Por Mário Sérgio Venditti
As ruidosas decisões do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, estão estremecendo suas relações comerciais internacionais e abriram uma porteira de incertezas no agronegócio brasileiro. O setor vive em compasso de espera para saber exatamente em que medida será afetado pelas canetadas de Trump. O temor faz sentido. Trump 2 – como está sendo chamado o segundo mandato do presidente – elevou o tom contra importantes parceiros comerciais do Brasil, como a China e os países do Brics.
Com o Brasil, os Estados Unidos mantêm uma balança comercial bastante equilibrada. No ano passado, o país importou US$ 40,5 bilhões e exportou US$ 40,3 bilhões, levando os especialistas a imaginarem que não faz sentido Trump criar caso com o Brasil. “Mas é preciso prestar atenção em certas particularidades na política protecionista de Trump”, afirma o engenheiro agrônomo e professor emérito da Fundação Getulio Vargas (FGV), Roberto Rodrigues, ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) de 2003 a 2006. “O Brasil é grande exportador de carne bovina para os Estados Unidos, o que causa insatisfação dos pecuaristas americanos. Não seria estranho se o presidente interferisse nessa questão para favorecer os produtores de seu país.”
No entender de Rodrigues, o envio de carne bovina é apenas um dos aspectos que podem respingar no Brasil devido à guerra comercial declarada por Trump a outros países. “Antes de mais nada, ele é um comerciante, que faz contas baseado em um espírito nacionalista e nada liberal. É o America first que domina suas ordens”, diz.
O republicano cumpriu a promessa de tarifar em 25% os produtos vindos de México e Canadá, e em 10% os da China. Embora tenha adiado a execução das ações com os países vizinhos em um mês, as relações entre eles ameaçam azedar em breve. “O México é o principal comprador de milho dos Estados Unidos, então, poderá haver escassez no fornecimento desse grão, abrindo boas perspectivas para o Brasil, que também tem condições de exportar mais leite e frutas para o Canadá”, acredita o ex-ministro.
Para evitar uma eventual “trumpdependência” no agronegócio, Rodrigues defende que o governo brasileiro se desdobre no trabalho de consolidar acordos comerciais inéditos. “É um desafio árduo, mas que se transformaria em oportunidade única”, diz. E menciona as vantagens do solo e do clima do País, que ostenta 80 milhões de hectares plantados com grãos, 40 milhões de hectares de pastagens degradadas e um cinturão tropical privilegiado. “Até os anos 1980, a nossa agricultura era predominantemente costeira e tínhamos de importar 30% dos alimentos”, afirma Rodrigues. “Ao longo do tempo, o Brasil desenvolveu a melhor técnica tropical do mundo, especializando-se em agricultura de conservação, manejo de solos tropicais e tecnologias de irrigação. Com tamanho know-how, podemos ser protagonistas na agricultura mundial.”
Para assumir o protagonismo, porém, Rodrigues salienta que, além dos acordos comerciais, o Brasil precisa investir em dois pilares essenciais para o campo: ciência e tecnologia, e logística e infraestrutura. “Nos últimos três anos, o País assinou 400 pactos em nichos específicos”, diz. “Ou seja, aquela coisa de vender farinha para um, gergelim para outro. Nessa nova ordem econômica global que se avizinha com o Trump 2, devemos buscar parcerias robustas e abrangentes, com países que tenham mercado potentes, como Índia e Japão e Oriente Médio.” Quando esteve à frente do Mapa, Rodrigues criou a Secretaria de Comércio e Relações Internacionais, justamente para abrir caminho para novos acordos do agro. “O diálogo é cada vez mais necessário, pois Trump não esconde a intenção de subverter as regras comerciais e sufocar a Organização Mundial do Comércio (OMC), que supervisiona as negociações entre os países. Isso é ruim para o Brasil”, ressalta.
O coordenador do Insper Agro Global, Marcos Jank, vai na mesma linha de Rodrigues. Para ele, o governo Trump 2 poderá gerar um efeito de motivar o agronegócio brasileiro na diversificação de mercados. Outro direcionamento possível é o País partir para o fortalecimento de acordos comerciais sustentáveis bilaterais. “Nos dois casos, o agronegócio nacional conseguiria reduzir a dependência dos humores de Trump”, diz.
Jank acredita que o adiamento na aplicação do tarifaço sobre México e Canadá ajudou a baixar um pouco a fervura na guerra comercial, embora não tenha aliviado as tensões com o resto do mundo. “Todo dia Trump tira da cabeça uma bravata diferente, só que algumas coisas são blefes, ou seja, ele ameaça e não cumpre”, afirma Jank. “De toda forma, o novo cenário afetará o Brasil em maior ou menor intensidade.” Jank lembra que o primeiro mandato de Trump, de 2017 a 2021, também impôs restrições comerciais à China. Ela contra-atacou priorizando os produtos agrícolas do Brasil, que se tornou o maior exportador para os asiáticos. “Agora, o Trump 2 deverá causar mudanças significativas na geopolítica, incluindo o agronegócio brasileiro”, afirma. “A postura protecionista e a promessa de tarifas elevadas sobre importações criaram incertezas e exigirão ajustes nas estratégias de exportação de produtos agropecuários.”
Para o especialista do Insper, um armistício entre Estados Unidos e China seria o melhor dos mundos para estabelecer a calmaria global. “Uma trégua total seria um processo lento e, paradoxalmente, poderia resultar em uma configuração ruim para o Brasil, porque sinalizaria uma abertura maior de produtos americanos do agronegócio para a China”, diz. “No fim das contas, prevalece a lei da selva, a lei do mais forte.”
É difícil imaginar, no entanto, a flexibilidade de Trump com os chineses, uma vez que a tendência é de o presidente beneficiar os chamados “amigos ideológicos”. O tabuleiro do jogo comercial certamente ganhará novos movimentos depois do anúncio das tarifas discriminatórias, que, segundo Jank, ferem as regras internacionais. Em sua análise, até mesmo a aproximação do presidente da Argentina, Javier Milei, ao governo Trump representa riscos ao agro brasileiro. “Ele pode ganhar privilégios e se tornar um concorrente de peso na exportação de grãos, frutas e carne”, afirma. Jank acrescenta: “A concorrência internacional de países que mantêm acordos comerciais mais amistosos com os Estados Unidos é uma ameaça que o Brasil deve responder com investimentos em tecnologia e inovação, a fim de melhorar a eficiência e a produtividade de itens como milho, carne e algodão”.
Até que o cenário fique mais claro, o Brasil vai encarar alguns desafios, como tarifas elevadas sobre importações suficientes para reduzir a competitividade dos produtos agropecuários brasileiros no mercado dos Estados Unidos. “Além disso, a política comercial ensaiada por Trump, que vem causando uma inquietação econômica mundial, compromete a confiança dos investidores e a demanda por produtos agropecuários locais”, conclui o coordenador do Insper.