Turbulência com crescimento na aviação agrícola

Por Tiago Dupim O cenário é quase surreal. Imaginem um país que detém a segunda maior frota de a


Edição 14 - 06.05.19

Por Tiago Dupim

O cenário é quase surreal. Imaginem um país que detém a segunda maior frota de aeronaves agrícolas do planeta sofrer com a escassez de gasolina de aviação (avgas), mesmo ocupando a nona posição entre os maiores produtores de petróleo do mundo. Foi o que o Brasil viveu em janeiro deste ano. Cerca de 200 aviões agrícolas ficaram parados em parte do País durante o primeiro mês de 2019, enquanto em torno de 300 chegaram a ter combustível para apenas dois dias de operação. Em São Paulo, onde está 80% da produção de cana-de-açúcar, pelo menos 30 aparelhos movidos a avgas deixaram de decolar. A situação só não foi pior porque parte da frota aeroagrícola brasileira é movida a etanol.

O estado que mais sofreu foi o Rio Grande do Sul, que conta com a maior frota de aviões desse tipo do País (mais da metade de um total de 427 aeronaves) por causa do alto custo do etanol praticado por lá. Para piorar, o período coincidiu com o auge de safras importantes na região, como soja (é o terceiro maior produtor nacional) e arroz (70% da produção do País). A tensão só não aumentou ainda mais devido a um período atípico de chuva forte, que já havia deixado muitos aviões em solo. Em outros estados, como no Mato Grosso do Sul, operadores também foram afetados pela falta de avgas. Porém, os efeitos da crise não foram tão sentidos porque quase todos os empresários contam com a maioria dos aviões a etanol ou a querosene de aviação (Jet-A1, que é usado nos aviões maiores, como os turboélices).

Mauro Moura, que é piloto, empresário e produtor rural, é um dos que evitam adquirir aviões a avgas. Ele tem uma frota de 12 aeronaves (dois turboélices a querosene e dez com motor a pistão movido a álcool) e que atua basicamente no Centro-Oeste. “Não fui afetado por conta das caraterísticas da minha frota, mas não significa que isso não preocupa o setor como um todo”, comenta. A escassez ocorreu devido a uma paralisação programada (que começou em novembro) para manutenção da Refinaria Presidente Bernardes, localizada em Cubatão (SP), única que produz avgas no País. Com o auge da safra, isso colocou a aviação agrícola brasileira à beira de um colapso.


Arnaud Araújo, piloto e operador aeroagrícola baseado no interior de São Paulo, foi um dos que sofreram com a escassez de avgas. A empresa dele conta com cinco aeronaves, sendo uma (Cessna 188) movida a gasolina de aviação. Esta, em janeiro, ficou no chão. “Durante duas semanas o avião ficou parado. Isso significa que deixamos de atender de 3 mil a 4 mil hectares”, lamenta. O temor de que isso volte a acontecer fez com que ele convertesse um outro avião da frota (o brasileiro Ipanema) de gasolina para álcool.

A solução encontrada pelo governo para resolver temporariamente o problema foi liberar a importação de combustível. Porém, o navio que trazia o produto teria enfrentado problemas burocráticos para entrar no País, atrasando a chegada da carga. “O combustível foi um problema pontual. O governo avisou que a refinaria estaria em manutenção programada, mas faltou combustível. Houve prejuízos e situações como essa trazem insegurança para as empresas”, comenta Júlio Kämpf, presidente do Sindag (Sindicato Nacional das Empresas de Aviação Agrícola).

FUTURO EM DEBATE

A informação passada pela Petrobras ao setor foi que em outubro a situação irá se normalizar. No entanto, segundo os operadores, o futuro é incerto. Estaria em curso uma discussão sobre se é viável manter uma unidade dentro da refinaria apenas para avgas (pois o consumo no Brasil não é tão grande) ou se seria melhor depender apenas da importação. “Penso que o País fica vulnerável quando se depende apenas do combustível que vem do exterior. Isso traz fragilidade para o sistema como um todo. Não sabemos o quanto isso seria totalmente seguro para as empresas”, opina Kämpf.

O executivo acredita que deveríamos ter uma espécie de pontos de reserva de combustível espalhados pelo País para não dependermos apenas de uma refinaria. “Assim, não sofreríamos prejuízos em caso de imprevistos, pois locais estratégicos de abastecimento supririam a demanda até se resolver certos imprevistos”, sugere.

