08.01.19
POR LUIZ FERNANDO SÁ
O setor de nutrição animal costuma ser um importante termômetro da atividade na pecuária. As encomendas feitas às empresas desse segmento sinalizam não apenas os indicadores de crescimento, mas também de nível de tecnologia empregado na produção nas mais diversas cadeias – bovinocultura, suinocultura, avicultura, piscicultura e outras. É a partir da observação desses dados que o médico veterinário Stefan Mihailov, presidente da Trouw Nutrition para a América Latina e um dos mais experientes executivos da área de insumos para a criação de animais, prevê uma evolução importante na produtividade de proteína animal nos próximos anos, sem que seja necessário ampliar as áreas ocupadas por pastagens, por exemplo. “A nutrição animal está anos luz à frente da humana”, afirma Mihailov na entrevista concedida à série PLANT TALKS durante o Global Agribusiness Forum – GAF18. Confira a seguir os principais trechos:
Como é que um médico veterinário se transforma em um gestor de empresas com o porte da Trouw Nutrition?
Acho que foi um pouco o acaso. Minha primeira etapa profissional foi em uma indústria que fabricava vacinas e medicamentos para várias espécies de animais. A formação veterinária ajudou a iniciar esse percurso, porque eu comecei a mexer com desenvolvimento de produtos. Dali para frente foram muitas oportunidades boas que surgiram eu fiz questão de tentar agarrá-las. E aí, foi natural a evolução
Você foi buscar uma especialização em administração?
A faculdade de Medicina Veterinária evidentemente direciona a gente muito para clínica. A gestão é uma coisa que é pouco explorada dentro dessa área. Então, logo no início de carreira eu busquei uma especialização em marketing pela ESPM e, na sequência, em administração de empresas pela FGV, exatamente para complementar aquilo que a grade curricular veterinária não oferecia.
Quais foram os momentos decisivos na sua carreira? Em que momento você pensou “aqui eu comecei a decolar”?
Cada uma das etapas teve uma importância muito grande. Não sei se existe exatamente um ponto que me direcionou para cá ou para lá. Tive realmente oportunidades muito boas na carreira, com várias posições em três empresas diferentes, inclusive fora do País. Sem dúvida, viver fora do país é uma experiência muito rica, entender novas culturas outras formas de atuar em mercados até menos complexos do que o Brasil. Quem passa pelo Brasil tem um MBA completo para gerenciar negócios em qualquer lugar no mundo.
Em que países você trabalhou?
Estive nos Estados Unidos, morei em Kansas. Cuidava de América Latina, mas baseado nos Estados Unidos, por quase três anos e na sequência na Itália, como responsável pelas operações italianas da FortDodge na época.
Qual o seu perfil como gestor?
Cada gestor evidentemente tem uma forma de atuar. Eu pessoalmente procuro sempre pensar alto. Acho que quando a gente aspira alto acaba criando em toda equipe uma vontade de fazer melhor, de dar o seu melhor. Acho que a coisa mais importante é a gente realmente criar situações onde cada um queira exprimir aquilo que tem de mais forte. Fora isso, inovação, pensar fora da caixa, tentar encontrar formas diferentes de fazer as coisas. É uma das saídas para a gente sair da mesmice. O mundo se move com muita velocidade e na gestão de pessoas, especificamente, acho que o mais importante é tentar se adaptar a cada pessoa, a cada personalidade, a cada momento de carreira de cada profissional.
Qual é o perfil do profissional que busca quando você vai ao mercado? Que característica você observa se em primeiro lugar?
Existem algumas coisas que são muito difíceis de a gente detectar durante um processo de entrevista. Mas o mais importante é tentar perceber se para aquela posição em questão o profissional que está sendo avaliado realmente vai ter um encaixe muito bom. Em inglês chamamos de job fit. Isso é o que acho fundamental, porque se não gostar do que faz é difícil que a coisa possa ter continuidade. O mais importante no processo de entrevista realmente é ver se, sabendo o que que a posição pede, qual vai ser a rotina de trabalho e que tipo de oportunidades vão surgir, esse profissional realmente vai se sentir bem confortável e motivado para seguir em frente.
“Quem passa pelo Brasil tem um MBA completo para gerenciar um negócio em qualquer lugar do mundo”
Você vem de uma mudança recente. Passou nove anos em uma empresa de saúde animal e há pouco mais de um ano assumiu o comando da Trouw Nutrition, que é especializada em nutrição animal. Como foi essa mudança? Houve um período de adaptação?
