O porta-voz da pecuária sustentável

Caio Penido mudou o tom dos debates sobre a produção de carne bovina e a preservação do meio amb


Edição 13 - 14.04.19

Caio Penido mudou o tom dos debates sobre a produção de carne bovina e a preservação do meio ambiente, e tem em sua própria fazenda o laboratório, o campo de teste e a vitrine que dão sustentação a seu discurso

Patrocínio: Corteva Agriscience

Por Romualdo Venâncio | Fotos Rogério Albuquerque

A partir de junho de 2019, Caio Penido deve começar a receber visitantes diferentes em sua propriedade, a Agropecuária Água Viva, localizada no município de Cocalinho, na região mato-grossense do Alto do Araguaia. Na verdade, serão hóspedes. O empresário está transformando sua fazenda em uma pousada. O objetivo é criar novas possibilidades para quem quiser conferir de perto como a pecuária brasileira pode ser sustentável, em todos os sentidos, e ainda desfrutar de uma oportunidade bem diferente de lazer. Além disso, agregar valor ao negócio de produção de carne bovina comprometido com a preservação do meio ambiente. Monetizar o que é preservado é uma das bandeiras de Caio no setor.

Como é peculiar em suas empreitadas na região, a ideia de agregar o turismo rural aos negócios da fazenda também visa a benefícios coletivos. “Temos potencial para sermos um polo de turismo sustentável. A maioria dos pecuaristas que investem na região mora fora daqui, em cidades como São Paulo, Ribeirão Preto, Goiânia e Cuiabá. As sedes das fazendas, estruturas com quatro ou cinco suítes e que têm um custo fixo, acabam ficando ociosas”, comenta Caio.

Na opinião do pecuarista, as atrações naturais da região enlouquecem quaisquer turistas, brasileiros ou estrangeiros. Ele não deixa de ter razão. Somente na Água Viva é possível encontrar um fervedor, nascente que não se vê em qualquer lugar; amplos lagos; ilhas para pesca esportiva; e o Rio das Mortes, que apesar do nome – a origem vem das antigas batalhas travadas às suas margens envolvendo povos indígenas, segundo uma das versões –, é um convite quase que irrecusável aos passeios de barco. “Por ser uma área de transição de Cerrado e Floresta Amazônica, encontramos espécies animais dos dois biomas, como pirarucu, jacaré, cervo-do-pantanal, tuiuiú, ariranha, onça e até boto”, acrescenta o fazendeiro.

Chama a atenção a própria estrutura da sede, que já abrigou um mosteiro salesiano dedicado à catequização dos índios da região do Araguaia, ali por volta dos anos 1960. “João Goulart costumava passar férias aqui”, comenta Caio. A rusticidade da arquitetura original foi preservada, mas com toques de modernidade para garantir mais conforto. Bem perto da casa, há também uma capela, com as mesmas paredes grossas, peculiares às construções da época.

Fazenda-butique baseada em pasto

Toda essa combinação de atrativos só faz sentido mesmo por conta dos resultados da pecuária de corte, com o gado criado exclusivamente a pasto. Caio descreve sua propriedade como “fazenda-butique”. Em parte, porque considera modesta a área total de 5 mil hectares para os padrões de Mato Grosso — e até mesmo da organização de sua família, o Grupo Roncador, que tem atuação em pecuária, agricultura e mineração e há anos aparece entre os grandes nomes do agronegócio brasileiro. A história do empreendimento, do qual Caio é acionista, já começou com 24 mil hectares, adquiridos em Querência (MT) por seu avô, Pelerson Soares Penido, em 1978. Hoje, apenas as áreas agrícolas já passam de 40 mil hectares, entre terras próprias e em parceria.

