Edição 14 - 25.04.19
Por Costábile Nicoletta, de Pompeia (SP)
O Grupo Jacto, fabricante de máquinas agrícolas, não se encaixa exatamente no que os manuais de administração e marketing costumam apregoar como modelo de estratégias a serem adotadas para que as empresas sejam bem-sucedidas. É de controle familiar desde que nasceu, há 71 anos, na pequenina Pompeia, cidade paulista com pouco mais de 21 mil habitantes e 500 quilômetros distante da capital. Até hoje mantém sua sede e as principais unidades industriais no município, de onde obtém a maior parte de sua receita anual de cerca de R$ 1,5 bilhão, oriunda da atuação em mais de 100 países (em alguns dos quais com fábrica própria). E grande parte de seu processo produtivo ainda é verticalizado, uma das razões enumeradas pela companhia para a especialização que lhe garantiu lançar produtos com tecnologia de ponta no Brasil e no mundo – como a colhedora de café, em 1979, pioneira no segmento, para citar um dos muitos itens de vanguarda desenvolvidos em seus laboratórios, inclusive para áreas à margem do agronegócio.
O estilo se mantém. Hoje os executivos e técnicos da companhia analisam, de Pompeia, o desempenho com sua mais recente aposta: um veículo agrícola autônomo (VAA) para pulverizar defensivos químicos nas plantações. Alguns protótipos estão sendo testados nas lavouras de clientes do grupo. Estima-se que, em alguns poucos anos, já poderão ser comercializados. Antes mesmo de esse dia chegar, no entanto, o VAA proporcionou o desenvolvimento de subprodutos incorporados ao pulverizador de agroquímicos Uniport, nome comercial de seu carro-chefe no segmento. Embora o Uniport ainda necessite de um operador, os testes com o VAA permitiram elaborar uma tecnologia capaz de aperfeiçoar suas manobras e gravar os caminhos cobertos pela máquina e as necessidades de aplicação dos defensivos em cada trecho percorrido. Dependendo da cultura, essas manobras e aplicações têm de ser executadas diversas vezes nos mesmos lugares, e a repetição desse processo pode ser feita automaticamente pelo pulverizador com o simples acionamento de um botão.
“Agora, com 70 anos de existência, comemorados em 2018, as raízes e os valores empresariais construídos e cultivados ao longo dos anos nos mantêm firmes e possibilitam olhar para o presente e para o futuro em busca de novas oportunidades, com o mesmo entusiasmo, a mesma paixão pelas pessoas e pela excelência que eram os princípios de nosso fundador”, afirma Fernando Gonçalves, diretor-presidente da Jacto (leia mais sobre a sua visão de futuro para a empresa). “Todos na empresa nos imbuímos da missão inscrita na placa ‘Conserta-se tudo’, colocada na porta da primeira oficina aberta na cidade pelo senhor Nishimura. Seu espírito inovador de buscar soluções nas horas mais difíceis se disseminou na companhia como um todo”, diz Wanderson Tosta, diretor de marketing da Jacto.
Ambos se referem a Shunji Nishimura, fundador do grupo, que imigrou do Japão para o Brasil em 1932, tentou ganhar a vida em São Paulo e no Rio de Janeiro, mas decidiu estabelecer-se em Pompeia, em 1938, onde pôde exercer suas habilidades de mecânico aprendidas em sua terra natal, oferecendo seus préstimos para fazer reparos no que aparecesse em sua loja, de máquinas e motores a caminhões. Até que, em 1948, foi desafiado por agricultores locais a fabricar uma polvilhadeira manual de defensivos agrícolas que não quebrasse tanto como as importadas. Foi o primeiro produto desenvolvido pela Jacto.
Desde então, Pompeia entrou para o mapa-múndi da indústria de máquinas agrícolas e no roteiro dos executivos das grandes multinacionais que dominam o segmento. A empresa paulista convive, concorre (e muitas vezes supera, em inovação) com potências como John Deere, AGCO (dona de marcas como Massey Ferguson e Valtra) e CNH (Case e New Holland). Não raramente as concorrentes vão buscar em Pompeia a mão de obra qualificada formada na cidade, seja nas unidades da Jacto, seja nas instituições de ensino criadas em seu entorno, com o incentivo da indústria (leia mais no texto “Máquina de Educar”).
TECNOLOGIA PRÓPRIA
O Brasil e o mundo ainda se ressentiam dos efeitos da Segunda Guerra Mundial, encerrada em 1945, quando Shunji Nishimura encarou o primeiro desafio. Como era muito difícil obter matéria-prima e equipamentos, sobretudo importados, o jeito foi bolar seus próprios bens de capital. Foi o que ele fez. E é assim que continua sendo feito na empresa que ele criou. Muitos componentes dos produtos que saem hoje das fábricas da Jacto são desenvolvidos internamente. No caso de pulverizadores, isso inclui desde a fundição da carcaça da bomba até a placa eletrônica que controla a vazão dos produtos químicos. “Isso nos dá competência para pensarmos melhor nos aperfeiçoamentos de cada item que vendemos”, explica Tosta. “Dessa forma, não ficamos limitados ao que dá para fazer, e nos dedicamos ao que precisa ser feito para melhorar os produtos e atender às necessidades dos clientes”, continua o executivo. “Isso não seria possível se fôssemos uma mera montadora que se supre de componentes de vários fornecedores.” Apenas segmentos que não trarão impacto no know-how da empresa são terceirizados.
