Por Mário Sérgio Venditti
Os equipamentos utilizados no agronegócio estão passando por uma revolução nos últimos anos, com a introdução de itens sofisticados, como tratores autônomos, drones e robôs que fazem a colheita. Mas há também um tipo de veículo que é presença marcante nas propriedades e que vem se tornando cada vez mais tecnológico: as picapes. Hoje em dia, boa parte das montadoras que atuam no Brasil tem picapes médias e grandes em seus portfólios. Isso acontece porque elas querem demarcar território no segmento que mais cresce no cenário automotivo nacional. Um a cada cinco veículos comercializados no País possui caçamba. Para se ter ideia, no ano passado, foram vendidas 236 mil unidades, um crescimento de 25% em comparação a 2022.
O agronegócio responde por uma parcela substancial desse volume de vendas de picapes médias e grandes. “Cerca de 70% dos emplacamentos da Chevrolet S10 são destinados ao agro”, afirma Suelen Arice, gerente de Marketing de Produto de picapes da General Motors do Brasil. Ela diz que a atração especial que as picapes exercem sobre os produtores rurais tem explicações fáceis de identificar. “O picapeiro é exigente. Além de um veículo robusto, preparado para os caminhos off-road, ele busca conforto para a jornada diária, motor forte e boa capacidade de carga para atender suas necessidades. E, quando não está envolvido com o trabalho, o usuário quer um automóvel bacana para passear.”
Recentemente, a Chevrolet S10 passou por uma ampla reformulação. Mas ela não é a única representante da GM a arrancar suspiros dos fazendeiros. A fabricante lançou, no ano passado, a irmã maior Silverado, que já havia percorrido as terras brasileiras nos anos 1980 e 1990. Com preço a partir de R$ 530 mil, agora está de volta com dimensões invejáveis: 5,91 metros de comprimento, 2,06 m de largura, 1,94 m de altura e 3,74 m de distância entre-eixos.
As chamadas agrofeiras – como a Agrishow, promovida anualmente em Ribeirão Preto (SP) – são vitrines importantes para as fabricantes apresentarem as novidades. “Há um movimento forte dos agricultores no sentido de buscar tecnologias de ponta”, atesta a executiva da GM. Nesse aspecto, o sinal de wi-fi 12 vezes melhor que um convencional – dispositivo importante para quem anda em áreas distantes entre uma fazenda e outra –, inteligência artificial no motor para economizar combustível, sistema de auxílio remoto OnStar e localização à distância deixam as picapes da GM bem recheadas para enfrentar a concorrência.
A Silverado foi um contra-ataque da GM ao sucesso da Ram, picape que pertence à marca de mesmo nome, uma das companhias do Grupo Stellantis. Segundo Juliano Machado, vice-presidente da Ram para a América do Sul, a relação entre campo e picapes está enraizada no Brasil. “Trata-se de um veículo valente, que pode ser colocado à prova em diversas atividades”, salienta. “A chegada de picapes mais tecnológicas, como a pioneira Ram, fez essa paixão do agronegócio aumentar.”
Em 2023, aproximadamente 60% das vendas da Ram aconteceram fora das capitais e, por isso, é natural que as modificações realizadas no modelo levem em conta os desejos do homem do campo. “Os motores potentes e o torque elevadíssimo são pontos de destaque para esse público, assim como o diferencial do tamanho da caçamba. Destaco também a câmera 360° e recursos de segurança ativa, como o alerta de colisão frontal com frenagem autônoma de emergência e piloto automático adaptativo”, completa.
Com as vendas da Ram em alta, a empresa viu que era hora de colocar mais uma picape no mercado, a Rampage. “Ela nos possibilita alcançar um público maior, que não tem necessidade de uma picape tão grande como a Ram, sem abrir mão de um veículo resistente para percorrer as plantações”, diz.