O período de adaptação é muito longo. Dura normalmente um dia — o dia que você senta na cadeira já tem que estar adaptado. Mas são mercados com algumas similaridades. No fim das contas estou no segmento de saúde e nutrição animal, então o cliente final é o mesmo. Ambos extremamente importantes, mas os canais de venda a dinâmica de mercado de saúde animal têm particularidades bem distintas do de nutrição. Então, essa é mais uma oportunidade imensa, apesar de eu já ter 25 anos de carreira e 51 anos de idade, parece que estou começando hoje, por tanta motivação e por ser uma dinâmica tão diferente de mercado.
Qual foi o maior desafio desse primeiro ano?
O setor de saúde animal é muito parecido com o setor farmacêutico humano. É um mercado de margens relativamente altas, o que permite um investimento também mais expressivo. O mercado de nutrição, ao contrário, costuma ser de volumes muito elevados e margens um pouco mais estreitas. Então, tem que ser um pouco mais assertivo no investimento. A gente não pode arriscar para ver se dá certo, porque muitas vezes não tem recursos sobrando para poder ir em várias frentes. Essa talvez seja a diferença mais importante na gestão do negócio como um todo. Em relação às pessoas, o mercado de nutrição exige profissionais muito mais qualificados. A nutrição animal está anos luz à frente da nutrição humana. Talvez seja a única área em que se compara o setor animal com o humano e existe essa diferença tão grande a favor do animal.
Em que sentido você diz que está à frente?
A gente trabalha com várias casas após a vírgula para avaliar a performance nutricional dos animais. Na nutrição humana, só agora se começa a avaliar algumas possibilidades, muito mais ligadas ao desempenho de atletas. No dia-a-dia nutricional dos animais, principalmente animais de produção, é fundamental que a gente tenha a máxima performance. Na nutrição de animais de companhia é a mesma coisa, porque o dono de cão ou de gato percebe qualquer variação. Nós temos que ser muito precisos realmente nisso e o avanço em pesquisa é extremamente grande nessa área.
Estamos então na era da nutrição de precisão, para fazer uma analogia ao termo agricultura de precisão?
Justamente, hoje em dia nutrição de precisão é a palavra de ordem para enfrentar os desafios futuros de produzir mais com menos. A gente tem que conseguir trazer o máximo de resposta dos animais em desempenho, em manter saúde, em qualidade de vida, em bem-estar animal, com o mínimo possível de recursos. Isso é sustentável. A nutrição de precisão vem, por exemplo, avaliar uma amostra de milho que vai ser usada em uma ração para determinados animais, qual a concentração de proteína etc.. No passado a gente trabalhava com uma concentração média para o milho…
Como se todo o milho fosse igual…
E não é. Hoje a gente faz um ajuste com a nutrição de precisão, porque muitas vezes a gente precisa aumentar a quantidade de milho na dieta para poder realmente entregar para os animais o que eles precisam. Ou, ao contrário, reduzir um pouco para não haver desperdício. Isso é um dos ajustes finos fundamentais para garantir o retorno econômico da atividade.
Isso também exige do criador um nível de conhecimento muito mais alto, porque no fim das contas a formulação é feita para cada lote de animais. É preciso trabalhar muito próximo desse criador.
Exatamente. Por exemplo, no mercado de frango e de suínos nós somos produtores de premix, uma pré-mistura em que inclui vitaminas, minerais, aditivos, tudo que entra em pequena quantidade na ração. Isso é feito antes de se adicionar a ração para garantir que esses microelementos estejam muito bem distribuídos, de forma homogênea. O premix é um mercado bastante importante em que a gente atua e para vários clientes a gente oferece serviços, que nós chamamos de NutriOpt. É a otimização da nutrição. Basicamente, a gente faz avaliação dos componentes nutricionais dos principais ingredientes utilizados na ração. Muitas vezes esses clientes têm equipamentos para isso ou a gente pode oferecer no sistema de comodato. Mas o mais importante não é nem o equipamento, que evidentemente está acessível para qualquer cliente que tiver interesse, mas as curvas que desenvolvemos e a calibração para poder fazer essa avaliação do milho, da soja ou até de componentes ingredientes que só tem no Brasil, como bagaço de cana para alimentação animal ou resíduos da indústria de laranja. O resultado vai ser muito significativo para o cliente, inclusive do ponto de vista econômico da propriedade.
