Edição 11 - 01.11.18
Por Xico Graziano
Os resultados preliminares do novo Censo Agropecuário 2017, divulgados pelo IBGE, trazem algumas informações essenciais para entender nossa realidade agrária e suas tendências mais recentes.
Primeiro de tudo, é impressionante perceber que o Brasil mantém estável, por quase meio século, sua base produtiva no campo, ao redor de 5 milhões de estabelecimentos rurais. Pequenas variações sobre esse número, para mais ou para menos, acontecem desde 1970.
Muitos imaginam, baseados no senso comum, que está ocorrendo um processo de concentração fundiária, ou seja, os grandes engolindo os pequenos no campo. Teimosamente, porém, a cada levantamento censitário, o IBGE não comprova essa tendência, que parece mais própria na economia urbana.
Desde 1980, quando se acelerou a modernização tecnológica do agro nacional, a área média dos estabelecimentos rurais permanece a mesma, próxima de 70 hectares. É surpreendente.
Nos Estados Unidos, para comparação, ocorreu uma drástica redução dos produtores rurais: de cerca de 6 milhões, no pós-guerra, quando se iniciou a capitalização do agro norte-americano, caíram para 2 milhões de propriedades rurais atualmente.
Há um detalhe nessa comparação: nos EUA, são agora consideradas propriedades rurais somente aquelas que produzem e vendem, no mínimo, US$ 1.000 de gêneros agropecuários durante o ano.
No Brasil, é diferente. Basta ter um pedaço de terra, mesmo sem sequer produzir nem comercializar nada, que é cadastrado como “estabelecimento rural”, incluindo incontáveis sítios de lazer, de gente bacana, ou simples moradias rurais, de pessoas pobres.
Essa é uma das razões para se entender uma característica marcante de nosso mundo rural, conforme recenseado pelo IBGE: uma grande maioria de estabelecimentos rurais não produz quase nada, nem apresenta nível tecnológico suficiente para agregar valor na produção.
Vejam os números. Dos 5.072.152 de estabelecimentos rurais recenseados em 2017, uma maioria de 85,6% não têm tratores na propriedade, 58% não fazem nenhum tipo de adubação, 64% não utilizam defensivos para combater pragas e doenças das lavouras, 85% não utilizaram nenhuma forma de financiamento rural.
Para efeito de argumentação, pode-se raciocinar que tais estabelecimentos rurais, cerca de 80% do total, não participam da produção agropecuária no País. Eles somam o redor de 4 milhões de unidades pouco produtivas ou não produtivas no campo.
Somente a divulgação dos dados completos, prevista para 2019, poderá permitir uma análise mais acurada dessa situação ligada à “improdutividade” rural.
Olhando por outro lado, embora o Censo Agropecuário mostre a existência de 5.072.152 milhões de estabelecimentos rurais, quem carrega o piano da produção agropecuária no Brasil é um contingente de aproximadamente 1 milhão de produtores que, independentemente do tamanho, estão tecnificados. Neles se incluem 320 mil agricultores familiares que receberam recursos de financiamento do Pronaf.
Esses dados preliminares do Censo não permitem verificar como se distribuem os estabelecimentos rurais em função da produção gerada. No Censo de 2006, conforme mostrou Eliseu Alves (Embrapa), percebia-se que cerca de 500 mil unidades respondiam por 87% do valor da produção rural. Desses, 27 mil estabelecimentos rurais, os mais rentáveis, respondiam por 51,2% do valor da produção do agro. Representavam o top da agropecuária nacional.
Somente quando vierem a ser divulgados os dados do novo Censo saberemos como se comportou essa distribuição. Terá havido um fenômeno de “inclusão tecnológica”, trazendo mais produtores para o mundo da produtividade com qualidade? Ou, pelo contrário, agravou-se a “exclusão tecnológica”? Esclarecer essa tendência será fundamental.
Nessa discussão, com certeza a escolaridade dos produtores rurais será uma variável importante. Os dados preliminares do Censo Agropecuário de 2017 trazem informações preocupantes sobre o nível educacional: parte dos produtores é analfabeta (15,4%) ou tem baixíssimo grau de instrução (40%). Outros 25% concluíram apenas o ensino fundamental.
É aqui, na educação, que certamente reside o maior desafio para o avanço tecnológico e a elevação da produtividade do campo. Manusear ferramentas de produção cada vez mais sofistica- das exige profissionalização cres- cente do agro. Além do mais, sabemos que a educação eleva a autoestima, torna as pessoas mais empreendedoras e abre as portas para o progresso.
Quanto à ocupação do solo, há dados alvissareiros. As pastagens somam atualmente 158,6 milhões de hectares, utilizando 45% da área dos estabelecimentos rurais. Desse total, 63% são pastagens plantadas em boas condições, 30% são pastagens naturais e apenas 7%, que correspondem a 11,8 milhões de hectares, podem ser caracterizadas como pastagens degradadas. Essa informação contraria dados, muito utilizados, que situam entre 40 e 80 milhões de hectares o estoque de pastagens degradadas no País. O Censo não comprova essa informação.
As lavouras, por sua vez, se estendem por 63,3 milhões de hectares, utilizando 18% da área total dos estabelecimentos rurais. Delas, 87% são culturas temporárias e 13% permanentes.
Chama atenção a quantidade de matas e florestas existentes dentro dos estabelecimentos rurais. Com 101,6 milhões de hectares, abocanham 29% da área total. Quer dizer, no Brasil, a área com florestas ultrapassa em 60% a área cultivada nos estabelecimentos rurais. É inusitado. Nenhum país produtivo do mundo pratica tamanha conservação de florestas nativas, em terras particulares.
Conclusão: nada piorou no campo. O Brasil está fortalecendo um modelo próprio de agricultura tropicalizada, elevando a produtividade sem ameaçar a biodiversidade. Essa é a fórmula da agricultura sustentável: produzir + preservar.
TAGS: Censo Agropecuário, Xico Graziano