Edição 15 - 15.08.19
Por André Sollitto | Fotos Coleção Instituto Terra
A ideia de plantar uma floresta salvou a carreira de fotógrafo de Sebastião Salgado, um dos mais premiados e importantes fotojornalistas do Brasil e do mundo, e restaurou sua esperança no futuro do planeta. Durante o final da década de 1990, ele fez uma série de viagens por quase 40 países para acompanhar os movimentos de povos pelo planeta. Acompanhou refugiados pobres escapando de conflitos armados, vítimas de desastres naturais e pessoas que abandonaram seu país de origem para buscar uma vida melhor em outro lugar. As imagens que captou foram reunidas em Êxodos, lançado em 2000. “Testemunhei muito sofrimento e grande coragem, porém mais do que tudo vi violência e brutalidade como nunca tinha imaginado. Quando o projeto terminou, a minha esperança no futuro da humanidade tinha se perdido”, escreveu ele no prefácio de outro livro, Gênesis. Deprimido, parou de fotografar por recomendação médica.
Nessa mesma época, Sebastião e sua mulher, Lélia Deluiz Wanick Salgado, receberam a tarefa de cuidar da Fazenda Bulcão, uma antiga propriedade da família do fotógrafo, instalada em Aimorés, no Vale do Rio Doce, em Minas Gerais. A fazenda de gado tinha grande valor sentimental para Sebastião, pois foi lá que cresceu, ao lado das sete irmãs, rodeado pela vegetação natural da Mata Atlântica. Segundo ele, aprendeu a enxergar os contrastes entre luz e sombra sob o sol de Aimorés. Mas essa casa que conheceu já não existia da maneira como se recordava. A erosão e o desmatamento haviam secado a terra. Imagens da época mostram a degradação da região.
Foi Lélia que sugeriu a recriação da floresta que antes existiu ali, usando as mesmas espécies locais. Fundaram, em 1998, o Instituto Terra, uma organização ambiental dedicada ao desenvolvimento sustentável. As mudas iniciais foram doadas pela Vale, que voltaria a ajudar a instituição em outras ocasiões. Esse primeiro plantio contou com o envolvimento das comunidades próximas – e deu errado. Todas morreram. O casal não desistiu e continuou tentando. Aos poucos, o processo começou a dar resultado.
“Um dos principais indícios de sucesso do projeto foi a volta dos animais”, afirma Isabella Salton, diretora executiva do Instituto Terra. “A ideia nunca foi fazer um manejo artificial da fauna. Desenvolvemos um cadenciamento de plantio para recuperar a floresta – e apenas as árvores. Mas os animais retornaram de maneira espontânea”, diz ela. Tudo começou com besouros, borboletas e pássaros. Aos poucos, até peixes e jacarés retornaram. Em 2015, a equipe do instituto avistou a primeira jaguatirica, animal que ocupa o topo da cadeia alimentar. Se ela retornou à região, o sinal era claro: o ecossistema inteiro estava retornando ao equilíbrio.
A área verde que recobre a fazenda abriga 293 espécies nativas, resultado do plantio de 2 milhões de mudas em 20 anos de atividades. Outras serão inseridas posteriormente com o objetivo de ampliar a diversidade. A fauna contempla 172 espécies de aves, seis delas ameaçadas de extinção; 33 de mamíferos, sendo dois em extinção no mundo e três, no Brasil; 15 de anfíbios e outras 15 de répteis. Desde o início da empreitada, o instituto buscou o título de reserva ambiental. Os 709 mil hectares da propriedade são certificados como Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN), e desde 2004 existe, em Minas Gerais, a figura da Reserva Particular de Recomposição Ambiental, destinada a áreas degradadas e inspirada na Fazenda Bulcão. O instituto também coleciona prêmios. Em 2009, recebeu a aprovação do Bureau da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica (RBMA), da Unesco, para atuar como Posto Avançado da entidade, difundindo conceitos e projetos da reserva.
“Maravilhados com a capacidade da natureza para se regenerar, fomos ficando cada vez mais ansiosos com o destino de nosso planeta”, escreve Sebastião Salgado no prefácio de Gênesis. “Compreendemos o absurdo da ideia de que a natureza e a humanidade podem de algum modo ser separadas. Podemos saber dominar a natureza, mas esquecemos facilmente que dependemos dela para a nossa própria sobrevivência.” Essas reflexões seriam a base para um novo projeto fotográfico que retrataria como a poluição do ar, da água e da terra se tornou o preço pago pelo desenvolvimento. “Mudamos de ideia ao ver a vida regressando àquela que antes tinha sido nossa propriedade e agora se tornara um parque nacional”, diz ele. Gênesis, uma espécie de retorno no tempo publicado em 2013, é o resultado de viagens feitas ao longo de oito anos por 32 países, retratando paisagens terrestres e marinhas, animais e comunidades que haviam conseguido escapar do ser humano moderno.
