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O desafio da logística

Para continuar a ser competitivo no cenário internacional, o agronegócio brasileiro depende cada vez mais de melhores condições de infraestrutura
Edição: 44
28 de fevereiro de 2025

Por Amauri Segalla

O agronegócio brasileiro enfrenta um cenário paradoxal. Enquanto os índices de produtividade das lavouras avançaram de maneira expressiva nos últimos anos graças sobretudo às inovações tecnológicas e científicas, as deficiências de infraestrutura impedem o setor de crescer ainda mais. Estradas ruins, portos deficientes e escassa malha ferroviária são fatores que, safra após safra, aumentam os custos para os produtores e reduzem a sua capacidade de competir no cenário internacional.

Simples comparações demonstram como a logística ineficaz afeta a produtividade da produção agrícola nacional. Um estudo feito pela Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec), com dados de março último, constatou que os agricultores do Mato Grosso gastam, em média, US$ 103 por tonelada para levar grãos por caminhão até Santos (SP), em um trajeto de aproximadamente 2 mil quilômetros, e outros US$ 35 no frete marítimo até a China, o que totaliza um custo de US$ 138 por tonelada. Se a mercadoria for levada, também num percurso de 2 mil quilômetros, de caminhão e barcaças até Barcarena (PA), o custo é de US$ 82, e o frete marítimo, de US$ 40. Nesse caso, a conta final ficaria em US$ 122 por tonelada.

Para se ter ideia, produtores de Illinois, nos Estados Unidos, desembolsam um total de US$ 75 por tonelada para levar seus grãos até o mercado chinês, enquanto para os argentinos de Córdoba o valor é de US$ 79. Ou seja, é muito mais caro escoar a produção no Brasil, mas isso não é resultado apenas das dimensões continentais do País. Trata-se, acima de tudo, de um efeito direto dos gargalos na logística.

A má notícia é que eles estão longe de serem eliminados. Dados apurados pelo especialista Paulo Resende, coordenador do Núcleo de Infraestrutura, Supply Chain e Logística da Fundação Dom Cabral, mostram que, nas últimas três décadas, o Brasil investiu, em média, 0,8% do PIB em infraestrutura de transportes. O percentual é insignificante. Os principais concorrentes agrícolas do Brasil, afirma Resende, desembolsam o equivalente a 2,5% do PIB por ano para ampliar e modernizar os seus sistemas de transporte.

Como não poderia deixar de ser, a defasagem traz graves consequências. No Brasil, os custos logísticos sobre o faturamento bruto das empresas embarcadoras é de 12%, um dos percentuais mais altos do mundo e só comparável aos de nações pobres. O professor Resende lembra que, na formação desses custos, 65% estão relacionados ao transporte de matérias-primas e produtos, tanto na longa distância quanto na última milha logística. Como resultado, um produtor de grãos no Brasil tem custos logísticos 50% superiores aos de seu equivalente nos Estados Unidos.

O cenário seria muito pior, ressalve-se, se as lavouras do Brasil não estivessem entre as mais produtivas do mundo. Ex-ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues destaca que, nos últimos 25 anos, a área plantada com grãos cresceu 53% no País, enquanto a produção avançou 263%, ou cinco vezes mais. Significa, portanto, que a produtividade por hectare disparou. Ou seja, é a atividade dentro das porteiras que mantém algum nível de competitividade para os brasileiros. Fora delas, o cenário permanece difícil.

Existem deficiências onde quer que se olhe. A malha ferroviária brasileira estende-se por 30 mil quilômetros. Não é nada diante da dimensão territorial do País. Na Argentina, nação que tem uma área que equivale a um terço do Brasil, são 37 mil quilômetros. Nos Estados Unidos, 293 mil. Números como esses reforçam a urgência de investimentos no setor – mas eles ainda são insuficientes perto das urgências brasileiras. De acordo com um levantamento feito pela consultoria americana Duff & Phelps, apenas 15% da logística do Brasil é feita por ferrovias, quando o ideal seria que o número fosse pelo menos o dobro.

Há projetos importantes sendo debatidos no Brasil, mas é incerto que seguirão adiante. Entre as principais obras ferroviárias previstas para o País estão a Ferrogrão, que liga Sinop (MT) aos portos fluviais do Rio Tapajós em Miritituba (PA), mas ela envolve longa batalha com ambientalistas. O setor agrícola também defende a conclusão da Ferrovia de Integração Centro-Oeste (Fico), que conecta a Ferrovia Norte-Sul em Maria Rosa (GO) até Vilhena (RO), e a construção dos trechos 1 e 2 da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol), de Figueirópolis (TO) a Ilhéus (BA). Essas obras estão previstas na terceira fase do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC 3), mas, a julgar pelo desempenho pregresso do PAC, não dá para contar com elas. Um levantamento feito pela consultoria Inter.B descobriu que apenas 10% das obras de infraestrutura do PAC 1 e 32% do PAC 2 foram concluídas. Por que seria diferente agora?

Atenta ao problema, a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) reivindica, com frequência, aumento dos aportes em infraestrutura logística, mas eles seguem em passo de tartaruga. Entre as propostas na mesa estão a melhoria da navegabilidade das hidrovias dos rios Madeira, Tapajós e Tocantins, mas pouco tem sido feito nesse sentido. Estima-se que o transporte hidroviário reduziria em até 30% o valor do frete, e não é difícil imaginar o impacto positivo que uma diminuição de despesas dessa magnitude provocaria no bolso dos agricultores.

