Grandes grupos agrícolas aderem em peso ao selo internacional RTRS, mas médios e pequenos produtores de soja ainda questionam a complexidade de adequação
Por Paula Pacheco
Nem tão veloz e lucrativa como se esperava nem tão lenta e frustrante como se previa no pior cenário. A passos moderados, avança a certificação da soja e do milho brasileiros de acordo com os critérios da Associação Internacional da Soja Responsável (RTRS, na sigla em inglês). Ainda há, porém, muita incerteza entre os produtores, especialmente os médios e pequenos, sobre os ganhos financeiros que o atendimento pleno às exigências para a obtenção dos diplomas de produção ambiental, social e de governança pode acarretar. As maiores companhias nacionais de produção do grão aderiram de modo consistente aos protocolos, mas o ritmo de adesões da maioria dos agricultores do setor ainda não é considerado o ideal.
“O prêmio está aquém das expectativas”, avalia o?diretor de RH, Sustentabilidade e TI do grupo SLC Agrícola, Álvaro Dilli.?“Para muitos agricultores, receber apenas US$ 2 a mais por tonelada de grãos de produção certificada não é significativo para a tomada de uma decisão que implica em custos altos, processos bastante complexos e ganhos, até aqui, inferiores aos que eram projetados desde 2006, quando a RTRS foi fundada”, acrescenta.?Naquele período, acreditava-se que a adesão dos compradores à certificação seria tão grande que toda a soja brasileira poderia migrar, integralmente, para aquele modelo de produção, repleto de normas de sustentabilidade ambiental, social e de governança.
No caso da soja, a aderência aos protocolos da RTRS no País chega a 303 fazendas certificadas, que representam 1,5 milhão de hectares plantados. Já os compradores somaram 200 até 2022. Nos últimos dez anos de certificação, registra-se uma média de crescimento anual em verificações entre 5 e 10%. Com base nessa tendência, a entidade projeta que o selo RTRS deva alcançar um volume próximo a 8 milhões de toneladas certificadas em 2023.
A partir de 2022, a entidade internacional, fundada em 2006, passou a incluir a certificação do milho entre as suas atribuições. No primeiro ano, foi registrada no Brasil a adesão de apenas três produtores e uma cooperativa, segundo Cid Sanches, consultor externo da RTRS no Brasil. No entanto, há uma série de auditorias em andamento, cujo ritmo deve se acelerar em novembro e dezembro, com novas adesões previstas para os meses de março e abril.?
Desde o início do ano passado, o?milho produzido no Cone Sul atingiu?653 mil toneladas verificadas neste primeiro ano. Destas, 489.827 mil toneladas saíram de lavouras brasileiras, 153.182 mil toneladas foram produzidas na Argentina e 10.144 mil toneladas, no Uruguai. Em 2023, a produção brasileira de milho certificado deverá alcançar 1 milhão de toneladas.
Os produtores que buscam o aval?RTRS precisam atender 27 quesitos e se enquadrar em mais de uma centena de indicadores. O pacote de exigências vai desde?questões maiores da organização das lavouras, como cobertura verde e manutenção das reservas legais, até detalhadas regras de logística como o estabelecimento de distâncias seguras em alojamentos de funcionários e depósitos de defensivos agrícolas.?
A SLC Agrícola aderiu ao milho certificado em 2023 e já tem uma trajetória consolidada como a maior produtora mundial de soja RTRS. A produção é de cerca de 800 mil toneladas anuais, num total de 220 mil hectares plantados. Se para os pequenos e médios produtores a remuneração extra de US$ 2 por tonelada pela certificação não provoca ganhos significativos em receitas, para as dimensões da colheita da SLC o impacto é positivamente sensível. O grupo projeta para este ano um acréscimo de R$ 10 milhões à sua receita com a soja certificada.
A jornada da certificação na SLC começou em 2008, quando a RTRS ainda estava em fase de estruturação. A primeira certificação veio em 2011. “Acreditamos desde o começo que o futuro da agricultura seria por meio da certificação, com o compromisso da responsabilidade e da sustentabilidade”, diz o diretor Dilli. “Entregar uma soja diferenciada, avaliada por uma terceira parte, nos dava a certeza de que o produto chegaria a qualquer mercado.”