CONSCIENTIZAÇÃO EM SALA DE AULA
“Desde cedo, decidimos adotar a educação como parte do trabalho do instituto”, conta Isabella. O objetivo, de acordo com a diretora do Instituto Terra, sempre foi construir uma nova consciência ambiental na região do Vale do Rio Doce, que sofreu um empobrecimento muito grande nas últimas décadas. “Não adianta apenas recuperar, é preciso mostrar a necessidade de reintegrar o ser humano à natureza e a importância do trabalho de conservação”, afirma ela. Os projetos de educação ambiental já atenderam mais de 75 mil pessoas, entre agricultores, estudantes, professores, líderes comunitários, profissionais e técnicos de empresas e de governos.
A principal iniciativa relacionada à educação desenvolvida pelo instituto é a capacitação em recuperação de áreas degradadas de Mata Atlântica e proteção de nascentes. Trata-se de um curso técnico gratuito com um ano de duração, lançado em 2005, e realizado no Núcleo de Estudos em Restauração Ecossistêmica (Nere), uma estrutura dentro da própria Fazenda Bulcão. Voltado para técnicos agrícolas, oferece hospedagem, alimentação e materiais para 20 alunos todos os anos. Nesse período, o estudante, normalmente proveniente de famílias de agricultores da região, vivencia as atividades do instituto. Ao final dos 12 meses, torna-se um agente de restauração ecossistêmica. Desde o início, formou 160 técnicos, e vários deles ocuparam posições de destaque em empresas da região.
O instituto realiza ainda outras iniciativas. Além de cursos menores de educação ambiental, responsáveis por mostrar as necessidades de preservação para mais de 75 mil pessoas, criou o Laboratório de Sementes, em que realiza pesquisas e organiza informações técnicas sobre mudas da Mata Atlântica. Há uma equipe de coletores, responsável por buscar sementes nativas, que depois são analisadas e selecionadas. O instituto mantém ainda um viveiro com capacidade para 1 milhão de mudas por ano. “Não conseguimos usar nossa capacidade de produção completa por falta de demanda”, diz Isabella.
Atualmente, é o Programa Olhos D’Água o responsável pela maior parte da dedicação da equipe. “Temos um objetivo ousado: restaurar as nascentes do Vale do Rio Doce”, afirma Isabella. De acordo com um levantamento, existem 300 mil que precisam de cuidados na região. O grande responsável por secar as nascentes é o gado, já que os animais pisoteiam a terra em torno dos riachos quando estão em busca de água.
O processo de recuperação envolve o cercamento da nascente e o replantio de mudas da região, criando assim um ambiente propício para a retomada natural do fluxo de água. Segundo a executiva, uma das maiores dificuldades em realizar esse tipo de trabalho é a conscientização da população. “Em geral, são pequenos produtores, donos da terra há muito tempo, que precisam mudar processos que são feitos desde a época de seus pais e avós”, comenta. Desde 2010, o programa já contemplou 2 mil nascentes de 20 municípios de Minas Gerais e oito do Espírito Santo.
LUTA POR SOBREVIVÊNCIA
Realizar todo esse trabalho custa caro, e o Instituto Terra vive de projetos e doações e busca patrocínios constantemente. “O dia a dia de uma ONG é muito difícil. Estamos sempre atrás de parcerias de médio e longo prazos”, diz Isabella. Essas parcerias acontecem principalmente no modelo de convênios de cooperação técnico-financeira.
O Instituto Terra está aberto à visitação como forma de apresentar o trabalho feito à população. Mantém uma loja virtual em que oferece camisetas, artesanato e pôsteres com reproduções de fotografias de Sebastião Salgado, algumas delas autografadas. Também assume a tarefa de realizar a adequação de propriedades que tenham passivos ambientais.
A organização recebe ainda todo tipo de doação, inclusive valores menores, mas recorrentes. “Os indivíduos muitas vezes querem colaborar com alguma causa, mas não sabem como fazer isso. Hoje, é possível delegar esse trabalho que ele não consegue realizar sozinho”, afirma Isabella. Por R$ 20 por mês já dá para contribuir com a recuperação da Mata Atlântica. “Fazemos tudo com absoluta transparência e temos até uma auditoria internacional.” A melhor propaganda para angariar novos doadores é a própria trajetória de sucesso da iniciativa. Basta ver as imagens da Fazenda Bulcão antigamente e o resultado 20 anos após o replantio.
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