Edição 10 - 17.08.18
Por Romualdo Venâncio
Dizem que uma boa refeição, com mesa cheia e variada, tanto de pessoas quanto de opções de pratos, é um ambiente perfeito para um bate-papo caloroso, direto, aberto, franco e até divertido. A tese se confirmou durante o Conexão Comida, encontro promovido PLANT PROJECT e que reuniu Blairo Maggi, o ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, e três profissionais acostumados a lidar diariamente com os anseios de consumidores que esperam mais do que se alimentar quando se sentam à mesa. “Este é o primeiro passo de um projeto que visa a integrar toda a cadeia produtiva de alimentos”, afirmou o diretor editorial da publicação, Luiz Fernando Sá. O primeiro indício de que a reunião foi positiva é que não houve desperdício: ninguém jogou conversa fora.
Com mediação de Ibiapaba Netto, diretor da Associação Nacional dos Exportadores de Sucos Cítricos (CitrusBR), o Conexão Comida teve a participação de Isabela Raposeiras, barista e proprietária do Coffee Lab, Ligia Karazawa, chef de cozinha do restaurante Brace, no centro gastronômico Eataly, e Carlos Ribeiro, chef de cozinha e sócio do restaurante e escola Na Cozinha. O encontro, patrocinado pela Corteva Agriscience, aconteceu dentro do Lounge Plant no Global Agribusiness Forum (GAF2018), realizado na cidade de São Paulo, megalópole onde trabalham os três convidados.
Confira o vídeo com a íntegra do encontro na PLANTV
A iniciativa foi aprovada pelo ministro, pois, como ele mesmo disse, seria difícil acontecer tal reunião, seja pelas agendas, seja pela falta de aproximação mesmo. “De maneira geral, acabamos ficando em posições que não chegam a ser antagônicas, mas são de pouca conversa, pouco diálogo”, comentou. Diante da oportunidade, o quarteto tratou de aproveitar o período de pouco mais de uma hora de bate-papo. Maggi falou sobre alguns pontos que têm ganhado mais espaço no noticiário, como a diversidade e o aproveitamento de produtos agrícolas e o uso de defensivos agrícolas. Mas o tema que se tornou o prato principal foi a necessidade de valorização para os chamados pequenos produtores, sobretudo os que conseguem, em pequenas áreas, extrair com excelência o máximo de produtividade.
Carlos Ribeiro, que antes de se dedicar integralmente à gastronomia chegou a estudar comunicação – é graduado em relações públicas pela Universidade Federal da Paraíba e pós-graduado em administração e comunicação empresarial pela Universidade Tiradentes (SE) –, abriu o diálogo por parte dos convidados. Nascido em João Pessoa, capital da Paraíba, desde menino já tinha consciência de que tudo o que se prepara na cozinha vem do campo. “Meus avós eram agricultores. Durante muito tempo eu passava as férias nas terras deles. E meu pai, quando se aposentou, também se tornou um pequeno produtor, criando caprinos”, contou. Ribeiro ressaltou o quanto é cobrado – e se cobra – em relação à qualidade dos ingredientes que utiliza em seus pratos. E é a partir de tal exigência que se revela um significativo, e preocupante, desequilíbrio entre os extremos da cadeia de alimentos. “Uso muito camarão defumado vindo da Bahia e meu fornecedor, que é um produtor eficiente, recebe centavos pelo quilo de um alimento que chega ao mercado custando cerca de R$ 95. Ele já está preferindo buscar outra ocupação”, analisou.
VALOR NA ORIGEM
Para Ribeiro, um grande desafio da cadeia de alimentos é encontrar uma forma de manter o estímulo a esses produtores. Ele procura dar sua contribuição. “Também sou pesquisador, então tenho a missão de contar essa história, de manter esse patrimônio material da comida”, comentou. Mesmo tendo a preferência por comprar desses fornecedores, até por trabalhar com comida tipicamente brasileira, em muitos casos é mais fácil optar por produtos importados do que buscar um queijo, uma galinha ou um ovo de primeira. “Tenho grande preocupação com esse produtor, que está sendo massificado e recebe muito mais cobrança punitiva do que educativa.”
Isabela Raposeiras fez coro ao discurso do chef paraibano. A empresária é dedicada ao estudo e à pesquisa dos fatores relacionados à qualidade do café, passando por manejo na lavoura, degustação, avaliação sensorial e torra. Por isso, mais do que negociar diretamente com pequenos agricultores, faz praticamente um garimpo para encontrar cafeicultores que forneçam grãos diferenciados, especiais, que garantam a satisfação do consumidor que paga R$ 14 em uma xícara de café. Chegar a esse ponto exige toda uma estratégia para agregar valor ao negócio e agradar a todos os envolvidos. “Pago bem meu fornecedor e cobro um preço justo do meu cliente, que gosta não só do produto e do serviço, mas também da história por trás daquela bebida”, observou.
Há quase 20 anos no segmento de café, Isabela compartilhou uma de suas sagas para identificar e garantir o fornecimento de um produto diferenciado. Em 2012, surpresa com padrão de qualidade de um lote de café vindo da região serrana do Espírito Santo, fez questão de conhecer o cafeicultor. “Era um dos melhores cafés brasileiros que eu já havia provado, e colhido à mão, pois o terreno íngreme não permitia a entrada de máquinas”, lembrou, acrescentando que o produtor era remunerado como se fizesse colheita mecanizada, embora seu custo fosse mais alto.
