têm sido perdidas. Para limpar a terra para o plantio das palmeiras, os fazendeiros incendeiam áreas gigantescas. Também de acordo com a ONU, a névoa das queimadas florestais causa 12 mil mortes prematuras por ano, e esse número é crescente. A morte não é o único dos problemas para os humanos. Em Sumatra, aldeias indígenas foram demolidas para dar lugar aos produtores de palma, deixando seus moradores sem teto e dependentes das doações do governo.
As tocantes imagens de orangotangos mortos e de áreas devastadas foram rapidamente compartilhadas em redes sociais, sobretudo na Europa, em campanhas maciças contra as culturas de palma e o uso dos produtos resultantes dela. O cenário dramático levou a União Europeia a lançar um plano de boicote ao óleo de palma. Na Inglaterra, a Iceland, uma rede de supermercados, baniu das prateleiras todos os produtos que tenham óleo de palma em sua composição, na Suécia o Parlamento discute a proibição definitiva e nos Estados Unidos grupos ambientalistas pressionam consumidores para jamais comprarem itens extraídos de florestas da Indonésia e da Malásia, os maiores produtores de óleo de palma do mundo e líderes mundiais em rankings de desmatamento. No Brasil, que possui características geográficas semelhantes e é responsável por 6% da produção mundial, a discussão é incipiente, mas vem ganhando volume diante do crescente barulho feito por ambientalistas. Embora o Brasil seja relevante no contexto da produção global, a cultura do óleo de palma é relativamente desconhecida. Muita gente nem sequer sabe que dendê e palma são a mesma planta. Entre os produtores nacionais, a palmeira africana Elaeis guineenses é chamada de dendezeiro.
Por mais que iniciativas radicais como o boicote aos produtos sejam bem-intencionadas, a tendência é de que seu resultado não surta efeito algum. “Se os europeus não quiseram nosso óleo, os chineses vão querer ainda mais”, disse o presidente Joko Widodo. Trata-se de uma verdade irrefutável. Chineses e indianos são os maiores consumidores de palma do planeta e ambos não parecem preocupados com os danos ambientais provocados por sua produção. Também é improvável que o mundo reduza drasticamente o consumo de óleo de palma. Não se encontrou ainda um componente capaz de substituí-lo em condições de igualdade e são incontestáveis os benefícios que traz para a indústria de alimentos e de cosméticos. O óleo de palma é livre de gordura trans, que comprovadamente aumenta o risco de infarto e acidente vascular, e tem propriedades antioxidantes que combatem as rugas e o envelhecimento precoce. Portanto, será difícil, para não dizer impossível, reduzir a sua produção. O melhor caminho a seguir – talvez o único – é tornar a extração de óleo de palma menos agressiva ao meio ambiente e não tentar eliminá-la por completo.
A boa notícia é que isso é possível. Em 2004, produtores, grandes empresas, ambientalistas, investidores e ONGs de diversos países se reuniram para criar a Roundtable on Sustainable Palm Oil (RSPO), certificadora com sede em Zurique, na Suíça, que confere um selo sustentável para o óleo de palma. Em linhas gerais, a certificação, entre vários outros critérios, só é concedida para quem não desmatar ou não desrespeitar os direitos dos trabalhadores da indústria. Uma das exigências da RSPO estabelece que nenhuma área florestal que abrigue biodiversidade (como espécies em extinção) ou áreas fundamentais para as comunidades poderão ser desmatadas. Atualmente, a RSPO certifica um quinto da oferta global de óleo de palma. Muitas fabricantes de bens de consumo que dependem da planta, como Unilever, Nestlé e Procter & Gamble, prometeram nos próximos anos usar em suas cadeias de fornecimento apenas óleo de palma certificado. Parece simples, mas trata-se de um tremendo desafio. Críticos da RSPO afirmam que um dos principais requisitos para a certificação – nenhum novo desmatamento – é difícil de cumprir.
O Brasil tem um bom exemplo a oferecer para o mundo. Maior produtora de óleo de palma certificado da América Latina, a Agropalma lançou em 2001 o que chamou de “desmatamento zero”. A ideia era usar para o plantio e a produção apenas áreas que já tivessem sido devastadas, e nenhum centímetro a mais. O que parecia impossível revelou-se viável e, desde então, a empresa cumpriu a meta. “Não é uma questão apenas de meio ambiente, o que sem dúvida nos motiva, mas também uma questão comercial”, diz Túlio Dias, gerente de Responsabilidade Socioambiental da empresa. “Muitos compradores evitam fazer negócios com produtores não certificados e perderíamos clientes se não cumpríssemos os requisitos que eles exigem.” Estabelecida no Pará, no coração da selva amazônica, a Agropalma iniciou o processo de certificação em 2008. Foram necessários três anos de pesquisas, análises e envios de documentos para que obtivesse o selo RSPO, aprovado em 2011. Além dele, o grupo possuiu outras 12 certificações internacionais, a maioria delas conferida a empresas que reduziram os impactos socioambientais dos plantios.