Enquanto isso, mesmo diante do momento de incertezas na economia nacional, a aviação agrícola mostrou bons resultados no ano passado. O setor registrou um crescimento de 3,74% no número de aeronaves, mais que o dobro do registrado em 2017. Isso pode significar o começo de uma retomada para índices como os de 2014, que eram de 4,25%. De 2015 a 2017, a evolução anual ficou no máximo na casa dos 2%. “Não esperava que o setor registrasse crescimento algum em 2018 por conta do momento do mercado de aviação em geral. Mas esses números mostram uma tendência de alta para o ano que vem”, analisa Kämpf.

O balanço positivo é muito por conta do agribusiness. De acordo com dados do Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada), o PIB-volume do agro, calculado pelo critério de preços constantes, cresceu em todos os segmentos. O PIB-volume teve alta de 1,87% em 2018, com elevações de 5,17% para insumos, de 0,41% para o segmento primário, de 1,97% para a agroindústria e de 2,31% para os agrosserviços.

FALTA COMBUSTÍVEL, SOBRA TECNOLOGIA

Mas como a segunda maior frota de aviação agrícola do mundo enfrenta um problema tão primário? Para Kämpf, tudo passa pela deterioração da infraestrutura nacional como um todo, passando também pelas rodovias. “Cabe ao novo governo estabelecer novas estratégias para resolver esses problemas. Hoje, por exemplo, se há um incidente em alguma ponte importante na ligação interestadual, podemos ficar sem combustível”, alerta.

A maior frota de aviação agrícola atualmente está nos Estados Unidos. O país conta com aproximadamente 3.600 aeronaves entre aviões (84%) e helicópteros (16%) que realizam aplicações em todos os 50 estados norte-americanos. Existem por volta de 1.560 empresas ligadas a aplicações aéreas no País. Dessas, 94% dos proprietários são também pilotos agrícolas. Há ainda 1.400 pilotos não empresários.


Atualmente, no Brasil são 2.194 aeronaves. Dessas, menos de 1% são helicópteros. “Há áreas no Brasil em que a aviação agrícola ainda não chegou. Se conseguirmos incentivos para a compra de aeronaves e caso a economia nacional ajude, a tendência é de que em dez anos a nossa frota supere a norte-americana”, confia Gabriel Colle, diretor executivo do Sindag.

No ranking com 22 estados, o Mato Grosso continua liderando, com 464 aeronaves registradas, seguido pelo Rio Grande do Sul, com 427 aviões, e tendo São Paulo em terceiro, com 312 aeronaves. Minas Gerais foi o estado que teve o maior crescimento (15,5%), passando de 71 aeronaves em 2016 para 82 no ano passado. Ao todo, segundo a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil), são 252 empresas (quase 30% no Rio Grande do Sul) de aviação agrícola no País e mais 585 operadores privados (40% está no Mato Grosso).

As diferenças estruturais entre Brasil e EUA passam principalmente pelas parcerias. Por lá, as empresas utilizam muito os prestadores de serviço (terceirizados), em vez de priorizar a compra dos próprios equipamentos. Devido ao custo do combustível ser menor, o mercado estadunidense acaba optando por aviões maiores movidos a Jet-A1. Isso faz com que 81% da frota norte-americana seja composta por aviões turboélices (como Air Tractor e Thrush), enquanto no Brasil esse número não passa de 20%.


Mas aos poucos esse cenário está mudando. No ano passado já tivemos a entrada de mais aeronaves turboélices na aviação agrícola brasileira e isso deve continuar nos próximos anos. Foi em 1990 que começaram a entrar no Brasil os aviões com essas características – maiores e mais potentes. De 2011 a 2018, a frota de aviões agrícolas a pistão passou de 1.570 para 1.829 aparelhos, um crescimento de 16,5%. Já a frota de turboélices, que era de 123 aviões em 2011, fechou 2018 com 365 unidades, registrando um aumento de 196,7%. “Agora esse tipo de avião está mais acessível, mas até os anos 2000 nossa agricultura não comportava tais aparelhos. Hoje temos áreas mais extensas. Evoluímos muito, principalmente nas culturas de soja, algodão e cana-de-açúcar nas regiões do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia”, explica Colle.

Em termos de tecnologia na aplicação, o Brasil não deve nada a outros países. Devido às características do País e ao clima tropical, a nação como um todo convive com inúmeros insetos, pragas e fungos. Por isso, foi preciso criar novas técnicas para um maior controle na aplicação de inseticidas. “Já temos empresas brasileiras vendendo serviços e produtos para as norte-americanas”, revela Colle. Muitas dessas companhias estadunidenses já começam a chegar ao Brasil. No último Congresso de Aviação Agrícola, realizado em Maringá (PR) no ano passado, 15% dos expositores eram dos Estados Unidos, que foram para lá em busca de novos negócios com o mercado brasileiro. A aviação agrícola agradece.

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