Aquele cafezal capixaba estava prestes a se tornar uma plantação de eucalipto, não fosse a persistência de Isabela. “Eu disse que ele não faria aquilo e que pagaria R$ 1.200 a saca, inclusive assegurando o preço para o próximo ano. Mesmo ele tendo me achado uma louca, começamos a trabalhar juntos”, contou a barista, que teve de visitar o cafeicultor mais umas cinco vezes naquele ano antes de realmente ganhar sua confiança. Por fim, até o filho do produtor, que pensava em ser policial, acabou optando pela lavoura. “No Coffee Lab temos essa relação muito próxima com o produtor, e contar ao consumidor que isso existe é muito interessante”, disse Isabela.
DESAFIO DE TER O MELHOR
Lígia, que trabalha com a cozinha há 22 anos, também chamou a atenção para a importância de ter à disposição alimentos de alta qualidade. “Somos uma vitrine muito direta com o consumidor final. Se há um elogio ou uma reclamação, vem direto em nós”, comentou. Criada na região de Presidente Prudente, no interior de São Paulo, sempre esteve próxima da pecuária de corte, um dos motivos de sua paixão por carnes e grelhas. Considerando que no Brace são servidas 12 mil refeições por mês – o que envolve o consumo de 3 toneladas de carnes –, mais do que fornecedores é preciso ter parceiros no abastecimento da matéria-prima. “Há muitos anos procuro não trabalhar apenas com fornecedores intermediários, buscando matéria-prima diretamente com os pequenos produtores.”
Foi exatamente essa relação que gerou o questionamento de Ligia ao ministro Blairo Maggi. “Morei e estudei na Europa por 14 anos, e lá o acesso a muitos produtos é bem mais fácil e com preço acessível. Aqui, por mais que a gente faça um trabalho de aproximação, de conhecer o produtor e suas famílias, suas características e dificuldades, não é tão simples. Como facilitar esse acesso?”, perguntou a chef, citando, inclusive, a questão dos produtos orgânicos, que pelo alto custo muitas vezes inviabiliza a utilização na ponta final dessa cadeia.
Para Blairo, essa conexão passa, em grande parte, pela questão do preço da comida e do quanto o negócio remunera o empreendedor. “Como produtor rural, eu adoraria não precisar utilizar defensivos nas minhas lavouras, primeiro porque é caro, depois porque a legislação é ampla e muito forte”, comentou, justificando a necessidade de tal manejo: “Somos um país tropical, com altas temperaturas e elevada umidade, ambiente propício para o surgimento de pragas, fungos e plantas daninhas”. Blairo usou a ferrugem asiática como exemplo dessa condição, problema recorrente por aqui, mas que afeta bem pouco as lavouras na Argentina e nada nos Estados Unidos e no Canadá. Tudo por conta do clima mais ameno.
“No caso dos orgânicos, por exigir mais cuidados, é até mais difícil. Também pela relação de oferta e procura, na qual ainda há muita gente produzindo e pouca consumindo”, disse o ministro, que também citou os alimentos geneticamente modificados. Mas, neste caso, paga-se mais caro pela segurança de estar comprando um alimento convencional, sem qualquer alteração genética. “A maior oferta desses produtos depende do custo de produção, dos riscos de perdas e do preço que chega no final. Não vejo como uma política de governo possa mudar esse quadro”, avaliou.
INFORMAÇÕES À MESA
O Conexão Comida entrou em outro campo fértil para o cultivo de boas ideias, a comunicação. Os três convidados quiseram saber de Blairo como otimizar a entrega de informações e orientações aos produtores, principalmente os que trabalham em áreas menores, sobre opções de crédito, carga tributária e as possibilidades de debaterem suas demandas com o Governo Federal.
“Todas as políticas que surgem no Mapa relacionadas a essas questões vêm por meio das câmaras setoriais. Sugiro que vejam exatamente em qual câmara se encaixam e por aí façam suas demandas, pois o canal é direto com o Ministério”, explicou Blairo, acrescentando que no caso dos tributos, as definições cabem à Fazenda. O ministro ainda comentou que o trabalho de orientação e educação aos pequenos produtores, que deve ser constante, cabe aos Estados, pois o Governo Federal não tem braços suficientes para prestar tal assistência.
A representatividade dos setores produtivos também entrou na pauta do bate-papo. Isabela cobrou, por exemplo, que se falasse mais sobre o café para a população de maneira geral, informando as qualidades nutricionais da bebida e seus benefícios. “Alimentaríamos melhor uma cadeia toda, além de impactar nos hábitos de crianças e jovens, pois poderiam passar a consumir menos refrigerantes e mais café, que é mais saudável”, comentou. “Somos os maiores produtores de café do mundo, com cerca de 30% do volume global, e, na abertura da Olimpíada realizada aqui (2016), quando foram apresentados diversos produtos nacionais, o café não estava”, reclamou a barista. Ibiapaba, prontamente, acrescentou: “Nem o suco de laranja”. O ministro veio em seguida: “Nem suco de soja”.
Blairo aproveitou a bola levantada por Isabela para falar sobre a importância de cada segmento fortalecer e unificar seu próprio discurso. O ministro lembrou que, recém-chegado à pasta, iniciou um diálogo entre sua equipe técnica e os diversos setores produtivos. O objetivo era conhecer as dificuldades de cada segmento, o que contribuiria para a implementação do Agromais, um projeto de desburocratização. “Chegamos a mais de 800 mudanças em regras e até decretos. Mas no café foi mais complicado. Por se tratar de uma cultura mais antiga, é representada por uma dezena de entidades, então não há uma concentração do debate e fica difícil encontrar um norte nas discussões”, explicou. “Falta uma estratégia setorial mais bem definida para a conversa com o Estado.”
A ideia é que essa conversa ganhe novas dimensões, interligando cada vez mais todos os elos da cadeia produtiva de alimentos. E aproximando consumidores de agricultores e pecuaristas. A meta do Conexão Comida é nutrir essa relação.
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