O satélite que vai ligar o agro

Por Vicente Vilardaga | Ilustração Camila Sá O  lançamento ocorreu na base de Korou, na Guiana


Edição 6 - 18.05.18

Por Vicente Vilardaga | Ilustração Camila Sá

O  lançamento ocorreu na base de Korou, na Guiana Francesa. Mas todas as atenções estavam voltadas para vastas áreas no coração do Brasil. Era para elas que, assim que rompesse a atmosfera terrestre, um satélite batizado com a sigla SGDC (Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas) apontaria suas antenas. A promessa é de que o equipamento ajude a resolver um dos mais evidentes problemas do agronegócio brasileiro: o acesso à internet em banda larga por um preço acessível a todos os produtores. De um modo geral, falta conexão de qualidade no interior do País, principalmente nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. A mesma carência é sentida na área rural de cidades médias e pequenas. E o novo satélite, que cobre todo o território nacional, deve superar esse entrave. Sua banda Ka permite que o custo da internet na zona rural, com 99% de disponibilidade — o que representa um funcionamento estável e permanente –, despenque em relação às soluções oferecidas hoje no mercado.

“Pelos estudos que fizemos, o preço do acesso à internet deve ficar pelo menos 10% menor do que os valores mais baixos hoje praticados por operadores de satélite e telefonia móvel, hoje na casa dos R$ 250”, afirmou o presidente da Telebras, Jarbas Valente, em São Paulo, na primeira de uma série de apresentações para promover o edital do leilão de capacidade do SGDC. “E o agronegócio, como apresenta grande demanda reprimida, será certamente um importante comprador do serviço.” A conectividade chegaria, assim, a um universo maior de agricultores e pecuaristas, permitindo que eles venham a adotar sistemas mais modernos de produção. Hoje, muitas delas estão restritas aos grandes produtores, que conseguem encontrar soluções próprias na transmissão de rádio ou na telefonia celular 3G e 4G. Já os pequenos produtores, donos de propriedades em áreas remotas, sofrem com o custo elevado ou mesmo com a impossibilidade de acesso à banda larga.

Os leilões promovidos pela Telebras cederão para exploração, pelas operadoras privadas, 57% da capacidade civil do satélite. Serão dois lotes, um com 35% de capacidade, ou 21 Gbps (Gigabits por segundo), e outro com 22%, equivalente a 12 Gbps. Um Gbps equivale a um bilhão de bytes por segundo, velocidade alta o suficiente para atender qualquer necessidade. Inicialmente, conforme anunciado em fevereiro, a estatal pretendia vender 79% da capacidade do satélite e manter 21% para uso do governo, mas decidiu manter um estoque adicional de segurança com o objetivo de cumprir políticas públicas.

A banda larga permitirá que o agronegócio leve novos planos de evolução adiante. Valente destaca, por exemplo, que há muitas fazendas automatizadas que não conseguem dar vazão em tempo real às suas informações de produção por conta de uma rede pouco disponível. Há também aqueles agricultores que tentam implantar projetos de agricultura de precisão, que usam a tecnologia para aferir dados de variação do solo e do clima a fim de implantar processos de automação e dosar adubos e agrotóxicos. A evolução futura do agronegócio dependerá, em grande parte, da robustez e disponibilidade da rede.

A internet em banda larga via satélite não é uma novidade no País. A operadora americana Hughes já oferece acesso à rede pela banda Ka, mas sua cobertura abrange 4 mil de um total de 5,6 mil municípios, e não alcança vastas regiões do interior. As áreas de fronteira, por exemplo, com exceção do Mato Grosso do Sul, estão praticamente descobertas – ou, quando são alcançadas, não têm uma internet de qualidade. “O que a gente vê no mundo rural é bastante deficiência e em locais pouco densos a viabilidade econômica do serviço é muito difícil”, afirma Rafael Guimarães, presidente da Hughes do Brasil. “Com nosso satélite, nós começamos a preencher uma parte dessas lacunas.”

O uso da banda Ka foi uma iniciativa americana. O primeiro serviço foi lançado nos Estados Unidos pela própria Hughes, em 2007, e se destacou pela excelente relação custo-benefício. Isso permitiu, de certa forma, que sua oferta fosse massificada. Até o ano passado, a banda larga por satélite no Brasil se limitava às bandas C, L e Ku, cujo acesso é muito mais caro que o da banda Ka e inacessível aos pequenos e médios agricultores. Guimarães conta que a Hughes tem hoje 60 mil assinantes de banda larga por satélite e entre 15% e 20% desses clientes exercem atividade rural. Cerca de 80% do total de assinantes estão em cidades com até 50 mil habitantes e a assinatura mais barata, de 10 Megabites por segundo, sai por R$ 249,00. “Na comparação do custo do Kilobite transmitido, a diferença entre as bandas Ku e Ka, por exemplo, é de 70 para 1”, diz o executivo.

PEQUENOS DRAMAS

Situado a 14 quilômetros da pequena cidade de Paraisópolis, no sul de Minas Gerais, o Sítio Graúna, da produtora rural Roberta Pessoa, era, até agosto do ano passado, uma dessas propriedades inalcançáveis pela rede. Roberta tinha planos de erguer sua empresa, a Cesta do Sítio, que faz entregas domiciliares sob demanda de produtos hortifrutigranjeiros orgânicos em São Paulo, a 200 quilômetros de distância, e precisava se comunicar com seus clientes. O negócio é baseado no contato direto, via WhatsApp, e ela não conseguia encontrar nenhum serviço de internet que atendesse suas necessidades. Era um e-commerce sem site. “Como aqui é um lugar montanhoso, tínhamos dificuldade de sinal”, conta Roberta. “Tentamos várias empresas que oferecem internet via rádio e até por cabo, inclusive pensamos em bancar o investimento em antenas, mas não encontramos fornecedores.”

Foi com a banda Ka da Hughes que a Cesta do Sítio saiu do mundo das ideias e passou a funcionar
de fato. Em um ano de assinatura, o serviço pago por Roberta nunca falhou, cumprindo sua promessa de disponibilidade, e ela pôde estreitar o contato com seus cerca de cem clientes. “Produzimos vários produtos orgânicos no sítio, mas integramos vários agricultores locais para compor nossas cestas e, nesse caso, o WhatsApp também é muito útil”, afirma. Cerca de 15 produtores da região de Paraisópolis, inclusive de queijos
e doces, vendem seus alimentos por meio da Cesta do Sítio.

Situações positivas como as vividas por Roberta tendem a se multiplicar assim que o SGDC entrar em operação comercial, o que deve começar a acontecer até o fim deste ano. A Hughes, apesar de seus planos de expansão, que preveem a cobertura de todo o território nacional com seus próprios recursos, até 2020, não vê conflito de concorrência com o satélite oferecido pelo governo e estuda inclusive participar das licitações junto com um consórcio de operadoras ou mesmo sozinha. Para Rafael Guimarães, o SGDC pode ser um atalho para a empresa antecipar seus planos. “A Telebrás fez algo muito inteligente ao se posicionar como atacadista”, diz. “O importante é termos uma cobertura nacional, de um jeito ou de outro.”

Reportagem publicada originalmente na edição #06 (set/out 2017) de PLANT PROJECT

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