Atualmente, apenas 1,5% da soja comercializada no mundo é certificada. A expectativa do diretor é de que esse mercado se desenvolva, atingindo nos próximos anos 4,5% e, no futuro, ao menos 15%. O crescimento, na sua avaliação, “geraria um círculo virtuoso no mundo que resolveria, por exemplo, os problemas relacionados à franja amazônica”. Neste ano, com cerca de 135 mil hectares de milho na mesma plataforma RTRS, Dilli aposta no ganho em reputação, já que, por ora, a SLC não recebe nenhum adicional pela venda desse grão.
Outra gigante da soja, a Amaggi também tem parte da sua produção de soja certificada pela RTRS. Assim como a SLC Agrícola, a empresa participou desde o começo do projeto de reconhecimento das regras RTRS. A diretora de ESG, Comunicação e Compliance da Amaggi, Juliana Lavor Lopes, lembra que foram necessários cinco anos até que se chegasse aos critérios que balizariam a certificação do grão. “Tomar parte nas discussões no âmbito da RTRS nos ajudou a dar celeridade à implementação dos protocolos”, diz a executiva. “Com boa parte das exigências já adotadas nas propriedades, graças a certificados como a ISO 14.001, a Amaggi foi a primeira empresa a ser certificada e a implementar as novas práticas junto a um grupo de fornecedores.”
Segundo a diretora da Amaggi, o maior desafio trazido pela decisão de adotar a RTRS foi a mudança de cultura no processo de gestão, não só nas propriedades próprias, mas também nas de parceiros. “Da perspectiva do produtor, a mudança na gestão é o ponto mais sensível, mas, quando há a compreensão dos ganhos, ganha-se corpo mais rapidamente”, afirma. Produtores parceiros da Amaggi têm conseguido obter a certificação, em média, oito meses após o início do processo.??
O fornecedor da Amaggi adere ao RTRS de forma voluntária. Já a produção própria da empresa é 100% certificada. Mesmo quem opta por não investir no selo tem de atender a critérios mínimos socioambientais. É preciso seguir a legislação relacionada à moratória da soja, provar não fazer parte da lista suja do trabalho análogo à escravidão, estar fora do rol de embargo do Ibama e dos órgãos estaduais e respeitar unidades de conservação e de terras indígenas. O trabalho de monitoramento também é feito pela Amaggi. Diariamente, as áreas dos fornecedores – cerca de 17 milhões de hectares – são monitoradas via satélite. No ano passado, menos de 1% da soja de terceiros foi bloqueada por não estar em conformidade com a regras internacionais.
Antiga entusiasta da certificação, a Bayer aderiu ao RTRS em 2013. Hoje em dia, o papel da multinacional é desenvolver ações de fomento para a adoção do selo. Um exemplo é dar ganho de pontos do programa de relacionamento da empresa, o Impulso Bayer, aos produtores que fazem a pré-auditoria ou a auditoria da RTRS.?Diretora de Alianças da Cadeia de Valor Alimentar da Bayer para a América Latina, Alessandra Fajardo diz que o alcance da soja com certificados como a RTRS tem potencial para crescer. “Mas não pode achar que vai ter transformação no campo e que o custo todo será do agricultor, sem ser compartilhado por toda a cadeia”, afirma a executiva. “O gargalo que vemos não está em encontrar gente que queira certificar, mas que queira comprar a produção certificada.
A Unilever está entre as empresas que aderiram à soja com certificação RTRS para ampliar o impacto positivo nas cadeias de fornecimento. A intenção é trazer mais fornecedores indiretos para o grão sustentável, explica o líder de Nutrição da Unilever Brasil, Rodrigo Visentini. A adesão confirma o esforço da companhia e de suas marcas em construir soluções sustentáveis, que também atendem a um consumidor mais exigente. “Estamos empenhados em engajar nossos parceiros, fornecedores e pequenos produtores agrícolas, em escala local e global, para impulsionar a mudança sistêmica que se faz necessária em toda a cadeia”, diz Visentini.