Era evidente que a Ram não reinaria sozinha por muito tempo no universo de picapes grandes. Se não bastasse a Chevrolet Silverado, ela ganhou a rival Ford F-150, que veio se juntar à tradicional Ranger. “Picapes como F100, F1000, F250 e Ranger fazem parte da história do agronegócio brasileiro, evoluindo tecnologicamente ao longo dos anos”, acentua Dennis Rossini, gerente de Marketing da Ford.
Ele admite que a linha de picapes da Ford foi desenvolvida para atender, essencialmente, as demandas do agronegócio, desde atributos de capacidade de carga e reboque até os aspectos de força e durabilidade. “Fazemos um extenso trabalho de análise e pesquisa do agronegócio nacional, a fim de entender os anseios dos produtores rurais. Isso inclui visitas a fazendas, entrevistas com agricultores e participação em eventos do setor”, pontua.
Um dos resultados dos estudos apontou que o público do agro gosta de picapes com motores grandes e potentes. “Estamos bem atendidos nesse quesito, porque a Ranger vem equipada com o novo V6, ao passo que a F-150 é impulsionada pelo V8 aspirado, o mesmo do Mustang”, revela.
De acordo com Rossini, o agronegócio brasileiro dita tendências, pois várias tecnologias e atributos foram criados para suprir o setor. Um deles é o degrau de acesso à caçamba, instalado na nova geração da Ranger, muito útil nas operações de carga e descarga de insumos agrícolas transportados no compartimento.
Outra inovação é o câmbio eletrônico. A Ford ouviu vários relatos de produtores rurais que precisam parar constantemente para abrir e fechar porteiras dentro das propriedades. “Com o câmbio eletrônico, a posição da alavanca muda automaticamente de D (drive) para P (park) quando o motorista abre a porta, garantindo que o veículo não se mova acidentalmente”, explica.
As funções práticas existentes nas picapes médias e grandes ajudam a explicar o bom desempenho de vendas. No entanto, elas igualmente são vistas como símbolos de status e prosperidade. “Para o produtor rural, ter uma picape de porte superior é como ostentar um troféu, refletindo seu sucesso no agronegócio”, diz o gerente da Ford.
As picapes intermediárias também viraram uma alternativa atraente para o trabalho no campo. Não são tão robustas, mas, mesmo assim, ganham admiradores no agronegócio. E são mais baratas. Lançada em março passado, a Fiat Titano custa a partir de R$ 220 mil. “A caçamba da Titano de 1.300 litros é versátil e a capacidade off-road e a distância do solo são capazes de encarar qualquer tipo de terreno. Além disso, os profissionais do agronegócio se identificam com a estrutura da carroceria da versão Endurance”, acredita Pedro Silva, diretor de Marketing de Produto da Fiat.
Silva enfatiza que a Titano vai consolidar a Fiat no agronegócio. Para atingir esse objetivo, a montadora criou um plano de financiamento específico ao produtor rural e uma parceria comercial com a New Holland, marca de equipamentos e implementos agrícolas. “Sempre participamos desse setor, com a linha completa da Fiat Professional e com as picapes Strada e Toro. A Titano, porém, é a cereja do bolo”, diz.
Embora o segmento de picapes médias e grandes esteja ganhando mais opções, a liderança de vendas segue com a Toyota Hilux, que detém cerca de 19% do mercado. As concorrentes, porém, não param de evoluir para conquistar a preferência dos fazendeiros. Volkswagen Amarok, Mitsubishi L200 e Nissan Frontier também estão no páreo.
“As picapes são aliadas fiéis do agronegócio, principalmente por causa da versatilidade”, diz Rogério Louro, diretor de Comunicação da Nissan do Brasil. “Com alta capacidade de transportar cargas, elas servem ainda como excelentes veículos de apoio nas atividades das fazendas. Picapes com chassis possuem mais resistência que veículos monoblocos, garantindo mais tempo de uso sem grandes dores de cabeça.”
