Agro, a marca do Brasil

Por Amauri Segalla Rodrigo Terron é um paulistano de 25 anos que até pouco tempo atrás jamais hav


Edição 7 - 19.12.17

Por Amauri Segalla

Rodrigo Terron é um paulistano de 25 anos que até pouco tempo atrás jamais havia pisado em uma fazenda. Filho da era digital, Terron fundou recentemente a Horizon4, fábrica de softwares que desenvolve soluções tecnológicas para empresas de diversos setores. A iniciativa prosperou e o jovem empreendedor, sempre atento a oportunidades, resolveu visitar lavouras na região de Indaiatuba, no interior de São Paulo. Talvez houvesse ali, pensou, um campo inexplorado para futuros negócios. “Eu sabia que o agro era desenvolvido, mas não tinha ideia do nível tecnológico do setor”, diz. “O dono da fazenda me mostrou como controlava algumas máquinas a partir da tela do celular e percebi que havia muito por conhecer. Se de certa forma eu já admirava a força do agronegócio brasileiro, depois daquela experiência passei a admirar ainda mais.” O depoimento de Terron, um jovem craque do mundo digital, sintetiza algumas das conclusões da inédita pesquisa “A Percepção do Campo na Cidade”, fruto de uma parceria entre a Plant Project, JH/B2F e Bridge Research.

O estudo entrevistou 1.022 pessoas de todas as classes sociais e níveis de escolaridade, em diversas capitais de todas as regiões do País. Se fosse preciso definir em uma única palavra o sentimento dominante entre os entrevistados a respeito do agronegócio brasileiro, essa palavra seria “orgulho” – impressionantes 96% dos pesquisados a citaram quando questionados sobre qual seria o sentimento se o Brasil assumisse sua vocação de país do agronegócio. Detalhe fundamental: o levantamento envolveu apenas moradores das grandes cidades, pessoas que, teoricamente, pouco conhecem ou estão menos dispostas a avaliar de maneira positiva a realidade do campo. Na entrevista para esta reportagem, o empresário Rodrigo Terron falou em admiração – e destacou também uma série de aspectos positivos, como desenvolvimento tecnológico, capacidade de inovação e prosperidade, para citar os exemplos mais marcantes. Todas essas características foram igualmente apontadas pelos entrevistados na inédita pesquisa.

No dia 27 de novembro, às vésperas de mais uma viagem internacional a negócios, Paulo Herrmann, presidente no Brasil da John Deere, uma das maiores fabricantes de máquinas agrícolas do mundo, vibrava enquanto lia os resultados do levantamento. “Puxa vida, 88% acham que o agronegócio é a vocação natural do Brasil, mas que maravilha”, disse. “Que ótimo, 94% consideram o agro importante para o País. Essa é a melhor notícia do ano.” A sincera alegria de Herrmann tem significado ainda maior diante do desempenho extraordinário do setor – e de sua empresa – em 2017. A operação global da Deere & Co. registrou lucro líquido de US$ 510 milhões no quarto trimestre do exercício encerrado em outubro, 79% a mais do que no mesmo período do ano passado. O Brasil teve peso importante nessa performance e, ainda assim, Herrmann foi capaz de ficar encantado com a pesquisa.

Herrmann, da John Deere: “Os brasileiros já associam há um bom tempo o setor com geração de riqueza” (Ilustração sobre foto de Sergio Zacchi)