Um constante processo de busca de informações sobre como aperfeiçoar seus produtos e detectar as demandas do mercado também contribui para a evolução de todo esse processo. Os cerca de 3.600 empregados do grupo são incentivados a apresentar sugestões de melhoria dos itens fabricados e dos ambientes onde são feitos. Externamente, uma série de programas de intercâmbio com fornecedores e clientes atualiza permanentemente os departamentos da companhia encarregados de traduzir os anseios do mercado em produtos úteis aos agricultores.
“Todas as nossas equipes trabalham em prol de fazer algo melhor para o cliente”, afirma Tosta. “Essa abertura que a direção da empresa nos proporciona possibilita que as pessoas exercitem valores de renovação e transformação. As melhorias são feitas no dia a dia, sem data marcada para começar.” Em 2019, completam-se 30 anos desde a primeira venda do pulverizador Uniport e 40 anos da colhedora de café. Ao longo desse tempo, passaram por uma série de modificações e adotaram novas versões para incorporar as demandas do mercado, conta o executivo.
Um aspecto interessante da história da colhedora é que o fundador da Jacto, Shunji Nishimura, entre as muitas atividades que desenvolveu quando chegou ao Brasil, trabalhou na colheita manual de café, no interior de São Paulo. A experiência da dor e de ter as mãos sangrando ao final da jornada de trabalho foi uma das motivações para o desenvolvimento da máquina.
Hoje com oito versões, o Uniport começou a ser vendido em 1989 e trouxe outro ritmo de trabalho à pulverização. Até então, máquinas desse gênero eram puxadas por um trator. O equipamento da Jacto veio com motorização própria, com mais velocidade e barras de aplicação maiores. As versões atuais contam com piloto automático, direcional nas quatro rodas e sistemas que fecham e abrem os bicos de aplicação do defensivo de forma individual. Também são dotados de sistemas de telemetria que possibilitam ao produtor saber, à distância, o que a máquina está fazendo, as eventuais falhas ocorridas, rendimento do equipamento e inúmeras outras informações que podem ser captadas remotamente.
PARCEIROS DE PESO
O sistema de telemetria do Uniport transmite 300 dados a cada 5 segundos. Com eles, o produtor agrícola tem um mapa detalhado de como foi feita a operação em determinado talhão e identifica oportunidades de ganhos de produtividade, como evitar sobreposições desnecessárias de aplicação. Num exemplo de sobreposição de 10%, com um ajuste dos bicos de aplicação é possível reduzir esse índice pela metade. Tomando-se como base duas safras e um custo de R$ 1.000 por hectare, deixa-se de gastar R$ 50 por hectare. “Já ajudamos clientes a diminuir esse índice para 1%”, orgulha-se Tosta.
Toda essa tecnologia embarcada nas máquinas da Jacto a aproximou de empresas como IBM, Nokia, Tim, Oi, entre outras, a fim de buscar parcerias para afinar seus equipamentos com o que há de mais atual no mundo digital e de telecomunicações. Entra nesse escopo o Centro de Inovação no Agronegócio (CIAg), que estuda e desenvolve tecnologias que sirvam para todas as empresas do grupo.
“O esforço da Jacto concentra-se em tornar suas máquinas cada vez mais precisas e simples de operar. A gente não consegue fazer isso sem ter presença no campo, sem entrar em contato com o produtor, sem ficar atenta a novas tecnologias também de outros setores que podem ser aplicadas no agronegócio”, diz Wanderson Tosta. Apesar de ter sido uma das precursoras no uso de GPS em suas máquinas, a Jacto estuda alternativas a seu uso, pois, no campo, chega um momento em que o equipamento perde o contato com o satélite por causa dos obstáculos decorrentes do crescimento das plantas. “Estudamos algoritmos e tecnologias para controle por visão ou laser, para que o VAA possa reconhecer o caminho onde está passando e tomar a decisão de onde vai transitar, sem precisar do GPS. Já existe essa tecnologia, mas é preciso adaptá-la ao mundo agrícola.”
Jiro Nishimura, presidente da Fundação Shunji Nishimura de Tecnologia: sucessão programada
TERCEIRA GERAÇÃO
A companhia espelha a determinação de seu fundador, Shunji Nishimura, de se autodesafiar permanentemente desde que chegou a Pompeia, no início do século passado. Sua obsessão de aprender a consertar e desenvolver máquinas acentuou a importância que sempre deu à educação, uma preocupação preservada por seus filhos e netos, seja na condução dos negócios da família, seja na atuação social na fundação que leva seu nome.