Louro revela que o agronegócio é prioridade da Nissan quando o assunto é Frontier. “No desenvolvimento de nossos produtos, sempre avaliamos os segmentos atendidos para entender e entregar o que os clientes esperam. Antes de cada lançamento, submetemos os veículos a uma bateria de testes para alcançar o desejado nível de qualidade japonês”, afirma. Com a Frontier não foi diferente. Ela percorreu 200 mil quilômetros em toda a América do Sul, em diversos tipos de terreno, topografia e altitude.
Os testes serviram para aprimorar as tecnologias da Frontier, como o Nissan Safety Shield, uma espécie de “escudo” de monitoramento e proteção. Um dos equipamentos desse sistema é a câmera com visão 360°, que oferece total segurança para o motorista dirigir a picape com tranquilidade e aproveitar da melhor forma os deslocamentos. “Ele visualiza a área à frente do carro na tela do painel e pode atravessar uma ponte de madeira estreita ou passar pelos chamados ‘mata-burros’ de forma tranquila e sem sustos”, diz.
No entender do consultor automotivo Cássio Pagliarini, da Bright Consulting, a reputação das picapes no agronegócio encontra eco nas especificações técnicas. “Por serem desenvolvidas sobre chassi, elas oferecem mais robustez e durabilidade. Uma picape monobloco não tem essa resistência toda”, reforça. “Com um modelo 4×4, o motorista se sente seguro de passar por pisos acidentados, que tenham facões, costelas de vaca e barro. Durante seis, sete anos, ele vai castigar a picape sem precisar de grandes manutenções.”
Pagliarini cita outros fatores que justificam a aceitação das picapes entre os produtores rurais. “O brasileiro adora comprar automóvel por metro quadrado. Quanto maior o veículo, mais ele paga, sem se importar. Há, ainda, um componente da ostentação, do status de andar com um veículo tão imponente. As picapes também se encaixam nesses dois casos”, conclui.
Ligados na tomada
Versões elétricas se preparam para entrar em campo
A eletrificação das picapes também está chegando ao campo. As fabricantes se preparam para lançar no Brasil seus primeiros modelos elétricos ou híbridos, mirando o agronegócio como público-alvo. Duas já estão confirmadas para desembarcar no País. A primeira é a BYD Shark, com início de vendas previsto para o segundo semestre. A fabricante chinesa vem chacoalhando o mercado brasileiro, principalmente com modelos elétricos e repletos de tecnologia. Agora, quer entrar no concorrido segmento das picapes.
Segundo Pablo Toledo, diretor de Comunicação e Marketing da BYD no Brasil, a Shark tem todos os elementos para agradar os produtores rurais. “Ela pode levar 1.450 litros (ou 850 kg) na caçamba e a capacidade de reboque chega a 2.500 kg”, afirma. “Com motor de 450 cv de potência, a Shark faz de 0 a 100 km/h em apenas 5,7 segundos, ou seja, é rápida e ágil para os trabalhos no campo.”
Com 3,26 metros de distância entre-eixos, a picape da BYD oferece ótimo espaço interno, assegurando conforto aos passageiros. Por dentro, oferece praticidade ao motorista, como o painel de instrumentos de 10,25 polegadas e a central multimídia com monitor giratório de 12,8 polegadas, que mais parece um tablet e agrupa uma série de funções.
Além disso, os usuários podem gerenciar remotamente a picape. Por meio do aplicativo BYD, é possível ativar o ar-condicionado e ajustar a ventilação e o aquecimento dos assentos. Toledo conta que a Shark apresenta autonomia de 840 km – 100 km no modo puramente elétrico. “A recarga de 30 a 80% da bateria de 29,6 kWh acontece em 20 minutos”, revela.
Outra picape prestes a atrair o interesse do agronegócio é a iEV-330P, da JAC Motors, que deverá chegar no fim do ano. Com propulsão 100% elétrica, o veículo entrega 150 kW de potência (o equivalente a 204 cv) e transporta 850 kg de carga na caçamba. Um dos atrativos da iEV-330P é o sistema inteligente i-Pedal. Quando o motorista tira o pé do acelerador, o motor elétrico se transforma em gerador de energia e começa a recarregar a bateria, elevando em até 20% a autonomia de 226 km.