O setor rodoviário vive situação bem melhor. Um novo calendário de licitações e repactuações de concessões previstas para os próximos meses deverá levar a um ciclo robusto de investimentos no País. Cálculos recentes mostram que os novos projetos injetarão R$ 45 bilhões na melhoria de 3,8 mil quilômetros de estradas brasileiras. Se as promessas forem cumpridas, 2024 ficará marcado pela maior quantidade de licitações num mesmo ano desde 2007. No total, até dezembro, o setor rodoviário prevê receber R$ 69 bilhões.

Nesse contexto, os estrangeiros miram oportunidades no Brasil. Um dos maiores concessionários de ativos de infraestrutura do mundo, o grupo francês Vinci obteve em 2022 o controle da Entrevias, responsável pela operação de 570 quilômetros de rodovias que cruzam o estado de São Paulo, e prospecta futuros negócios no Brasil. Empresas nacionais também vivem um momento de fartura. A CCR, principal operadora de concessões rodoviárias do País, anunciou recentemente R$ 15,5 bilhões na Via Dutra, que conecta São Paulo ao Rio de Janeiro – é um dos maiores aportes da história para uma concessão no Brasil.

Uma parte relevante dos recursos será financiada pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), por meio de debêntures incentivadas. É um caminho cada vez mais usado no Brasil. De acordo com um relatório recente da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), as emissões de debêntures atingiram R$ 206,7 bilhões no primeiro semestre de 2024, o maior volume já registrado pela entidade considerando os seis meses do ano. Foram realizadas 289 emissões, das quais 73 superaram a marca de R$ 1 bilhão. Segundo a Anbima, os setores de infraestrutura, incluindo transporte e logística, representam pouco mais de 40% do total, percentual que também significa um recorde.

A retomada dos projetos de infraestrutura rodoviária tem impulsionado um novo segmento. Depois das fintechs (startups do mercado financeiro), das agtechs (ligadas ao agronegócio), das edtechs (do setor de educação) e muitas outras, agora é a vez das logitechs, como são chamadas as empresas iniciantes da área de logística. De acordo com um estudo realizado pela consultoria Liga Insights, já existem 317 logitechs no País, e o número não para de crescer. Isso é ótimo. Essas empresas têm forte conexão com a inovação, e trazem soluções que podem ajudar a reduzir o atraso brasileiro em relação aos concorrentes internacionais do agro.

Nos portos, também está previsto um ciclo robusto de investimentos. Entre 2024 e 2026, novos terminais e concessões deverão movimentar R$ 14,5 bilhões – apenas em 2024, 16 empreendimentos irão a leilão, com previsão de levantar R$ 8 bilhões em negócios. Em 2025, serão 11 ativos, com transações estimadas em R$ 5 bilhões. Para 2026, a projeção é de promover o arrendamento de oito empreendimentos, que, juntos, deverão atrair R$ 1,6 bilhão em investimentos.

Melhores condições de infraestrutura de transportes terão papel vital no avanço da produtividade geral do Brasil e não apenas do agronegócio. Nesse aspecto, temos muito a evoluir. Um importante estudo sobre o tema foi realizado pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas. De acordo com o levantamento, a renda per capita do Brasil cresceu 0,8% ao ano entre 1981 a 2021. No mesmo período, a produtividade avançou, na média anual, apenas 0,6%. Com esse resultado, nas duas últimas décadas, o Brasil foi ultrapassado, em termos de produtividade, por nações como Bulgária, Colômbia e República Dominicana, que não são, aponte-se, referência em produção de riqueza.

Segundo especialistas, uma das principais dificuldades brasileiras na área de infraestrutura diz respeito à falta de continuidade dos projetos na área. Os programas governamentais costumam mudar a depender do resultado de eleições, o que leva muitas vezes à interrupção de boas ideias, ou, na direção contrária, à retomada de velhas propostas que não deram certo no passado recente. Os programas, alertam os estudiosos do tema, deveriam ser do estado brasileiro e não dos governos que, afinal, são passageiros. Como se sabe, projetos de infraestrutura são custosos, demandam muito tempo para serem concluídos e, muitas vezes, trazem desafios operacionais inesperados. Superar tais barreiras exige competência e esforço tanto dos entes públicos quanto da iniciativa privada.

Nos últimos anos, o agronegócio tem carregado o PIB brasileiro nas costas, e provavelmente continuará a alimentar a construção da riqueza nacional ainda por um bom tempo. Contudo, enquanto persistirem os gargalos nacionais – a logística ineficiente está entre eles –, nós não poderemos dar um salto maior. Em mercados caracterizados pela competição acirrada, há o risco nada desprezível de o País ficar para trás com o passar dos anos. É preciso melhorar nossas estradas, ferrovias, hidrovias, portos e aeroportos para assegurar que os produtos saídos das lavouras brasileiras cheguem aos destinos no exterior da forma mais rápida possível, e pelo custo mais baixo. Eis aqui um desafio que deveria ser perseguido por governos e todos os protagonistas do setor.

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