O produto final da Água Viva é o outro fator que define a fazenda de Caio como “butique”. A carne gourmet sustentável ganhou marca – SoulBeef – e até foi apresentada em algumas rodadas de degustação no final do ano passado. É produzida com animais (machos e fêmeas) abatidos com idade entre 24 e 32 meses, crias das 1.400 vacas. “Estamos hoje com 700 matrizes Nelore, que são inseminadas com sêmen de reprodutores Angus, e mais 700 meio-sangue Nelore e Angus, inseminadas com Brangus”, conta o pecuarista. A reprodução é feita por inseminação artificial em tempo fixo (IATF).

O manejo do rebanho é um grande diferencial na Água Viva. Tomando a IATF como exemplo, é notória a sintonia da equipe na realização das tarefas, assim como o cuidado para assegurar o bem-estar dos animais. A estrutura de concreto que leva o gado das áreas de apartação e espera até o tronco de contenção é toda construída de forma a evitar o estresse, com corredores em curva e suficientemente fechada para as vacas seguirem sempre em frente. A condução dos bichos é feita exclusivamente com bandeiras amarradas a um bastão, sem gritaria ou cutucões.

“Tudo isso é resultado de um trabalho de longo prazo, como a apartação de vacas e bezerras, que acontece com muita tranquilidade”, diz Vinicius Pinheiro de Freitas, gerente da fazenda e responsável por toda a parte de pecuária, maquinário e equipamentos. Os indicadores de conforto para o gado estão por toda a parte. Mesmo nas áreas de pastagens mais abertas o sombreamento é assegurado por uma considerável quantidade de árvores.

“Por volta de 2008 e 2009, ambientalistas iniciaram uma estratégia de ataque à imagem do setor para reduzir o desmatamento. Surgiu então uma onda de criminalização dos produtores. Para mim, foi um choque.”

Essa pecuária extensiva foi intensificada com o modelo de pastejo rotacionado, que também vem sendo aprimorado. “Nossa média de lotação dos pastos era de meia unidade animal por hectare. Já chegamos a 1,2 UA/ha e a expectativa é de alcançarmos o patamar de 2 UA/ha”, afirma Caio. As áreas rotacionadas são compostas por quatro a oito piquetes com dimensões que vão de 5 a 20 hectares. A definição de dias que o gado fica em cada piquete depende de variáveis como a dimensão da área, o número de animais e o tipo de capim.

A manutenção das pastagens é crucial ao sucesso do projeto, ainda mais no Cerrado, por conta das plantas daninhas. Para se ter ideia, o custo com herbicidas gira em torno de R$ 350 por hectare, exigindo que se invista cada vez mais em tecnologia. Assim surgiu uma parceria entre a Água Viva, a Trimble e a Corteva Agriscience para obter mais assertividade e agilidade no combate às plantas daninhas. “Queremos adotar uma tecnologia de pecuária de precisão, a weed seeker, para melhorar o desempenho na limpeza das pastagens. A Trimble entra com a tecnologia de monitoramento por scanner e a Corteva, com toda a expertise em pastagens e controle de invasoras”, explica Eduardo Menegueli Pereira, gestor da fazenda.

Produção, preservação e valorização

Quanto melhor é a performance dos bovinos, maior é o valor agregado à fazenda por fatores ambientais, como utilização mais adequada das terras e eficiência na fixação de carbono no solo. Outro ponto favorável nessa equação é a redução na idade de abate. O pasto mais bem cuidado, somado a outras melhorias no manejo, permite reduzir o período que às vezes é de 40 meses para 30 ou até mesmo 20 meses. Com isso, cai proporcionalmente o volume de emissões de carbono por quilo de carne produzido. “Aumentamos a oferta de carne melhorando o balanço de carbono. Esse é o papo de sustentabilidade na pecuária”, observa o empresário.

Caio sempre teve como meta na Água Viva a formação de um showroom da pecuária sustentável para os produtores da região. A ideia era mostrar, em menor escala, as conquistas do Grupo Roncador, como o elevado nível de produção, a excelência em gestão e o acesso a um mercado com melhor remuneração. Embora apresentasse uma série de atributos positivos, a fazenda, que foi adquirida por sua família em 2011, estava abandonada. Exatamente por essa condição a propriedade acabou se tornando um bom experimento em preservação ambiental. “Acabei adquirindo a fazenda da minha família e a mantive dentro do projeto de sustentabilidade do Grupo Roncador”, relata Caio.

