Edição 6 - 12.10.17
Impulsionadas pelo Proálcool – programa governamental que incentivava o uso de etanol como substituto da gasolina para atenuar os problemas decorrentes da crise do petróleo –, as indústrias automotivas instaladas no País passaram a produzir carros movidos com o combustível extraído da cana-de-açúcar. O pioneiro foi o modelo 147, da Fiat, em 1979. O auge das vendas ocorreu em 1983, quando os veículos a álcool chegaram a representar 96% do total comercializado pelas montadoras.
Após várias crises pelas quais o setor passou depois desse período – acentuadas com as do País como um todo –, as vendas de etanol se revigoraram a partir de 2003, com o advento do carro flex, que roda tanto com gasolina contendo 27% de etanol anidro, quanto com etanol puro hidratado. Dos quase 43 milhões de veículos da frota brasileira em 2016, perto de 60% (25,6 milhões) podem ser abastecidos com qualquer um desses combustíveis numa rede de distribuição que conta com quase 42 mil postos espalhados pelo Brasil.
Segundo Plínio Nastari, representante da sociedade civil no Conselho Nacional de Política Energética, os desenvolvimentos tecnológicos que resultaram nos veículos flex e a parruda rede de distribuição de 42 mil postos de abastecimento podem inserir o País numa nova revolução nos transportes: a adoção do etanol como combustível para movimentar carros elétricos, com significativas vantagens ecológicas na comparação com outras fontes de eletricidade, o que reforça a importância da entrada em vigor do RenovaBio.
A maior parte dos carros elétricos já existentes no mercado precisa ser conectada a uma tomada de energia para reabastecer a bateria que lhe dá autonomia para andar. Mas, no ano passado, a montadora japonesa Nissan trouxe ao Brasil um protótipo de carro elétrico dotado de uma célula de combustível na qual se produz o hidrogênio a ser transformado na energia que o movimentará. A célula é alimentada com etanol, do qual se extrai o hidrogênio.
EFICIENTE E ECOLÓGICO
Além de emitir muito menos gases nocivos para gerar energia em relação às fontes primárias (como usinas movidas a óleo mineral ou carvão, por exemplo) que levam eletricidade às tomadas onde precisam ser plugados os outros carros elétricos, o com célula de hidrogênio extraído do etanol pode ser reabastecido facilmente na mesma bomba dos postos aos quais recorrem os carros convencionais. Seu tanque comporta 30 litros de etanol, que lhe dão autonomia de 620 quilômetros.
No caso do protótipo da Nissan, conta Nastari, é possível que a montadora lance o automóvel no Japão com bateria, embora a tecnologia da célula a combustível dispense isso, pois usa o tanque de etanol no lugar: “A Nissan está pensando em usar bateria para armazenar eletricidade enquanto o carro anda, durante o dia. À noite, quando o motorista estacionar o veículo em sua casa, poderá plugá-lo à sua residência para transferir-lhe a energia gerada pelo carro, ao contrário dos demais veículos elétricos, que precisam extrair eletricidade da casa para reabastecer sua bateria”.
“Hoje, não se discute o carro elétrico como tendência. A questão não é mais se vem, e sim quando vem”, afirma Ricardo Bacellar, diretor da consultoria KPMG e especialista em indústria automobilística. Segundo Bacellar, até hoje, somente a Nissan avançou na tecnologia de célula a combustível com etanol, mas ainda não foi muito adiante por falta de incentivo. “Como em quase todas as indústrias no País, não há como desenvolver negócios desatrelados de ações governamentais, seja na questão regulatória (como o RenovaBio), seja no incentivo em forma de fomento ou de pesquisa.”
Em nota, a subsidiária brasileira da Nissan informa que, em relação ao RenovaBio e seus reflexos sobre o desenvolvimento do protótipo que usa célula de combustível a etanol, até o momento todas as diretrizes e ideias ainda estão em discussão entre o governo e o setor automotivo: “Por isso, a Nissan acompanha os debates, mas aguarda o programa RenovaBio ser definido para se pronunciar”. Um documento produzido pela companhia japonesa em junho de 2016, no entanto, demonstra como a empresa vê o Brasil em posição estratégica para tomar a dianteira na adoção da tecnologia. “Com a infraestrutura existente de distribuição de etanol, o Brasil já resolveu o problema da distribuição de hidrogênio”, diz o documento.
Para Bacellar, se o Brasil conseguir comprovar a eficiência do etanol como fonte energética da célula de combustível, obterá uma oportunidade histórica para posicionar-se fortemente como uma alternativa viável para o mundo inteiro. Importantes países europeus já decretaram o fim do motor a combustão. Na Alemanha, a produção de automóveis com o sistema será proibida a partir de 2030. No Reino Unido e na França, em 2040. No Brasil, tramita no Congresso o Projeto de Lei 304/2017, de autoria do senador Ciro Nogueira (PP-PI), que proíbe a venda de veículo novo movido a gasolina ou diesel a partir de 2030 e, a partir de 2040, veda a circulação de qualquer automóvel desse tipo.
TAGS: carro elétrico, Etanol, Nissan, RenovaBio