Mais Kosher do que Orgânicos

Esta coluna é dedicada a falar de alimentos Kosher, mas minha rotina de viagens poderia me fazer co


25.07.18

Felipe Kleiman é consultor especializado em projetos de abate Kosher e posicionamento de mercado. www.abatekosher.com.br

Esta coluna é dedicada a falar de alimentos Kosher, mas minha rotina de viagens poderia me fazer colunista de turismo. Turismo de alimentos Kosher, certamente. A maioria dos textos têm sido escritos entre uma viagem e outra. A publicação anterior foi enviada por e-mail desde um trem nos Estados Unidos, quando estava rumo a Baltimore.

Escrevo esta edição em Monsey, estado de Nova Iorque. Compartilho esses dados porque acredito na sua relevância para aqueles que têm interesse em entender a dinâmica do mercado e seus polos consumidores e produtores, por onde circulo. Baltimore, em Maryland, é um grande polo judaico e sede da Star-K Certificadora Kosher. Monsey é outro grande polo judaico a 40 minutos da Big Apple. Ambos lugares podem parecer Israel, pelo tanto de judeus que circulam – devidamente caracterizados.

Nossa coluna é dedicada a difundir informações sobre o mercado mundial de alimentos Kosher como forma de aproximar as indústrias brasileiras das oportunidades. Que são muitas e crescem exponencialmente.

Hoje vou contar sobre a Seminário Anual sobre Kashrut (relativo a Kosher) em Baltimore e sobre as últimas notícias relativas ao cerceamento que o abate Kosher vem sofrendo na Europa, e como isso abre oportunidades para o Brasil na produção de carne Kosher.

A Star-K é uma das 3 maiores e mais importantes certificadoras Kosher do Mundo, entre quase 1400 agências atuantes no setor. Estou desenvolvendo um projeto de consultoria à Star-K para seu estabelecimento no Brasil, que visa acessibilizar a certificação Kosher a indústrias de alimentos que podem se beneficiar da credibilidade do Selo Kosher para atingir novos mercados, como o dos Estados Unidos e Europa.

O seminário, em que participei por quatro dias junto a cerca de 30 rabinos dos Estados Unidos e dois da Costa Rica, prepara para a inspeção e auditoria de indústrias alimentícias certificadas Kosher. Fundamentalmente alimentos industrializados do Mainstream, que são os alimentos de mercearia como biscoitos, sorvetes, molhos e etc. Esses alimentos, na sua maioria, são Kosher em sua formulação por não conter ingredientes complexos, como é o caso da carne.

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Os rabinos que dirigem a organização e ministram as aulas são profundos conhecedores da indústria de alimentos e da Lei Judaica (Kashrut), sobretudo ingredientes, aromas e saborizantes. Esse é o principal desafio quando se fala de produtos Kosher. Esse profundo conhecimento lhes permite auxiliar indústrias na busca de insumos alternativos para atingir o status para a certificação Kosher sem ter que fazer alterações significativas nas fórmulas.

Pelo fato de Baltimore ter uma grande comunidade judaica, diversos hotéis possuem uma cozinha dedicada a preparar eventos Kosher. Como parte do programa do seminário, visitamos o Hotel Hilton na cidade, e vimos a intensa logística envolvida em eventos Kosher. A cozinha Kosher do Hilton Baltimore não raramente prepara refeições para eventos com mais de 600 pessoas.

Trazendo o tema da certificação Kosher para a realidade brasileira, o que a maioria das pessoas na indústria brasileira não sabe é que o processo de certificação é muito simples e objetivo, pois existem ferramentas e metodologias que viabilizam esse processo. Kosher é um status quo. Ou o produto é ou não é Kosher. Se um biscoito utiliza gordura suína (para dar crocância por exemplo), ele não é Kosher. Se a indústria estiver disposta a reformular, o produto poderá alcançar o status Kosher. Existe um banco de dados compartilhado pelas principais certificadoras que tem milhões de ingredientes Kosher cadastrados. Basta digitar o ingrediente desejado e o portal dá uma lista com centenas de opções para cada item.

Para uma indústria alimentícia descobrir quão perto ou longe está de poder ter certificado Kosher basta preencher um formulário e submetê-lo à certificadora. Esse formulário responde questões de processos fabris, ingredientes e fornece base suficiente para uma análise prévia. Sem custo algum.

Mesmo plantas que processam alimentos não Kosher podem ter outros produtos certificados Kosher, respeitadas algumas condições essenciais.

Há um enorme número de indústrias no Brasil que poderiam ter 100% de sua produção certificada Kosher. E isso, como temos escrito outras vezes, abre o acesso a mercados exigentes como dos Estados Unidos, onde o selo Kosher se tornou sinônimo de qualidade e confiabilidade. Esse fenômeno da cultura de consumo americana, associado à facilidade de obter certificação Kosher – e ao baixo custo também – faz com que 41% de todos os lançamentos nos Estados Unidos tenham selo Kosher. Há três vezes mais lançamentos Kosher do que orgânicos no país.

Também no mercado doméstico brasileiro há um grande potencial de agregar valor a produtos que possuam selo Kosher. Vivemos a globalização da cultura de consumo, e, havendo disponibilidade, certamente o consumidor brasileiro preferirá alimentos industrializados com selo Kosher, à medida que compreenda os benefícios dele e porque se tornou esse fenômeno na preferência dos consumidores dos países que temos citado.

A Europa também valoriza muito o selo Kosher nos alimentos industrializados, como certificado de qualidade. Mas quando se trata de abate Kosher há uma massiva e sistemática campanha para proibir o abate Kosher e Halal no seu modo tradicional. Ou seja, sem que o animal seja previamente abatido por pistola pneumática ou outro método. Bélgica proibiu. Holanda permite apenas para mercado interno. Portugal proibiu. Na Suíça já é proibido o abate e há movimento para proibir a importação. A Polônia, quinto maior fornecedor de Israel, discute a manutenção de abate Kosher apenas para o mercado interno, baseado num discurso positivista constitucional.

A notícia mais esdrúxula sobre o tema veio esta semana. Uma notícia que parece ter saído de jornais de quase um século atrás. O estado austríaco Lower Austria anunciou que vai regulamentar uma norma que obriga os judeus consumidores de carne Kosher a se cadastrarem para ter direito a comprar carne Kosher. Defendem que isso é parte de um programa de bem-estar animal. Esse tipo de iniciativa não faz o menor sentido, apenas faz lembrar as ações iniciais do nazismo na Alemanha dos anos 1930, que alcançavam também a Áustria, anexada. A iniciativa seria para limitar ao máximo o consumo de carne Kosher.

Sem dúvida, um ato de racismo. Sem me extender demais no tema, já que não escrevo sobre política, recordo aqui o princípio de MacPherson, que define que um incidente é considerado racista se ele for percebido pela vítima do incidente como tal.

Isso reforça a ideia que venho divulgando de que em breve a indústria da carne brasileira, assim como dos vizinhos do Mercosul, terão acesso a um grande e novo mercado Kosher e Halal da Europa.

Se já se discute regular a venda da carne Kosher, alguém crê que há futuro para o abate Kosher na Europa?

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