Um negócio chamado arte brasileira

Por Ana Weiss   Houve um tempo em que imaginar o colecionador de arte na figura do milionário


Edição 5 - 17.09.17

Por Ana Weiss

 

Houve um tempo em que imaginar o colecionador de arte na figura do milionário excêntrico ou do decorador entendido era algo bem perto da realidade. Hoje, para colecionar arte é preciso um investimento inicial muitas vezes bem modesto e algum espaço em casa. Segundo galeristas e consultores, o perfil dos compradores de arte vem se diversificando muito. E o que está se tornando cada vez mais frequente é a presença de executivos e empresários do agronegócio em galerias de arte e leilões, escolhendo peças para levar para as suas casas, muitas vezes distantes das metrópoles. Novas galerias também têm surgido em capitais de estados com potencial agrícola, como Cuiabá (Mato Grosso) e Goiânia (Goiás), amparadas pelo crescimento do interesse pelo mercado de arte, cada vez mais estruturado como negócio – e dos bons.

Trata-se de um fenômeno recente, mesmo em centros mais badalados. A holandesa Julie Belfer, que atua como consultora de arte, lembra que tanto os museus como as galerias são endereços razoavelmente jovens na história da arte. “Os grandes museus foram fundados depois do final da Segunda Grande Guerra e as galerias são adventos dos anos 1960 e 1970”, disse à reportagem da PLANT. “A prática do colecionismo como conhecemos é, portanto, nova para todo mundo.” Segundo ela, não existe mais um perfil de colecionador. “As pessoas estão descobrindo que qualquer um pode começar uma coleção”, diz.

Quadro “O Mágico”, de Beatriz Milhazes: primeira obra de artista brasileiro a superar a marca de US$ 1 milhão (Foto: Jorge Miño; Coleção: Museu de Arte Latinoamericana de Buenos Aires – Fundación Constantini)

De fato, para começar a colecionar, não é preciso mais que R$ 500 em caixa. Especialistas e colecionadores advertem, porém, que, se uma peça de arte não desvaloriza, nem sempre seu preço dá saltos no valor de venda. Há algumas bem–vindas exceções ocorridas nos últimos anos com artistas brasileiros, caso de Beatriz Milhazes, Ernesto Neto e Adriana Varejão, hoje entre estrelas dos maiores leilões do mundo. “É preciso avaliar o potencial, a inventividade e o teor das propostas, sobretudo de artistas vivos”, adverte Paulo Darzé, dono da galeria mais prestigiada de Salvador, que leva seu nome.

Para isso, existem especialistas como marchands independentes e consultores, que ajudam a separar o joio do trigo. Julie Belfer é uma dessas profissionais. Hoje muito procurada no País e também internacionalmente, ajudou a montar a coleção de gente como o banqueiro David Rockefeller, o estilista Kenzo Takada e o ex-ministro da Cultura Gilberto Gil. A primeira dica que ela dá aos interessados em começar um acervo é se inteirar do assunto. “Vá a exposições individuais, coletivas, frequente galerias, museus e descubra antes de mais nada o que você aprecia”, recomenda. “O conhecimento e o reconhecimento de potenciais de mercado vêm depois disso.” Outro conselho da especialista é ter em mente que arte é (e será sempre) uma produção subjetiva e que, se a produção iniciante é evidentemente mais barata e pode em uma década ser arrematada em lances estratosféricos, para quem tem em vista a peça como um investimento é sempre mais garantido comprar algo com assinatura consolidada e reconhecida.

Obra “Boiadeiro e rebanho”, de Carybé: valor de mercado chega a R$ 100 mil (Foto: Andrew Kemp)

Não foi o que fez Paulo Darzé quando, há 30 anos, começou a montar sua galeria. “Comprei telas de Carybé pelo equivalente a R$ 5 mil”, conta o galerista. Hoje, uma pintura do artista argentino naturalizado no Brasil (como a que ilustra esta reportagem) está avaliada em R$ 100 mil. Do escultor baiano Tunga, Darzé ainda tem representantes da prestigiada série Tranças, peças que ele conta ter comprado por US$ 3 mil. Hoje, cada escultura dessa dificilmente é comprada por menos de US$ 100 mil.

Embora existam bolsas de investimento em catálogos contemporâneos, nas quais os investidores nem sequer sabem a cara das produções em que aplicam o seu dinheiro, muitos colecionadores adquirem um gosto especial pela aquisição de obras, passando a acompanhar não só a trajetória das assinaturas que guarda em casa, mas também do cenário artístico nacional. Alguns, como João Carlos de Figueiredo Ferraz, deixam todos os outros negócios para se dedicar completamente à arte. Grande empresário do setor sucroenergético, ele contou na entrevista publicada na edição de lançamento da PLANT como transformou uma coleção, que começou modesta nos anos 1980, em um dos conjuntos mais admiráveis de arte contemporânea nacional. O Instituto Figueiredo Ferraz hoje está aberto a visitas em Ribeirão Preto, no interior paulista.