Mas suas iniciativas não se restringiam à intuição dos grandes empresários que crescem por si mesmos. No início da década de 1980, quando a Jacto já tinha mais de mil funcionários, Shunji Nishimura foi receber uma homenagem no Japão por sua contribuição, como japonês, ao desenvolvimento industrial brasileiro. Aproveitou para visitar algumas fábricas da Toyota. Na volta, disse a seu filho Jiro, que presidia a Jacto: “Se essa japonesada resolver vir para o Brasil, teremos de fechar nossa empresa”.
Incumbido pelo pai, Jiro foi ao Japão aprender os métodos nipônicos de gerenciamento industrial, como just in time, kanban e 5S. “Em 1984, fomos a primeira empresa brasileira a utilizar esses modelos japoneses por inteiro”, recorda-se Jiro Nishimura. “Com a reorganização de tempo de suprimento e ocupação mais racional de espaço, esvaziamos 3 mil metros quadrados de estoque.” Com a economia, a empresa saldou seus débitos e adotou métodos de controle de caixa para evitar dívida com bancos. Até hoje as instalações de suas fábricas são imaculadamente limpas.
Shunji Nishimura viveu até os 99 anos. Faleceu em 2010, mesmo ano em que a companhia iniciou um processo de governança corporativa, estabelecendo, entre outras coisas, que os membros da família podem ocupar cargos executivos nas empresas do grupo até os 60 anos de idade – então, transferem-se para o conselho de administração, até a idade-limite de 72 anos. Em maio, está prevista a transição de comando para a terceira geração da família. Franklim Shunjiro Nishimura assumirá a presidência do Conselho da Holding e do Conselho Curador da Fundação Shunji Nishimura de Tecnologia (FSNT), e continuará como coordenador do Ecossistema de Inovação. Ricardo Seiji Bernardes Nishimura, por sua vez, ocupará a presidência do Conselho de Administração das empresas do Grupo Jacto. Um novo desafio, então, irá começar.
GRUPO JACTO EM NÚMEROS
Receita líquida:
Ano Valor (em R$)
2017 – 1.223.770.000
2018 – 1.468.500.000
2019 – 1.541.925.000
Empregados: 3.676
Matriz: Pompeia (SP)
Fundação: 1948
Empresas que compõem o Grupo Jacto
• Jacto Agrícola — Desenvolve e fabrica equipamentos agrícolas para as operações de pulverização, adubação, colheita de café e agricultura de precisão para mais de 100 países. Suas fábricas se localizam no interior de São Paulo e na Argentina. Nelas, produz pulverizadores, colhedoras de café, adubadoras, itens de agricultura de precisão (com a marca Otmis), bicos de pulverização e peças de reposição.
• Jacto Small Farm Solutions (JSFS) — Dedica-se a desenvolver soluções para pequenos agricultores, como pulverizadores portáteis manuais e à bateria. A JSFS tem fábricas no Brasil e na Tailândia, operação comercial nos Estados Unidos e, em 2016, inaugurou uma planta no México.
• Unipac — Atua no ramo de transformação de plástico com produtos e serviços para os mercados de embalagens, automotivo, máquinas agrícolas, movimentação e armazenagem e veículos elétricos industriais. Suas unidades encontram-se na capital paulista e em outras cidades do estado, como Limeira, Paulínia e Pompeia.
• JactoClean — Especializada em equipamentos para serviços de limpeza, desenvolve produtos voltados ao uso residencial, comercial, profissional, industrial e ao agronegócio. Seu portfólio reúne lavadoras de alta pressão, lavadoras de pisos, lavadoras sanitizadoras, aspiradores de pó e líquidos, limpadoras à extração, motobombas para climatização, pulverizadores costais, acessórios e detergentes. Também fornece sistema para gerenciar e monitorar à distância a limpeza realizada por empresas prestadoras de serviço. Sua matriz fica em Pompeia (SP).
• RodoJacto — Realiza a integração de soluções em transportes e logística de produtos. Atende aos mercados de cargas comuns (que utilizam meios de transporte convencionais) e especiais (que excedem pesos e medidas e necessitam de procedimentos específicos). Gradativamente, pretende atuar no mercado de serviços logísticos, oferecendo armazenagem, estocagem e expedição de mercadorias. Para cargas comuns, a atuação principal está no eixo interior–capital e capital–interior, atendendo em um raio de 500 quilômetros da matriz em Oriente (SP). Para cargas especiais, a atuação é em todo o território nacional.
• Sintegra Surgical Sciencies — Iniciou suas atividades em Pompeia (SP) em maio de 2010, tendo como know-how o processamento de polímeros especiais, e vem se destacando na aplicação de materiais biocompatíveis e hemocompatíveis, no desenvolvimento de soluções para as áreas de implantes ortopédicos. Pioneira no Brasil em implantes absorvíveis, além de prover a indústria farmacêutica com componentes para linhas de infusão de injetáveis, componentes para ventilação mecânica e anestesia para unidades de terapia intensiva e cirurgia cardíaca.
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