O gene do apetite da Bayer

Por Emma Cowan*, de Londres Muitas foram as razões cogitadas sobre a aquisição da Monsanto pela


Edição 1 - 14.12.16

Por Emma Cowan*, de Londres

Muitas foram as razões cogitadas sobre a aquisição da Monsanto pela Bayer. Manter-se forte diante da grande consolidação que acontece na indústria foi uma delas, mas existem vários outros benefícios estratégicos para a compra. Alguns deles, como a tecnologia de manipulação de genes, têm sido menos discutidos do que outros. Por trás das exigências e preocupações dos consumidores, o uso de culturas geneticamente modificadas em alimentos se tornou algo cada vez mais examinado por autoridades reguladoras, sobretudo nos Estados Unidos.

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O recente uso do rótulo OGM (Organismos Geneticamente Modificados ou Transgênicos) no estado de Vermont, nos EUA, deu início a uma nova era de incertezas para as grandes empresas de alimentos que começam a adotar o padrão de rótulo para produtos transgênicos, mas que ainda assim reclamam sobre o custo e a percepção de tal ação. Entre as que reclamam estão General Mills, Mars, Kellogg, Campbell Soup e Monsanto, que acreditam que tal lei estadual específica estabelece um precedente perigoso em Vermont, que poderia criar uma colcha de retalhos de políticas estaduais relacionadas a rótulos de produtos transgênicos.

Em outra frente, porém, uma nova tecnologia — ou um conjunto de tecnologias — está ganhando impulso e pode potencialmente substituir a atual tecnologia de produtos transgênicos, permitindo uma nova forma de manipulação genética benéfica. O sistema CRISPR (Repetições Palindrômicas Curtas Agrupadas e Regularmente Interespaçadas) Cas9 é a melhor ferramenta de edição de genes presente no mercado, além de ser uma técnica muito mais palatável para aqueles que não concordam com a modificação genética, porque espelha um processo natural.

O CRISPR utiliza, basicamente, um mecanismo semelhante ao utilizado pelos organismos vivos ao reparar o DNA danificado, excluindo fragmentos indesejados e substituindo ou reorganizando o que é deixado para trás. Como esse método não introduz nenhum DNA estranho, como no caso de algumas tecnologias de produtos transgênicos, é sem dúvida um método avançado de reprodução, que poderia ocorrer na natureza ao longo de vários anos de evolução. Assim, não está submetido aos mesmos níveis de testes regulamentares minuciosos que a tecnologia tradicional de produtos transgênicos.

AVANÇO DO CRISPR
Trata-se de um avanço, não só do ponto de vista da biologia, mas também do ponto de vista de aprovações. O Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) confirmou que o processo não requer aprovação regulatória. Uma variedade de milho desenvolvida pela DuPont Pioneer e modificada pelo CRISPR é um exemplo de uma cultura de genes modificados que não foi sujeita a regulamentações do USDA. Já existem outros exemplos. O diretor do Instituto Suíço de Pesquisa para a Pecuária Orgânica fez uma declaração em favor do CRISPR, chocando muitas ONGs e grupos de lobby da agricultura orgânica.

Até o Governo Chinês, conhecido pela sua oposição aos transgênicos, aprovou a iniciativa indicando o desejo de utilizar o CRISPR em contraste com a sua antipatia com a tecnologia transgênica tradicional.

O CRISPR foi nomeado como Inovação do Ano em 2015 pela revista Science, da Associação Americana para o Avanço da Ciência. E em 2014 e 2016 esteve presente na lista das dez melhores tecnologias do MIT. No domínio das ciências da vida, essa é uma ótima notícia. A indústria da saúde humana é atualmente o foco para o investimento de uma grande quantidade de recursos para a tecnologia CRISPR. Ela poderia liderar pesquisas para a cura de defeitos genéticos e doenças como o câncer, Alzheimer, fibrose cística, AIDS e apenas ao remover parte de DNA.

Mas a iniciativa vem ganhando espaço no setor de agricultura e há um claro potencial para a sua aplicação da área da saúde para a de agricultura. Desde o ano passado, a Bayer tem reforçado as capacidades do CRISPR e em agosto de 2016 assinou um acordo com a CRISPR Therapeutics, por meio da sua unidade do LifeScience Center e com o objetivo de investir US$ 335 milhões em uma joint venture chamada de Casebia Therapeutics.

