Edição 12 - 28.12.18
Por Jaqueline Mendes
Que o Brasil é uma superpotência em produção e exportação de alimentos, todos já sabem. Há muito trabalho e esforços desconhecidos e pouco reconhecidos, porém, por trás dessa conquista. O agronegócio brasileiro também ostenta, silenciosamente, o troféu de líder global em reciclagem de embalagens plásticas utilizadas no transporte e na aplicação de defensivos agrícolas nos mais de 76 milhões de hectares de terras cultiváveis do território nacional. Conquistar esse posto só foi possível após a implementação de um enorme programa nacional de logística reversa, denominado Sistema Campo Limpo, responsável pelo recolhimento, em campo, de nada menos que 94% desse tipo de material. Na média mundial, considerando os países que têm a agricultura como um dos pilares de suas economias, esse índice fica abaixo de 86%.
O exemplo brasileiro para o mundo tem amparo legal. O programa foi estabelecido pela Lei Federal 9.974/00, que instituiu o conceito de responsabilidade compartilhada, o qual determina obrigações para cada elo da cadeia produtiva agrícola, envolvendo desde os fabricantes e distribuidores até os produtores rurais, com apoio do poder público. “Temos uma legislação bastante rigorosa, que funciona de maneira bastante integrada e que conta com o engajamento de todos os envolvidos, fazendo com que o País tenha esse resultado”, disse à PLANT João Cesar M. Rando, diretor-presidente do (Instituto Nacional de Processamento de Embalagens Vazias (inpEV) e um dos idealizadores do Campo Limpo. “Após a reciclagem, a matéria-prima obtida dá origem a cerca de 30 artefatos, entre eles a Ecoplástica, embalagem utilizada pela própria indústria fabricante no envase de defensivos agrícolas”, afirma.
Embora esses altos índices de reutilização de embalagens seja uma realidade atual, o inpEV foi criado há quase duas décadas para coordenar o Sistema Campo Limpo e integrar os elos da cadeia produtiva no processo de recebimento e destinação das embalagens vazias de defensivos. O instituto, uma entidade sem fins lucrativos, tem hoje como missão promover e incentivar as iniciativas de conscientização e educação, reunindo sob um mesmo guarda-chuva mais de 100 empresas fabricantes e dez entidades representativas das indústrias, distribuidores e agricultores. “O Sistema Campo Limpo acompanha a demanda da agricultura nacional, e este percentual de 94% não é o limite da nossa capacidade atual”, garante Rando. “Mas é importante destacar que os esforços são destinados a manter um elevado índice de devolução do material, como o que o Brasil apresenta atualmente.”
Mais que reciclar embalagens plásticas, o sistema representa a unificação de toda uma estrutura de logística, em um modelo em que o agronegócio pode servir de paradigma para uma série de outras indústrias. O controle é feito a partir da indicação em nota fiscal, pelo distribuidor, do local onde o produtor rural deve devolver as embalagens vazias de defensivos agrícolas. Antes, porém, é necessário esvaziar o conteúdo das embalagens no pulverizador, realizar o processo de tríplice lavagem ou de lavagem sob pressão e perfurar o fundo do recipiente, evitando que ele seja reutilizado. A devolução deve ocorrer dentro do prazo de até um ano. A responsabilidade por dar a destinação ambientalmente correta às embalagens vazias é da indústria fabricante, que as encaminha para reciclagem ou incineração. Ao poder público cabe a fiscalização do funcionamento do sistema, como a emissão de licença para as unidades de recebimento dos materiais e o apoio aos esforços de educação e conscientização do agricultor em parceria com os fabricantes e distribuidores.
Essas iniciativas têm se mostrado essenciais para a defesa do meio ambiente, especialmente em regiões agrícolas que fazem fronteira com áreas com grande riqueza de biodiversidade, como o Pantanal. Não por acaso, a ONG ambientalista WWF-Brasil lançou o “Pacto em Defesa das Cabeceiras do Pantanal”, movimento que pretende contribuir para a proteção das margens dos rios. Além de conscientizar sobre a importância de se preservar matas ciliares, ajuda a criar programas de manejo de materiais que poderiam ser descartados na natureza. “Esse movimento é de extrema importância para o Pantanal não só pelo trabalho de conservação de rios e nascentes, mas porque foi e ainda é capaz de engajar diferentes atores relevantes para o bioma”, diz o analista de conservação do WWF-Brasil, Breno Melo.
