Churrasco brasileiro em Tel Aviv

Temos falado frequentemente sobre a transformação na cultura de consumo da carne bovina em Israel,


09.07.18

Felipe Kleiman é consultor especializado em projetos de abate Kosher e posicionamento de mercado. www.abatekosher.com.br

Temos falado frequentemente sobre a transformação na cultura de consumo da carne bovina em Israel, que, independentemente de sua origem, precisa ser obtida a partir do método Kosher.

Um dado de mercado que chama muito a atenção é a expansão do rubro da carne resfriada no país, que hoje é cerca de 50% do total de carne bovina consumida pelos israelenses. Há menos de duas décadas se consumia menos de um terço do volume atual resfriado.

Isso tem a ver basicamente com a evolução da cultura de consumo e, principalmente, com o aumento de poder aquisitivo. O PIB em Israel dobrou entre 2006 e 2016, em grande parte devido ao celeiro virtuoso de tecnologia que o país se tornou e ao boom das startups de High Tech. Israel importou 20% mais carne bovina em 2017 do que em 2016.

O governo local vem lançando diferentes iniciativas para equilibrar o mercado de carne resfriada, visando criar melhores condições ao consumidor. Existe hoje uma cota livre de impostos para importação do produto resfriado. Essa cota é crescente a cada ano e a partir de 2021 toda a carne bovina importada resfriada será livre de impostos, igualmente oa que ocorre com a carne bovina congelada.

Diversas vezes se vê algo como o governo fazendo uma queda de braço com a indústria local israelense. E diversos ministérios tomam parte nessa dinâmica.

Israel criou uma nova normativa que vai revolucionar o mercado de carne bovina, ao aumentar o prazo de validade da carne resfriada embalada a vácuo de 45 para 85 dias.

Até o lançamento dessa nova norma, a carne bovina resfriada Kosher vendida em Israel era originada basicamente em três polos principais: produção local, importação da Polônia e da Argentina, além de pequenos volumes vindos de outros países.

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A indústria israelense de carne bovina tem em torno de 10 abatedouros. Desses, os dois principais são Dabah e Tnuva, que recentemente tive oportunidade de visitar. Ambos têm abate diário em torno de 350 cabeças. Todo o gado abatido por essas empresas é importado em pé de países como Portugal e Austrália. Os animais são confinados por períodos de seis meses a um ano. Esse fato demonstra a força do rubro da carne resfriada, que pelo que já percebemos aqui, tem altíssimo valor de gôndola. O bife ancho ou noix nacional sai no varejo por preços entre R$ 150,00 e R$ 190,00 o quilo.

A Polônia se tornou, em poucos anos, o quinto maior fornecedor de carne bovina para Israel, atrás apenas dos quatro países do Mercosul. O sucesso da Polônia como exportador de carne Kosher se deve ao fato de ter preços relativamente competitivos – em comparação aos outros países europeus – e por estar a apenas 7 dias de viagem de navio de Israel. Ou seja, a performance dos quatro ou cinco abatedouros poloneses, que exportam 12 mil toneladas anuais, se dá pela possibilidade de entregar carne resfriada em Israel dentro de um prazo curto, surfando a onda da alta demanda por carne resfriada. A carne moída de origem polonesa no varejo israelense pode chegar a custar atualmente na faixa de R$ 50,00 por quilo. Porém, a Polônia, assim como tantos outros países da Europa, pode deixar de produzir carne Kosher para Israel se o parlamento aprovar um projeto de lei que inviabiliza o abate Kosher.

Uma das estrelas do universo da carne resfriada no varejo israelense é o bife ancho (ou noix) importado da Argentina, que chega de avião à gôndola dos supermercados por preços de até R$ 190,00 o quilo. A maioria dos demais cortes bovinos Kosher produzidos na Argentina chega a Israel de navio, levando em torno de 40 dias de porta a porta (abatedouro-varejo).

Certamente um dos vetores da consagração da carne Argentina como marca que agrega tanto valor é a rede de supermercados Shufersal, com 273 lojas. A rede é um dos principais canais de comercialização do noix argentino resfriado, tendo até uma marca própria que inclui o nome Angus e ostenta uma ilustração da bandeira da Argentina. O diretor de compras de carnes da rede me disse, orgulhosamente, que a rede Shufersal tem sido a responsável por moldar a cultura de consumo de carne de qualidade junto ao consumidor israelense em relação a marmoreio, gado da raça Angus, origem argentina e etc.

Com a nova normativa – publicada no final de 2017 – abrem-se inúmeras possibilidades para a carne Kosher brasileira (e do Mercosul), por criar as condições para que se exporte carne resfriada usando o transporte marítimo, que é mais viável que o transporte aéreo e mantém o produto num excelente grau de competitividade.

A ABIEC, muito antenada como sempre, realizou no último dia 19 de junho, juntamente com a Apex Brasil e a Embaixada Brasileira em Tel Aviv, um churrasco para promover a carne bovina Kosher brasileira no marco da nova regulamentação. O churrasco serviu, naturalmente, carne Kosher da primeira leva de mercadoria exportada pelos frigoríficos do Brasil, já na modalidade resfriada, enviada por via marítima.

O novo regulamento sanitário permite que as indústrias do Brasil acessem esse nicho pujante da carne resfriada, ampliando o leque de opções para os consumidores israelenses. Isso cria alternativas para o mercado habitualmente comoditizado do Mercosul, que exporta basicamente carne congelada, em peças inteiras, sem agregação de valor.

Mas não é só o Mercosul que está de olho nesse segmento tão rentável. Segundo levantei junto a uma fonte, autoridades portuguesas e representantes da indústria de carne bovina de Portugal estão mirando no mercado israelense. Essa movimentação tem alguns aspectos interessantes. Igualmente ao Uruguai e ao Brasil, há uma discussão interna sobre o destino do negócio de exportação de gado em pé. Como escreveu Marcos Jank no jornal Folha de S. Paulo, bem-estar animal é uma das agendas que mais crescem. Em seu artrigo, Jank trata – entre outras coisas – sobre o projeto de lei que proíbe o embarque de gado em pé no Estado de São Paulo. Similarmente ao que já pratica a Austrália, Portugal passa a se ocupar mais dos assuntos ligados ao bem-estar dos animais exportados em pé. Naturalmente, a indústria portuguesa toma partido nessa discussão, pois gostaria de exportar esse volume de animais na forma de carne, e não como gado em pé.

Porém, no presente momento Portugal caminha para uma estrutura regulatória que inviabiliza o abate Kosher, a título de agenda de bem-estar animal. Assim, antes de Portugal poder disputar o mercado de carne resfriada para Israel – recém aberto à indústria do Mercosul — terá que lidar com a mesma onda europeia que persegue e penaliza o abate religioso judaico e também o abate islâmico – o abate Halal.

A exportação de carne Kosher resfriada para Israel com 85 dias de validade envolve diversos desafios técnicos para garantir a qualidade do produto até o fim. Tenho certeza de que parte dos atuais exportadores Kosher não poderão surfar essa onda. Mas o cenário continuará abrindo oportunidades favoráveis para as indústrias brasileiras que possuam as condições objetivas de inovar, fazendo mais e melhor nesse nicho cada vez mais especializado e exigente.

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