De fato, há motivos de sobra para comemorar os resultados do estudo. Ele demonstra, na essência, que poucos ramos de atividade são tão respeitados no Brasil e que as qualidades e pontos fortes do agronegócio são reconhecidos mesmo por pessoas pouco afeitas ao ambiente rural. “Os brasileiros já associam há um bom tempo o setor à geração de riqueza. Agora, e cada vez mais, parecem entender o bem que ele faz para o Brasil em diversos aspectos”, diz Herrmann. “Enfim, descobriram que o agronegócio gera valor em muitas outras áreas, e eu cito a tecnologia como um exemplo importante.” Herrmann lembra da reação de muitos participantes da Campus Party, maior evento de tecnologia e internet do País, quando se deparavam com um estande da John Deere na feira deste ano. “No início, eles ficavam chocados, mas depois percebiam que o agronegócio e o universo digital estão interligados”, diz. Para o executivo, o papel de empresas como a John Deere também deve ser o de demonstrar que o agronegócio tem diversas frentes, e que não diz respeito apenas ao uso da terra. “A John Deere faz isso e talvez tenha ajudado a mudar a percepção do agronegócio entre os brasileiros.” Outro ponto interessante do estudo é que, mesmo entre classes sociais e níveis de escolaridade diferentes, os níveis de percepção são parecidos. Para 65% dos entrevistados da classe C, a produção rural no Brasil é moderna e inovadora. Na classe B, o índice é de 64%. Na A, de 63%. Nesse caso, as avaliações estão tecnicamente empatadas, revelando que a imagem positiva é generalizada.

Há alguma divergência quando o estudo avança nos questionamentos. Na pergunta que questiona se o entrevistado concorda que sapatos, roupas, pneus, etanol combustível e plástico biodegradável são produtos de origem agropecuária, observa-se diferenças nos perfis por idade e classe social. No corte por faixa etária, os jovens de até 29 anos são os que menos concordam com essa afirmação (62%). Se a divisão é feita por extratos sociais, o nível de concordância mais baixo fica com a classe C (63%), contra 74% da classe A. Na verdade, a pesquisa identificou um alto nível de discernimento sobre o agronegócio. De acordo com o levantamento, 86% dos entrevistados apontaram ter algum nível de conhecimento sobre o que é o agro. Entre os entrevistados com maior nível de escolaridade, o índice chega a 94%. Mesmo entre os que têm o ensino médio incompleto, os números são louváveis: 70% sabem do que se trata o agronegócio. A diferença de resultados se dá por um motivo simples: quem estudou menos teve menos acesso a informação. Ainda assim, são diferenças pequenas que só reforçam o bom nível de conhecimento do brasileiro sobre o universo agro.

No final de novembro, poucos dias depois de se submeter a um cateterismo no hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, o ministro da Agricultura, Blairo Maggi, avaliou a pesquisa com atenção. Ao se debruçar sobre os resultados, Maggi chegou a conclusões interessantes. “Fiquei muito satisfeito em ver que o agronegócio brasileiro é reconhecido pela população urbana”, disse, para depois tocar em um ponto sensível. “E isso se dá apesar das permanentes críticas que recebemos de ambientalistas, especialmente de ONGs internacionais, que acusam os produtores brasileiros, muitas vezes injustamente, de devastação de florestas e uso excessivo de defensivos agrícolas.”

A observação do ministro tem razão de ser, mas a propagação de mensagens negativas não tem chegado à maioria dos cidadãos brasileiros, pelo menos para os que vivem nas grandes cidades. De acordo com o levantamento, 42% – menos da metade, diga-se – dos pesquisados consideram que o agronegócio causa impactos ambientais indesejáveis. Ainda assim, o ministro acha que esse é um aspecto a ser trabalhado pelos protagonistas do setor no País, o de demonstrar que o agro, especialmente no Brasil, não provoca danos como alguns grupos querem fazer crer. Em outras palavras: o desafio é comunicar as fortalezas do agronegócio, que são muitas, e valorizá-las ainda mais. A pesquisa conclui que existe um amplo espaço para trabalhar o conceito de agronegócio para o Brasil como sua vocação natural. Entre os aspectos positivos citados pelos entrevistados estão a produtividade do setor (63%) e a economia de mercado (14%). Por que não focar nesses e em outros aspectos, como o alto nível tecnológico, a força das exportações, os empregos gerados? Na outra ponta, por que não contestar de forma mais assertiva as percepções negativas, como a de que o agro é nocivo para o meio ambiente?