O perigo de se encantar com as peças, segundo Julie Belfer, é justamente se apegar a ponto de não conseguir vender aquelas que, a princípio, haviam sido compradas como investimento. “Acabei de viver isso com um cliente. Ele comprou duas peças de uma artista bem jovem: uma por paixão e outra porque tinha tudo para valorizar. No fim, ele se encantou tanto com a segunda, que desistiu de vender. Isso acontece bastante”, conta ela. Segundo a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex), a partir de 2007, o volume de vendas externas de arte brasileira tem aumentado, em média, 65% ao ano. Artistas tidos como experimentais e adeptos das instalações, como Ernesto Neto e Adriana Varejão, receberam marteladas históricas nos grandes leilões internacionais. Beatriz Milhazes, que no Brasil era mais conhecida por suas ilustrações que pelas pinturas, ultrapassou, no início da década passada, a marca de US$ 1 milhão com seu quadro O Mágico, feito inédito para artista brasileiro vivo – e continuou quebrando o próprio recorde em leilões nos anos seguintes, quintuplicando o valor do arremate de suas telas. Na feira SP Arte do ano passado, a Dan Galeria, de São Paulo, fechou a venda da tela “Summer Love – Gamboa Seasons”, da pintora carioca, por R$ 16 milhões (o equivalente a US$ 5 milhões). A venda foi cancelada na sequência — especula-se que pela divulgação do nome do comprador pela imprensa. Mas a partir de então, aos olhos do mercado, esse passou a ser considerado o valor de referência da tela.

O mercado oferece hoje também opções para aqueles que preferem pular a imersão no mundo da arte e não tem interesse em encher a casa com obras de arte. O investimento no setor pode, então, ser feito hoje por fundos coletivos, como o do banco Brasil Plural. O Brazil Golden Art foi lançado com o dinheiro de 70 investidores, que aplicaram juntos R$ 40 milhões. Para participar dessa carteira, que conta hoje com pouco mais de 600 obras de arte, o desembolso mínimo é de R$ 100 mil. Os gestores do fundo garantem que a valorização das peças varia entre 150% e 200% em dois anos. Como todo investimento, porém, é preciso estar atento às condições, taxas de administração e garantias. Um dos pontos a ser observados no mercado da arte é a liquidez, já que nem sempre é fácil e rápido vender uma obra, mesmo que de um artista renomado. Colecionadores já com bom relacionamento com galeristas e outros colecionadores costumam ter mais sucesso nesse quesito. Outra questão que exige cuidado é a da procedência das obras. Falsificações, mesmo que não muito frequentes, costumam ser ofertadas para compradores menos experientes. Por isso, a assessoria de galerias e consultores com tradição é sempre recomendável.

Mas o fato é que a grande maioria gosta mesmo do prazer de descobrir talentos novos e de conseguir medalhões para guardar em casa. O dentista Marcelo Velame, cliente de Paulo Darzé, é um desses. “Já tive três apartamentos com minhas obras e não me canso”, diz o colecionador baiano, que começou a sua coleção com uma xilogravura de Emanoel Araújo e perdeu a conta do número de obras que tem hoje em seus apartamentos. “Trabalho aqui no consultório para comprar arte”, brinca ele, que guarda no centro da sala da residência onde vive um Superman, objeto de Nelson Leirner, um dos mais provocativos artistas brasileiros, comprado de Paulo Darzé há três anos por R$ 30 mil. A peça, hoje, está avaliada em R$ 90 mil. Venderia por quanto? “Por nada nesse mundo”, diz.

 

 

Obra de Beatriz Milhazes: carioca ajudou a popularizar o investimento em arte (Foto: Divulgação/D’Aloya, Fortes & Gabriel)

 

 7 RAZÕES PARA COMEÇAR UMA COLEÇÃO COM ARTE CONTEMPORÂNEA

1 Obras de artistas brasileiros recém-descobertos costumam ter um preço atraente e um potencial de valorização três vezes maior que as de profissionais no mesmo estágio na Europa ou nos Estados Unidos.

2 O mercado de arte contemporânea continua aquecido em casas de leilões, galerias, algo estimulado pelas feiras de arte que viraram moda e se proliferam a cada ano pelo País. Quem comprou uma pintura de Beatriz Milhazes nos anos 2000 por US$ 500 mil, vendeu, cinco anos depois, por US$ 3,5 milhões.

3 As obras de arte contemporânea brasileira caíram no gosto internacional a partir do final dos anos 1990, tornando-se coqueluches nas casas de leilões mais prestigiadas do planeta, como a Sotheby’s e a Christie’s. Uma vez que um artista tem a venda da obra estabelecida por esses balcões-referência em libras ou dólar, toda a obra passa a ter a mesma referência para compra e venda também no Brasil. Assim, o investimento fica protegido da desvalorização da moeda, da inflação interna e da variação do cenário econômico nacional.

4 Não se perde dinheiro. É muito difícil uma obra de arte se desvalorizar. Ela pode, sim, valorizar menos do
que se esperava.

5 Depois de adquirir uma obra de arte em uma galeria estabelecida, o comprador tem na figura do galerista representante do artista que assina a peça um parceiro comercial, que continua trabalhando na circulação e valorização dessa assinatura. A exibição de uma peça aumenta o seu valor cultural e também de mercado.

6 O imposto cobrado pela obra nacional é de 15% sobre a valorização. Comprar uma obra de arte no exterior exige o desembolso de mais de 40% sobre o valor bruto da peça em impostos.

7 Guardar arte em casa é de graça e um prazer. Os que gostam de receber acabam aumentando o círculo de interessados no assunto, o que amplia a vida social e, também, a possibilidade de negócios.