“A nutrição animal está anos luz à frente da nutrição humana. A gente trabalha com várias casas após a vírgula para avaliar a performance nutricional dos animais”
Como é que a Trouw se relaciona com a tecnologia? Como se diferencia nesse segmento em relação aos concorrentes?
A Trouw Nutrition é uma empresa muito grande, uma marca global, com sede na Holanda, parte do grupo Nutreco. A Nutreco é uma empresa muito focada inovação através de soluções tecnológicas para melhorar o desempenho dos animais e a melhor utilização de todos os ingredientes que são utilizados na dieta.
Quanto da receita da empresa é destinada ao desenvolvimento e à pesquisa?
No ano passado utilizamos 15 milhões de euros somente em pesquisa nos cinco centros de pesquisa. Além das pesquisas feitas na Espanha, na Holanda, no Canadá e na Bélgica, a gente válida essas pesquisas em várias partes do mundo. Antes de trazer uma tecnologia desenvolvida, por exemplo, na Espanha para frangos para o Brasil, a gente replica os experimentos aqui mesmo, uma vez que temos clima diferente, muitas vezes raças diferentes e mesmo ingredientes utilizados na dieta, para ter certeza que os resultados vão ser comparáveis à pesquisa básica realizada em outras partes do mundo.
Vocês acompanha também o movimento de startups em torno da nutrição animal?
A Nutreco tem anualmente um projeto que é lançado para qualquer startup que queira apresentar uma solução ligada ao agronegócio, especificamente na nutrição animal. Nós avaliamos os projetos, que concorrem não só a uma premiação mas à possibilidade de a Nutreco vir a investir em alguns deles.
Esse movimento é global ou é só no Brasil?
É um projeto global. Qualquer startup pode participar, do Brasil, da índia, da Tailândia, dos Estados Unidos, de onde for.
Já houve investimento em alguma startup brasileira?
Estamos com o processo em andamento e existem algumas startups que se candidataram. Vamos aguardar agora o resultado final. Em 2017, das 10 finalistas a nutreco investiu em seis. Tem uma pequena participação nessas startups e vai acompanhando o desenvolvimento dessas iniciativas muito criativas.
Que tipo de inovação elas trouxeram?
Tem de tudo. Tem inovação na área de software, por exemplo, para gestão de gado de leite. Tem outras que entram no segmento de nutrição de precisão. Enfim, em várias frentes. A gente estuda aquelas que nós entendemos que possam ser mais disruptivas ou que possam ser complementares àquilo que é feito de pesquisa básica do nosso lado. No último evento global da empresa nós convidamos vários desenvolvedores de softwares e criamos uma maratona do agronegócio. Saíram dali soluções muito interessantes, que fazem parte hoje de projetos nossos em outras duas áreas em que a empresa está investindo no estudo do uso de insetos para alimentação animal, que a FAO (Organização das Nações Unidas para Agrocultira e Alimentação) diz ser a proteína do futuro. A gente quer aprender um pouco mais sobre isso, ver como aplicar até como substituto de proteínas nobres que são utilizados para consumo humano.
Esse é um processo de curto prazo?
Acredito que vai ser uma realidade muito forte o uso dos insetos na alimentação. No nível de estudos já tem muita coisa avançada, mas para realmente tenha uma representatividade ou alguma significância em volume, eu diria entre 10 e 15 anos. Mas é mais um chute do que uma previsão assertiva.
“Nos próximos 35 anos o mundo vai precisar produzir a mesma quantidade de alimentos consumidos nos últimos 8 mil anos”
Uma questão que hoje afeta muito diversos setores do agronegócio é a pressão do consumidor. Ele quer saber tudo que aconteceu na cadeia, do campo ao prato. Como é que vocês encaram essa questão? Que tipo de trabalho vocês fazem para oferecer essa informação?
A cadeia hoje está muito integrada. Se nós fabricamos um premix para um produtor de frango, todo esse circuito está rastreado e o produtor tem condição de colocar toda a informação à disposição do consumidor.
No mercado de frangos um ponto que se discute muito é o uso ou não de antibióticos. Esses medicamentos são adicionados aos alimentos. Vocês estão buscando também alternativas para isso?