O projeto em questão é a Liga do Araguaia, formada por diversos produtores da região com a meta de estimular a expansão da pecuária sustentável e a valorização dessa produção, tanto institucional quanto financeira. Daí surgiu a iniciativa Carbono Araguaia, uma parceria com a empresa Dow Química e AgroSciences (que depois da fusão com a DuPont passou a se chamar Corteva) para mitigar as emissões de gases de efeito estufa (GHG) em função da realização dos Jogos Olímpicos 2016. “A meta é, até 2022, neutralizar 500 mil toneladas desses gases em 89 mil hectares de pastagens distribuídas por 24 fazendas”, diz Caio, que por conta do projeto foi um dos escolhidos para carregar a tocha olímpica.

Está aí uma questão que tem demandado, e recebido, cada vez mais os esforços do empresário. Essa valorização da prestação de serviços dos pecuaristas ao meio ambiente tem motivação mais do que financeira, é um resgate da imagem positiva de homens e mulheres do campo. Produtores que chegavam ao Vale do Araguaia com espírito empreendedor, como o avô de Caio, eram considerados heróis e incentivados a abrir clareiras na mata para plantar ou usar como pastagens. “Ali por volta de 2008 e 2009, ambientalistas iniciaram uma estratégia de ataque à imagem do setor para reduzir o desmatamento. Surgiu então uma onda de criminalização dos produtores. Para mim, foi um choque.”

“Em vez de vantagem competitiva, nossa preservação acaba se tornando uma barreira. Não faz sentido”

Nos últimos dez anos, Caio vem se debruçando cada vez mais sobre essa questão para entender as razões da inversão de valores e retomar a imagem positiva dos produtores rurais, o que vem ocorrendo há dois anos. O que o empresário cobra da cadeia, e incentiva toda a classe produtora a fazer o mesmo, é a precificação, a valorização da preservação. Até porque, frustrando as expectativas do setor, o consumidor final, de maneira geral, não parece disposto a pagar mais pelo alimento para bancar os serviços ambientais da pecuária. “Quando chega à gôndola, o consumidor quer carne mais barata. A carne gourmet atende a um nicho, que acredito ser entre 2 ou 3% do consumo brasileiro”, diz Caio. O grande desafio é definir mecanismos para colocar em prática essa precificação, e, para levar em frente essa empreitada, Caio apostou em outra habilidade profissional.

Entra em cena o comunicador

Formado em Comunicação Social, Caio trabalhou por sete anos com produção audiovisual. Sua produtora, a Encruzilhada Filmes, continua ativa, gerando conteúdo com ênfase na sustentabilidade – ambiental, econômica e social – das atividades agropecuárias. Também trabalhou por outros sete anos como executivo no Grupo Roncador, cuidando das áreas de mineração, calcário agrícola e novos negócios, sustentabilidade, relacionamento institucional e comunicação. Quando passou a se dedicar com mais exclusividade à Água Viva, abriu-se o espaço para ir assumindo o papel de articulador do setor.

A árdua tarefa acabou se tornando menos difícil com o surgimento de novos dados, de fontes oficiais, comprovando o quanto os produtores rurais preservam a natureza. “O site Global Forest Watch publicou que 62% do território brasileiro é preservado. A informação é semelhante ao que foi divulgado pela Embrapa Territorial (66%) e, em seguida, confirmado pela Nasa”, lembra o comunicador. Esses índices reduziram as possibilidades de contestação ao discurso que Caio trazia desde 2016, reforçado pelas certificações e comprovações de sua fazenda. Como futura conquista, já bem próxima, o selo Rain Forest Alliance. “Estamos no final do processo, que é bastante rigoroso e comprova todos esses atributos de sustentabilidade”, comenta.