A Agropalma dobrou a produção na última década sem provocar danos ambientais graças, principalmente, a uma estratégia inteligente: a empresa foi às compras. “Adquirimos áreas que já tinham sido desmatadas para o plantio e introduzimos nelas o nosso processo agroindustrial”, afirma Dias. Basicamente, o sistema de produção da Agropalma consiste em combinar recursos tecnológicos com eficiência logística para alcançar o máximo de produtividade. Chamado de “Agricultura 4.0”, o programa prevê a contagem rigorosa de plantas, a identificação de doenças e anomalias, a distribuição de adubos e produtos químicos de forma localizada e o trabalho ininterrupto em três turnos, o que incluiu a colheita, o transporte e o processamento do óleo de palma. Toda a atividade é acompanhada por drones e monitorada por inteligência artificial. Iniciativas como essas disparam a produtividade das plantações, o que elimina a necessidade de novas áreas de cultivo. Atualmente, o Grupo Agropalma emprega 3,7 mil funcionários para produzir 160 mil toneladas de óleo de palma (o Brasil como um todo produz 450 mil toneladas) por ano. Em 2018, faturou cerca de R$ 1 bilhão.
Outras empresas brasileiras têm se dedicado a desenvolver projetos capazes de reduzir as agressões ambientais da produção de óleo de palma. Quarta maior companhia de cosméticos do mundo, a Natura criou, em parceria com a Cooperativa Agrícola Mista de Tomé-Açu e a Embrapa, o Sistema Agroflorestal Dendê, que promove a diversidade agrícola em uma mesma unidade produtiva. Em 2018, 11 unidades desse tipo foram implantadas em Tomé-Açu, no Pará, e a ideia agora é ampliar o projeto. Ao associar o cultivo do óleo de palma com outras espécies agrícolas e florestais, a Natura afirma ter reduzido o número de pragas e doenças e melhorado a qualidade do solo. Segundo Débora Castellani, fitotecnista responsável pelo projeto, plantas como cacau, açaí, ingá, jatobá e ipê foram associadas ao dendê, e todas elas mostraram boa performance produtiva. Os estudos da Natura também concluíram que a palma é eficiente para recuperar solos degradados pela pecuária, abrindo inúmeras possibilidades para fazendeiros que possuem terras improdutivas.
A produção sustentável de óleo de palma é uma preocupação de empresas de diferentes ramos de negócios. Maior companhia de alimentos e bebidas do mundo, a suíça Nestlé começou recentemente a monitorar, via satélite, as florestas e plantações de palma na Indonésia. Desenvolvida em parceria com a fabricante francesa de aeronaves Airbus, a tecnologia consegue detectar do espaço, e com margem de erro de apenas 1,5 metro, um alvo específico. Com isso, é possível saber onde a floresta foi devastada – e identificar um fornecedor que não
está cumprindo as regras estabelecidas pela empresa. De posse dessas informações, a Nestlé notifica o fornecedor, avisando-o que poderá ser descartado. “Ele terá que provar para nós que o desmatamento não foi sua responsabilidade”, disse em entrevista a um portal suíço o executivo Magdi Batato, um dos responsáveis pelo projeto. “Uma combinação de imagens de satélite, presença local e certificação nos permitem declarar que 77% da matéria-prima que consumimos não causaram desflorestamento.”
Outro gigante do setor de bens de consumo, a americana Procter & Gamble anunciou no final de abril uma parceria com o Malaysia Institute for Supply Chain Innovation e com o International Plant Nutrition Institute para melhorar os processos dos pequenos produtores de sua cadeia de fornecimento de óleo de palma. Por ora, o projeto abrange 2 mil pequenos agricultores do estado de Johor, na Malásia, mas a ideia é chegar a 10 mil nos próximos cinco anos, incluindo fazendeiros da Indonésia. Segundo a empresa, os agricultores terão acesso à consultoria especializada e serão treinados com práticas que respeitam o plantio sustentável. Em troca, deverão transmitir os conhecimentos adquiridos para toda a comunidade, expandindo a rede de proteção ambiental. Projetos como esses mostram que, por mais que crimes contra a natureza tenham sido cometidos por fazendeiros gananciosos, há muita gente séria que busca o equilíbrio entre produção eficiente e respeito ao meio ambiente. “Esse é o melhor caminho a seguir”, diz Túlio Dias, da Agropalma.
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