Já é uma realidade. Nossa linha de rações para camarão, por exemplo, é absolutamente livre de antibióticos, o que é uma exigência muito evidente de vários mercados. Temos linhas de produção 100% dedicadas a fabricação de ração para camarão sem antibiótico. Ou linhas de produção que, quando existe o risco de alguma contaminação cruzada de algum outro produto para outra espécie animal, há um processo de limpeza para garantir a ausência absoluta de antibiótico. A redução de uso ou pelo menos o uso racional de antimicrobianos é sem dúvida uma tendência que começa acelerar bastante em alguns países do mundo. Mas não podemos esquecer que o antibiótico é importante para manter a saúde dos animais. Eles merecem ser tratados quando estiverem doentes.
Nesse ponto, as suas experiências com saúde animal e nutrição animal se convergem.
É verdade. Acho que a gente tem condição e soluções para produzir animais com mesmo resultado econômico, ou seja o mesmo desempenho, sem o uso de antibióticos. Porém tem que ter outras medidas, um esquema de vacinação mais adequado para prevenção de doenças e garantir, sem dúvida nenhuma, através de manejo, o bem-estar animal.
Qual é a sua visão de futuro para o setor de produção de proteína animal?
Primeiro vou jogar um dado que pode parecer loucura: nos próximos 35 anos o mundo vai precisar produzir a mesma quantidade de alimentos que foram produzidos e consumidos nos últimos oito mil anos. Ou seja, apenas 35 anos daqui para frente equivalem aos últimos oito mil anos de alimentos produzidos. Então, o desafio é enorme, é fundamental e é uma missão muito nobre. Para quem está nesse setor, seja um produtor de frango, de gado de leite, de ovos, ou mesmo na área agrícola, eu diria que a sua missão é realmente muito nobre: ajudar a alimentar o mundo. E extremamente importante para garantir a disponibilidade de alimento para o mundo. O ex-ministro Roberto Rodrigues afirmou recentemente que o Brasil está se posicionando e vai se posicionar ainda mais como campeão da segurança alimentar. Ou seja, abastecer o mundo. O Brasil já é um dos grandes protagonistas e vai ser, sem dúvida nenhuma, o mais importante para atender a demanda que vem pela frente.
O ministro costuma dizer que é uma questão até de garantir a paz no planeta…
Não tenha dúvida, porque a ausência de alimentos vai criar uma certa revolução social. Nos países em desenvolvimento, o crescimento populacional é muito mais acelerado do que no restante do mundo e é natural que essa demanda vai bater à nossa porta. E tem também a urbanização, que sair de cerca de 55% para 68% da população global daqui a 30 anos. Além disso a melhoria de poder aquisitivo e o aumento da classe média vão ajudar a acelerar realmente a demanda por alimentos. A gente tem que dar conta do recado de uma forma muito sustentável. Não adianta pensar que nós vamos sair desmatando para produzir mais. Temos de produzir na área que já existe, utilizar áreas de pastagem com culturas relacionadas, integração lavoura-pecuária, otimizar o potencial genético dos animais que ainda não está 100% alcançado. Tem muitas frentes ainda, muita coisa por vir.
“O frango e a carne de peixe são as duas que vão liderar o crescimento da proteína animal daqui para a frente”
A venda de nutrientes é o indicador de como se desenvolvem alguns mercados. Olhando suas vendas para a piscicultura, você consegue dimensionar o que esse segmento representará dentro do cenário da produção de proteína animal no Brasil?
A produção de peixes já avançou bastante, mas ainda estamos engatinhando. O que o Brasil produz, em relação ao potencial, é um número tão irrisório que parece que realmente estamos começando hoje. Somos ainda um país importador de carne de peixe. A aquacultura vai continuar o crescimento acelerado. Já é um crescimento de dois dígitos ao ano e vai permanecer dessa forma.
Há algum outro segmento em que você apontaria uma mudança de patamar nos próximos anos?
O frango tende a ganhar mais espaço. Em 2016, pela primeira vez, o frango passou a carne suína como sendo a carne mais consumida no mundo. A razão principal disso tem a ver com questões religiosas, o crescimento da população de religiões muçulmanas é muito mais acelerado que as demais. Entre as principais fontes de proteína animal é a mais acessível, do ponto de vista econômico, para as famílias. O frango e a carne de peixe são as duas que vão liderar daqui para frente.
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