A associação combina duas áreas: a CRISPR-Cas9 da CRISPR Therapeutics, e o know-how de engenharia de proteínas e doenças da Bayer. Por meio da joint venture, a Bayer obteve os direitos exclusivos para utilizar a tecnologia da CRISPR Therapeutics e a tecnologia proprietária da joint venture, a CRISPR-Cas9, além da propriedade intelectual em três áreas de doenças específicas que incluem doenças do sangue, cegueira e doenças cardíacas congênitas.

ACESSO EXCLUSIVO
A CRISPR Therapeutics pode obter acesso exclusivo ao know-how da engenharia de proteínas da Bayer para utilização em produtos do sistema CRISPR, bem como para a vasta experiência e conhecimento da Bayer nas três áreas de doenças visadas. O recém-criado know-how que se deu por meio da colaboração, além das três áreas de doenças citadas, será disponibilizado com exclusividade para a CRISPR Therapeutics para uso humano e para a Bayer para uso não humano, além de aplicações agrícolas. A partir disso, a Bayer comandará qualquer pesquisa e deterá o know-how para lidar com iniciativas de agricultura. Com a compra da Monsanto, a maior produtora de biotecnologia agrícola, a rota para o mercado se mostra de forma clara.

A Monsanto tem se concentrado em outras ferramentas de manipulação de genes, que foram inicialmente utilizadas para fins de modificação genética – ou seja, para inserir genes com determinadas características benéficas em diferentes culturas, com mais precisão. Neste ano, a empresa assinou dois acordos, um com a TargetGene e o outro com a Nomad Bioscience.

Sob a fusão com a Bayer, a Monsanto pode potencialmente ter um arsenal com ferramentas mais recentes de manipulação de genes à sua disposição, e poderia haver um novo escopo para substituir sua carteira de produtos transgênicos com produtos de ferramentas para manipulação de gene. Simultaneamente, aumentaria seus ganhos e estaria de acordo com o movimento orgânico.

FUSÃO
Então, o que tudo isso significa para a fusão? A união dará para a nova empresa o controle de mais de 25% da oferta mundial de sementes e pesticidas. Isso também significa uma aproximação ainda maior do originador de sementes geneticamente modificadas com os fundadores da tecnologia CRISPR. Note-se que a cota de 25% se refere ao valor coberto pelos produtos da Monsanto. A real área cultivada de culturas plantadas com a biotecnologia que rendem royalties à Monsanto é muito maior.

A Bayer não é o único player na corrida do CRISPR. Sabemos, no entanto, que outras empresas agrícolas estão olhando para o CRISPR. A DuPont Pioneer já tem um produto no mercado com base nessa tecnologia, como mencionado anteriormente, e fez uma parceria com a Caribou Biosciences, que no início deste ano levantou US$ 30 milhões em financiamentos. Mas a aquisição da Monsanto pretende catapultar a Bayer para ser a provedora de biotecnologia líder na produção de alimentos no mundo inteiro. A capacidade de biotecnologia combinada da Bayer e da Monsanto será imensa e sua propagação geográfica será global. O mercado dominante da Bayer é na Europa e o da Monsanto, nas Américas.

A única ameaça real para esse domínio agrícola mundial são os órgãos reguladores do mercado. Essa agora é a terceira megaconsolidação no setor. A primeira foi com a Dow-DuPont. Em seguida, com a Syngenta-ChemChina. Esta última aquisição é potencialmente a mais radical e profunda, mas pode ser a mais difícil de ser realizada.

 

Emma Cowan trabalha no setor de agricultura toda a sua vida. Cresceu junto aos negócios de carne bovina e soja de sua família no Brasil. Sua carreira corporativa, que se estende por mais de 25 anos, inclui cargos importantes em empresas como Rabobank, Syngenta e Monsanto. Em 2007 criou a consultoria de agronegócios, Cardy-Brown and Co., com sede em Londres, e agora aconselha investidores Fundo de Oportunidades Agrícolas e Alimentícias. Ela também é colunista da AgFunderNews, onde esse artigo foi originalmente publicado.

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