Recentemente, o pecuarista comemorou a obtenção do certificado Jaguar Friendly Farm. Concedido pelo Instituto Onça Pintada, o documento atesta a existência de felinos de grande porte na propriedade, o que não era de se estranhar, mas acabou sendo surpreendente. Caio foi orientado a não criar muitas expectativas, pois poderia demorar até um ano para aparecer um felino de grande porte. “Um mês após a instalação das câmeras, quando conferimos as imagens pela primeira vez, já havia surgido onça-parda, onça-pintada e jaguatirica”, orgulha-se o produtor.

A comprovação da presença de onças como indicador de sustentabilidade, de biodiversidade conservada, é outro argumento para pleitear um pagamento pelo serviço ambiental. Por outro lado, a inversão de valores volta a assombrar o setor, pois há quem associe a existência de florestas com o risco de desmatamento. “Em vez de vantagem competitiva, nossa preservação acaba se tornando uma barreira. Tanto que alguns importadores preferem comprar carne de países que não têm uma árvore nas fazendas. Não faz sentido”, lamenta. Para ele, é imprescindível que a classe produtora e os ambientalistas estejam unidos em uma agenda comum para que o debate seja mais claro e justo.

Essas e diversas outras discussões são pautas permanentes de Caio à frente do Grupo de Trabalho da Pecuária Sustentável, o GTPS. Ele é o primeiro pecuarista eleito para presidir a entidade, que reúne produtores, indústria frigorífica, representantes do segmento de insumos, restaurantes, instituições financeiras e ONGs. “Temos diferentes pontos de vista e fazemos um exercício constante para confirmar a convivência com os diferentes, o que não nos impede de chegar a uma agenda comum”, pontua o empresário, que também faz parte da diretoria de Comunicação do Instituto Mato-Grossense da Carne (Imac).

Ponto de equilíbrio

Apesar de toda a empolgação de Caio com as diversas atribuições, dentro e fora da fazenda, dentro e fora do País – ele tem viajado com frequência ao exterior para falar sobre a pecuária sustentável do Brasil –, ele comenta que é preciso saber aproveitar bem cada uma dessas experiências. Inclusive, e sobretudo, a convivência com sua esposa e o casal de filhos adolescentes. “Tem de saber dosar as coisas”, ressalta. A verdade é que várias oportunidades de estar com a família e os amigos acabam sendo celebradas com churrasco.

Outra atividade que contribui para a tranquilidade cotidiana do pecuarista é a música, que também fica melhor se for coletiva. “Toco um pouquinho de violão e de sanfona. É uma boa válvula de escape”, conta ele, que costuma fazer dueto com o filho baterista. Segundo Caio, a principal condição para manter esse equilíbrio entre as atividades, e todas serem satisfatórias, é trabalhar com o que gosta e acredita. “Não é o caso de ter um trabalho sacrificante compensado por algo relaxante. É importante que tudo seja prazeroso”, avalia. Não por acaso, Caio se despediu da equipe de reportagem da PLANT, já de shorts e chinelo de dedos, com uma caixinha de isopor devidamente abastecida com cervejinhas geladas, rumo à beira do rio.

 

CAIO PENIDO DALLA VECHIA

45 anos, casado

Cargo: proprietário da Agropecuária Água Viva (Cocalinho, MT)

Faturamento: não informado

Área total: 5 mil hectares

Atividade: pecuária de corte

Rebanho: 700 matrizes Nelore e 700 matrizes meio-sangue Nelore e Angus

Hobbies: tocar violão e sanfona

Outras atividades: é presidente do Grupo de Trabalho da Pecuária Sustentável (GTPS) e diretor de Comunicação do Instituto Mato-Grossense da Carne (Imac)

TAGS: Caio Penido, Pecuária Sustentável, Sustentabilidade, Top Farmers