No rental, é melhor usar do que ter

Por COSTABILE NICOLETTA Grande parcela dos produtores rurais brasileiros demonstra ter uma relação


Edição 13 - 26.02.19

Por COSTABILE NICOLETTA

Grande parcela dos produtores rurais brasileiros demonstra ter uma relação quase que de afetividade com as máquinas empregadas no plantio e na colheita de sua lavoura. Ainda hoje, a propriedade desses equipamentos lhes é tão cara, emocionalmente, quanto o próprio custo de adquiri-los, financeiramente. Uma combinação de fatores observada nos últimos anos, entretanto, começa a confrontar tradição com pragmatismo e a encorpar uma modalidade de negócio que, se não é uma novidade no campo, passou a ser encarada mais como uma estratégia para reduzir custos e menos como uma opção eventual a depender das necessidades pontuais das fazendas: o aluguel de máquinas. Conhecido em muitas das empresas pelo termo em inglês rental, o conceito começa a ser tratado como uma das tendências mais fortes para o setor de máquinas agrícolas nas próximas décadas e também coloca as lavouras no alvo de investimentos de grupos especializados na locação de veículos.

Jogam a favor do rental atualmente fatores como a redução dos subsídios governamentais para a aquisição desses bens, a crescente preocupação dos produtores rurais de concentrar recursos financeiros em melhorias de seu negócio principal (plantar e colher), a expansão da oferta de aluguel de fabricantes dessas máquinas e de grandes locadoras e até mesmo a mudança de hábitos das novas gerações de herdeiros das fazendas. “Os filhos e netos dos agricultores tradicionais já pensam de forma diferente de seus pais e avós. Olham mais detidamente para os números, em como aplicar o capital da fazenda diretamente no coração da lavoura e veem as máquinas como elas são: uma ferramenta de trabalho”, afirma Paolo Rivolo, diretor comercial da fabricante de máquinas Case IH. “Ao fazerem as contas, entre investir R$ 1 milhão na compra de uma colheitadeira e poder fazer uso dela pagando um valor menor, mensalmente, a título de aluguel, sem custos imobilizados e de manutenção, é provável que essa nova geração opte pela locação e que esse modelo de negócio cresça de maneira exponencial daqui para a frente.”

Ainda há uma fatia gigante de agricultores mais tradicionais, que consideram a propriedade importante e valorizam ter sua própria turma de mecânicos para adaptar as máquinas ao solo de suas propriedades – processo que fica mais difícil se o produtor rural não for o dono da máquina. “Mas teremos de ver como se transformará esse paradigma com as novas gerações. Em minha opinião, acontecerá uma revolução que beneficiará a indústria de aluguel de máquinas agrícolas”, afirma Rivolo.

Na Vamos – locadora de caminhões e máquinas pertencente ao Grupo JSL, um dos maiores nas áreas de logística e locação de veículos do País –, o segmento de agronegócios é o mais expressivo em sua carteira de clientes. “Representa 55% de nossos negócios, tem crescido muito nos últimos três anos e apresenta ainda grande potencial de expansão”, avalia Gustavo Moscatelli, diretor financeiro da companhia. Ele baseia seu otimismo no fato de muitas empresas de agronegócios que ainda trabalham com máquinas próprias, adquiridas quatro anos atrás com subsídio na taxa de juros, estarem entrando, agora, no ciclo de renovação de sua frota.


NA PONTA DO LÁPIS

Segundo o executivo, em grandes companhias de agronegócios – principais clientes da Vamos, sobretudo usinas de açúcar e álcool –, o maquinário exigido para a operação das fazendas envolve investimento de R$ 50 milhões a R$ 70 milhões. “Em vez de fazer um desembolso dessa magnitude em um segmento que não é seu negócio principal, o produtor rural pode aplicar seu dinheiro na terra e deixar esse investimento para nós, que somos especialistas na compra e manutenção das máquinas.”

Pelas contas de Moscatelli, alugar é 30% mais vantajoso ao produtor rural do que comprar esses bens. Ele explica o porquê: “Um agricultor ou uma usina nos pede um trator, compramos o veículo zero-quilômetro direto da fábrica e o alugamos ao produtor. Esse ativo fica em seu plantio durante cinco anos e, depois desse período, ele nos devolve o equipamento. Como a Vamos é uma grande compradora de caminhões e máquinas, consegue adquiri-los em condições muito mais favoráveis. O mesmo se dá na hora de revender esses bens, pois a Vamos usa as suas 41 lojas espalhadas pelo Brasil e obtém preços melhores que o produtor rural conseguiria, seja na compra, seja na revenda das máquinas ou caminhões”.

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As vantagens apregoadas pelos defensores do modelo de negócios de aluguel de máquinas, porém, já estão sendo usadas como instrumento de barganha por grandes empresas do agronegócio. No final de 2018, a Case IH negociava a venda de um lote de suas máquinas com usinas de cana-de-açúcar de São Paulo e, até os 45 minutos do segundo tempo dessas tratativas, as usinas não haviam decidido se adquiririam ou se alugariam as máquinas de que necessitavam.