Os números da indústria da reciclagem no campo falam por si. Desde o lançamento do Campo Limpo, em março de 2002, mais de 450 mil toneladas de embalagens vazias foram destinadas adequadamente. Nesse período, o trabalho realizado no âmbito do sistema evitou a emissão de 625 mil toneladas de CO² (o que equivale a 1,4 milhão de barris de petróleo não extraídos ou a 3 milhões de árvores plantadas). “Em razão dos inúmeros ganhos ambientais e sociais, o Sistema Campo Limpo apresenta benefícios importantes para toda a sociedade por meio de uma atuação conjunta que contribui para a construção de uma agricultura sustentável”, acrescenta Rando.
SUSTENTABILIDADE
É inegável que a disseminação da cultura da reciclagem, no mundo moderno, é parte fundamental para a sobrevivência de qualquer negócio. Prova disso é que o conceito de logística reversa tem se difundido em todo o mundo na última década, motivando a criação de novas leis que tornam empresas e indústrias dos mais variados segmentos legalmente responsáveis por todo o ciclo de vida útil de um produto, promovendo a reutilização ou o descarte correto dos bens de consumo. “Nos últimos anos, a sustentabilidade se transformou em um dos temas mais discutidos no setor empresarial, não apenas no agronegócio”, comenta Nilo Cini Junior, presidente do Instituto de Logística Reversa (Ilog). “Isso é fruto, principalmente, da conscientização social. O ser humano está cada vez mais certo de que os recursos naturais que estamos utilizando são finitos.”
Em paralelo às iniciativas adotadas no agronegócio, o governo brasileiro lançou, em 2010, a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), a Lei nº 12.305, que define a logística reversa como um instrumento de desenvolvimento econômico e social. Além de prever a redução, reutilização e reciclagem na geração de resíduos, a legislação regulamenta e impõe a implementação de sistemas de produção e consumo consciente a fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes. “Dessa maneira, se não nos preocuparmos com o planeta, as próximas gerações estarão ameaçadas”, diz Cini Junior. “O tripé reduzir, reutilizar e reciclar é uma tendência cada vez mais presente em nossa sociedade.”
Somente no Paraná, o Ilog atua desde 2016 auxiliando instituições de todos os portes a adotarem e desenvolverem práticas sustentáveis em cumprimento das políticas de logística reversa. Com mais de 300 empresas associadas, o instituto contribui com a minimização do descarte de resíduos na natureza, realizando a coleta de centenas de toneladas de descartáveis todos os anos nas principais cidades do estado, inclusive de empresas ligadas ao agro, como o frigorífico JBS, o laticínio Frimesa e a cooperativa Coamo. No ano passado, a iniciativa colaborou com reaproveitamento de mais de 2.100 toneladas de lixo por meio das Centrais de Valorização de Materiais Recicláveis (CVMRs) instaladas nas cidades de Londrina e Maringá, mantidas em parceria com as prefeituras. Também participam do projeto empresas como Pinduca, Caldo Bom, Heineken, Pepsico, Castrolanda e Famiglia Zanlorenzi. “Dessa maneira, as empresas têm se esforçado para reintegrar os resíduos nos processos produtivos originais, minimizando as substâncias descartadas na natureza e reduzindo o uso de recursos naturais”, explica Nilo.
POR DENTRO DO SISTEMA CAMPO LIMPO
– 411 unidades de recebimento, das quais 111 são centrais e 298 postos
– 77 contam com o agendamento eletrônico de devolução
– 25 estados de atuação, além do Distrito Federal
– 1.500 profissionais participam direta ou indiretamente do Sistema Campo Limpo e cerca de 70 colaboradores integram o inpEV
– 5 mil recebimentos itinerantes por ano, em média. Ação facilita o acesso de agricultores localizados em áreas mais distantes das unidades fixas de recebimento
– 260 associações de revendas e cooperativas fazem parte do SCL
– 11 recicladoras parceiras e 4 incineradoras
– 1,4 milhão de propriedades atendidas
– 94% de embalagens destinadas corretamente
– 91% de embalagens recicladas
– 9% de embalagens incineradas
– 30 produtos criados a partir dos subprodutos da reciclagem, como Ecoplástica, conduítes e dutos, tubo para esgoto, caixa de bateria automotiva
– 150 unidades estão licenciadas e aptas a atender produtores rurais que possuem sobras de defensivos agrícolas nas propriedades
Fonte: Sistema Campo Limpo / inpEV
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