O ministro Maggi comemorou os resultados da pesquisa, mas fez uma ressalva: “Falta um maior conhecimento sobre o agronegócio brasileiro”

Ex-ministro da Agricultura e coordenador do Centro de Agronegócio da Fundação Getulio Vargas, Roberto Rodrigues é hábil com números. Ele demonstra, por A mais B, que o agro brasileiro tem, na verdade, ajudado a preservar nossas riquezas naturais. Rodrigues usa um exemplo direto. “Nos últimos 25 anos, a área plantada com grãos cresceu 53% no País, enquanto a produção avançou 263%, ou cinco vezes mais”, explica. Significa, portanto, que a produtividade por hectare disparou. Do ponto de vista tecnológico, isso já é louvável, porque é graças à inovação que a mágica se faz possível. Rodrigues lembra que há outra verdade por trás disso. Sem os avanços tecnológicos, teriam sido necessários 79 milhões de hectares adicionais para cobrir a safra deste ano. Não é preciso muito esforço para entender que o agro tem, sim, lutado para preservar o meio ambiente e que há gente séria se dedicando a essa questão. É aqui que Rodrigues toca num ponto crucial. Se existem argumentos concretos para defender o agro, isso não deveria ser mais visível? Não é responsabilidade dos players do setor demonstrar, por A mais B, o que é verdade e o que é mito?

O ministro Maggi concorda. “Apesar dos resultados extraordinários da pesquisa, acho que falta um maior conhecimento sobre o agronegócio brasileiro”, diz ele. “É preciso falar sobre o trabalho que existe para o desenvolvimento de novas tecnologias, a importância do agro na economia e o reconhecimento de que
hoje, diante de uma legislação tão rígida quanto a brasileira, não existe mais espaço para devastação e irregularidades nas fazendas.” O ministro prossegue: “O Código Florestal exige do produtor que uma parte
da sua fazenda seja preservada. Dependendo da região, esse percentual chega a mais de 80%. Nada disso é repassado à população. São informações importantes e que precisam ser disseminadas. O Brasil tem atualmente mais de 66% de florestas preservadas, nenhum país do mundo tem isso, mas nós somos sempre acuados, especialmente o produtor rural”.

Num mundo em que fake news ganham cada vez mais espaço nas redes sociais, disseminar informações verdadeiras e de fontes com credibilidade talvez seja o grande desafio do agronegócio no futuro próximo. A Operação Carne Fraca, realizada pela Polícia Federal em março passado, é um exemplo de como o setor agro carece de vozes capazes de frear boatos mentirosos. Na ocasião da ação da PF, as notícias colocaram em suspeita a qualidade de praticamente toda a carne produzida e consumida no Brasil. Influenciados pela cobertura negativa da TV, internet e jornais, milhões de brasileiros e estrangeiros passaram a acreditar, de maneira equivocada, que a carne vendida no Brasil era de má qualidade. Resultado: uma semana após as primeiras notícias e a viralização do assunto na internet, as exportações diárias de proteína animal caíram de US$ 60 milhões para US$ 74 mil.

É preciso reconhecer que mesmo um setor tão pulsante e avançado não conseguiu frear uma mentira, mas também é importante pensar no outro lado da moeda. Poucos meses depois de um massacre tão intenso, o agronegócio foi reconhecido como motivo de orgulho para 96% dos entrevistados em uma pesquisa de âmbito nacional. Ou seja, o agro é tão forte que resiste a tempestades passageiras.

A pesquisa identificou certos níveis de desconhecimento que abrem espaço para os especialistas do setor se comunicarem de maneira mais direta com o público em geral. Apenas 40% dos pesquisados afirmaram que contribuem para o agronegócio brasileiro quando trabalham em indústrias como as de software, tecnologia ou siderurgia e 64% concordam que bens industrializados como calçados, etanol, roupas e pneus têm origem agropecuária. “Nós já estamos derrubando o mito de que a agricultura destrói a natureza”, diz Arnaldo Jardim, secretário de Agricultura do Estado de São Paulo. “Agora precisamos disseminar o conceito de que o agro está presente na vida de todas as pessoas.”

A boa notícia que o estudo traz é que há uma predisposição positiva dos brasileiros para captar os anseios do setor. Não fosse assim, por que 88% deles diriam que a vocação natural do Brasil é o agronegócio? Se fosse diferente, por que 72% cravariam que é o principal setor da economia brasileira? Ou outros 75% afirmariam que carreiras e profissões ligadas à produção agrícola e à pecuária serão cada vez mais importantes para o País? Paulo Herrmann, presidente da John Deere, destaca um fato curioso.