A opção do aluguel também tem sido bastante usada por pequenos e médios produtores rurais – isoladamente ou em grupo de fazendeiros vizinhos –, sobretudo do Rio Grande do Sul e do Paraná, no caso dos equipamentos da marca Case IH, quer em contratos fechados por meio de lojas concessionárias, quer nos feitos com grandes locadoras. “O aluguel é muito importante para pequenos e médios produtores, porque eles não têm escala para ser proprietários de máquinas eficientes”, diz Marcelo Vieira, presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB).

Na opinião de Vieira, a modalidade de aluguel também foi favorecida pela mudança na legislação no ano passado, que permitiu a terceirização de operações nas fazendas. “Pode até viabilizar que um pequeno ou médio produtor invista num equipamento de alta capacidade para fazer a sua operação e a de seus vizinhos. Isso traz muito mais eficiência para a operação agrícola.”

A INDÚSTRIA SE MOVE

Nos escritórios dos grandes fabricantes de máquinas, o termo rental faz parte do vocabulário diário. Na AGCO – fabricante e distribuidora de equipamentos agrícolas com as marcas Challenger, Fendt, Massey Ferguson e Valtra –, a locação de máquinas agrícolas é uma realidade presente no mercado, atesta Alexandre Assis, gerente de contas-chave para a América do Sul. Atualmente, diz o executivo, o modelo de negócio com maior representatividade é o de locação por períodos mais extensos (três a cinco anos), principalmente para o segmento sucroalcooleiro e para a área florestal. “A AGCO atua em parceria com as principais empresas de locação do mercado e também fazendo a conexão entre os clientes finais que tenham interesse nessa modalidade e as empresas de aluguel.”

Em seu ponto de vista, a modalidade de locação chamada pelo mercado de “spot” (por períodos menores) tem na questão do custo de operação um impeditivo para o seu crescimento. “Mas os contratos de maior duração tendem a crescer, uma vez que permitem à locadora tomar crédito para financiamento de longo prazo com taxas de juros mais atrativas, que, consequentemente, permitem reduzir o preço da locação.”

Com o conhecimento profundo do setor, a indústria também enxerga entraves no caminho do crescimento da área. Alexandre Blasi, diretor comercial da fabricante de máquinas New Holland Agriculture no Brasil, considera que a extensão do território brasileiro é um dos empecilhos à popularização do aluguel de máquinas. Novas fronteiras agrícolas, diz ele, têm poucos prestadores de serviços/aluguel de máquinas, enquanto regiões mais consolidadas dispõem de maior oferta de aluguel. “As janelas de plantio e colheita cada vez menores levam os produtores a ter maior número de máquinas e isso dificulta ainda mais a expansão do aluguel”, afirma Blasi. “Outro ponto igualmente importante é a tecnologia embarcada nos tratores, plantadeiras, pulverizadores e colheitadeiras, que leva o produtor a querer máquinas mais novas. No mercado de prestadores de serviços, as máquinas alugadas costumam ser mais antigas.”

João Marchesan, presidente do Conselho de Administração da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), reconhece que o mercado de aluguel vem crescendo, porém diz que se concentra no setor de açúcar e álcool. “Na indústria sucroenergética é mais fácil, porque o prazo de colheita é longo e os contratos podem ser fechados por um período mais dilatado. Já no segmento de grãos e proteína animal, que constitui a maior parte do agronegócio brasileiro, entendo que é mais difícil, por causa da janela de tempo muito curta. Se o agricultor ficar dependendo do prestador de serviço, às vezes pode perder essa janela, porque o locador não tem amplitude para dar atendimento a todos ao mesmo tempo.”

“Existem algumas barreiras para uma maior implementação. A mais significativa é a concentração de operações num mesmo período do ano. Em época de semeadura, todos estão plantando e a janela é bastante curta”, concorda Pedro Estevão Bastos, presidente da Câmara Setorial de Máquinas e Implementos Agrícolas (CSMIA) da Abimaq. Para ele, o aluguel e o uso compartilhado são uma tendência mundial que poderá chegar ao Brasil também, todavia o mercado ainda é pequeno em relação ao total de operações agrícolas. Para ele, a oportunidade seria alugar o equipamento que estará ocioso depois do plantio para outras regiões que têm períodos diferentes de plantio. “Entretanto, o custo do frete para deslocamento dos equipamentos pode inviabilizar o negócio. Certamente o aluguel realizado por empresas com foco nesse ramo tem toda a estrutura para contratos, manutenção e transporte do maquinário.” Segundo Bastos, o agricultor que procura o aluguel está em busca de menor custo de produção. “Isso é salutar porque terá maior rentabilidade. Do ponto de vista da demanda de máquinas, a tendência ainda é muito incipiente e não afeta as vendas. Mesmo que seja significativa no futuro, haverá venda de máquinas para aluguel.”

 

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