O ex-ministro Rodrigues defende a necessidade de criar, entre a população urbana, uma “sensação de pertencimento”, mostrando que o agro diz respeito a cada brasileiro

“Hoje observo um movimento migratório que é o oposto do que acontecia no passado”, afirma. “Muitos jovens das grandes cidades buscam no agronegócio oportunidades de trabalho. No campo, a competição não é tão grande e a renda muitas vezes é maior.” Segundo a pesquisa, 64% dos jovens de até 29 anos acham que carreiras e profissões ligadas à produção agrícola e pecuária são promissoras. Em outras palavras: de cada dez jovens das grandes cidades, pelo menos seis têm no radar atividades econômicas associadas ao agronegócio. “Nos últimos 30 anos, passamos de grandes importadores para grandes exportadores de alimentos”, diz o ministro Maggi. “Isso fez com que a população entendesse a enorme importância do setor e enxergasse nele possibilidades de trabalho.”

Um dos aspectos mais surpreendentes da pesquisa diz respeito ao baixo número de menções negativas ao agronegócio. Apenas 26% dos entrevistados acham que ser um produtor rural é estar longe da modernidade – lembre-se, estamos falando sempre da percepção dos habitantes de centros urbanos, e é razoável imaginar que boa parte deles carrega velhos preconceitos enraizados. O jovem empreendedor Rodrigo Terron, o dono de uma promissora startup citado no começo deste texto, é um jovem de mente aberta e, mesmo assim, se surpreendeu com a expertise tecnológica do campo. Na verdade, as novas tecnologias aproximam cada vez mais o campo e a cidade. Com a possibilidade do trabalho remoto, e as infinitas conexões entre o meio agrícola e a metrópole, falar em divisões soará cada vez mais impróprio. O ex-ministro Roberto Rodrigues resume a questão. “Muitas vezes ouço alguém dizer: ‘o Brasil vai mal, mas o agronegócio vai bem’. Como se o agro fosse uma coisa e o urbano, outra.”

O agro, porém, passou incólume por esse crivo. “Acho que isso acontece porque há uma percepção muito forte de geração de riqueza ligada ao agronegócio”, diz Tomiya. Ele cita o especial da TV Globo “Agro é Tech, Agro é Pop” como um fator importante para a disseminação de aspectos positivos. Patrocinadora do programa, a Ford explica por que quis associar sua imagem a esse universo. “O especial é um projeto que valoriza os profissionais do setor, resgata o orgulho de ser produtor e demonstra quanta tecnologia e inovação o agro acrescenta ao Brasil”, diz Fabrizzia Borsari, gerente de marketing da empresa. “Tudo isso vai ao encontro do que a Ford acredita.”

Se há uma percepção tão positiva, por que não fazer do agronegócio a grande marca brasileira? Por que não mostrar para o mundo que o Brasil é o país do agro, como a França é dos vinhos, a Itália da moda, os Estados Unidos do cinema? “Os pilares já foram construídos para que isso aconteça, falta agora completar a estrutura”, diz Tomiya. De acordo com o ex-ministro Roberto Rodrigues, para que o Brasil assuma um papel global ainda mais relevante é preciso criar “uma sensação de pertencimento nacional”. Ou seja, comunicar aos brasileiros que o agro diz respeito a cada um de nós. Por tratar da percepção da cidade sobre o agronegócio, a pesquisa Plant Project – JH/B2F – Bridge Research mostra que o caminho já está pavimentado. Os dados comprovam isso: 89% dos pesquisados concordaram que o Brasil é o país do agronegócio e 94% disseram que consideram o agro importante ou extremamente importante. Mais interessante ainda: quando perguntados se estariam dispostos a votar em um candidato à Presidência da República que tivesse a proposta de estabelecer o Brasil como o país do agronegócio, 73% afirmaram que provavelmente votariam nessa pessoa. É preciso dizer mais?

 

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